O Fascínio dos Números – Parte V

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Nas primeiras três partes deste artigo falei-vos de vários conjuntos diferentes de números (parte I, parte II, parte III), e na quarta parte foquei-me em alguns números em particular, nomeadamente o zero, o pi, e o número de ouro (ver também A Mitologia e a Verdade da Razão de Ouro). Nesta quinta e última parte vou-me debruçar sobre outros números especiais que serão eventualmente menos conhecidos, mas não menos fascinantes.

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O número de Euler (também conhecido como número de Neper, número de Napier, número neperiano, ou número exponencial) é normalmente apresentado na escola como sendo o resultado do seguinte limite:

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Permitam-me explicar o que é isto para quem não sabe: está-se a considerar o limite da expressão quando ‘n’ tende para infinito. A expressão em causa é uma potência de base (1+1/n) e expoente ‘n’, que é uma forma compacta de dizer que a base se multiplica por si própria ‘n’ vezes. Claramente, quando se tem uma fracção em que o denominador (a parte de baixo) tende para infinito, e o numerador é um número finito, então a fracção tende para zero, porque está-se a dividir um dado número por algo infinitamente maior (é como dividir uma piza num número ‘n’ de fatias: como podem imaginar o tamanho de cada fatia tende para zero à medida que se aumenta o número ‘n’ de cortes). Portanto, o resultado da expressão de cima seria claro se retirássemos o expoente ‘n’ da expressão (daria 1+0=1). Por outro lado, se não tivéssemos a fracção, então seria 1 com expoente ‘n’, que é o mesmo que dizer que multiplicaríamos 1 por si próprio ‘n’ vezes, o que daria sempre 1 mesmo que o multiplicássemos infinitas vezes. Contudo, quando consideramos tanto a fracção como o expoente, como representado, o problema não é assim tão simples. À medida que a base (1+1/n) diminui, o expoente ‘n’ aumenta, logo poderão assumir que o resultado tem que ser um número maior que 1 (porque a base é sempre maior que 1 para qualquer ‘n’ maior que 0). De facto assim é, o limite desta função de ‘n’ tende para aproximadamente 2.718, o número de Euler (são conhecidos mais de 1 bilião de dígitos deste número). Este número é uma dízima infinita não periódica e trata-se de um número transcendente (ver parte I). É normalmente representado pela letra ‘e’, sendo usado como base na função exponencial (a função exponencial é um caso particular de uma potência em que a base é o número de Euler). Consequentemente, é também usado como a base dos logaritmos naturais, que me vou abster de explicar aqui. Para quem aprendeu expansões de Taylor, saberá que este número também pode ser representado como a seguinte soma infinita:

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onde o ponto de exclamação representa a operação “factorial”, em que o número natural em causa é multiplicado por todos os números naturais menores que ele. Por exemplo, 5!=5 x 4 x 3 x 2 x 1 = 20 x 6 = 120.

É possível representar este número de muitas outras formas. Deixo-vos aqui mais uma:

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Qual a relevância do número de Euler? O facto de poder ser representado de muitas formas já vos dá um indício: é um número que aparece em muitas áreas distintas da Matemática, até mais que o próprio pi! Dou-vos mais um exemplo: se calcularem quantos números têm que escolher em média entre 0 e 1 para que a sua soma seja superior a 1, obtêm o número de Euler.

Refiro ainda que o número de Euler aparece também na identidade de Euler, a equação que é considerada a mais bela da Matemática:

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A beleza está naturalmente na sua simplicidade e no seu poder. Numa só igualdade aparecem-nos aqueles que são eventualmente os 5 símbolos mais importantes da Matemática: o zero, a unidade, o pi, o número de Euler, e a unidade imaginária (ver parte II).

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Leonhard Euler (1707-1783), matemático suíço, considerado um dos maiores matemáticos de todos os tempos, sendo também o matemático mais prolífico de sempre. Como viria a dizer Laplace (matemático francês): “Leiam Euler, leiam Euler, ele é o mestre de todos nós.”

Na parte III falei-vos de números normais e disse-vos que se pensa que, por exemplo, o pi e o número de Euler sejam dois números normais. Mas já se conseguiu provar a “normalidade” de algum número? Sim! O número de Champernowne foi o primeiro número a ser demonstrado como sendo normal (tendo sido construído para o ser). Este número é formado por todos os números naturais em sequência, começando com 0., ou seja:

0.123456789101112131415…

Esta construção garante que todos os 10 dígitos aparecem com a mesma frequência, o que faz com que se trate de um número normal. O número foi “descoberto”/ “inventado” por David Champernowne (1912-2000) em 1933, quando este era ainda apenas um estudante universitário em Cambridge. Quatro anos depois, o matemático alemão Kurt Mahler (1903-1988) provou que o número era também transcendental.

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O penúltimo número de que vos quero falar é a constante de Feigenbaum (4.669201…). Mitchell Feigenbaum (1944-?) descobriu esta constante universal em 1975 quando estudava uma fórmula simples para descrever o crescimento de uma população (conhecido como mapa logístico). Em modelos deste tipo, a população pode crescer ou extinguir-se, dependendo de parâmetros que podem ser alterados. Dependendo do parâmetro, a população pode convergir para um dado número, ou alternativamente oscilar (isto é, o número de “indivíduos” pode fixar-se num dado número, ou então oscilar no tempo). À medida que se altera esse parâmetro, a população pode oscilar entre 2 valores, entre 4, entre 8… De cada vez que aparece o dobro das possibilidades, diz-se que o sistema sofreu uma bifurcação. Até que a população pode oscilar entre tantos valores que o sistema se torna caótico. Como expliquei no artigo sobre a Teoria do Caos, um sistema caótico tem a propriedade de ser imprevisível, porque uma pequena alteração nas condições iniciais conduz a desfechos completamente diferentes. As bifurcações não ocorrem ao acaso em função do tal parâmetro, sendo a sua posição relativa definida pela constante de Feigenbaum. Trata-se de uma constante universal porque não só aparece neste sistema, como na verdade surge em todos os sistemas do mesmo género.

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Quando Feigenbaum fez a sua descoberta, chamou os pais e disse-lhes que tinha “descoberto algo verdadeiramente notável”, e que quando o compreendesse, fazê-lo-ia “um homem famoso”.

Para concluir, deixo-vos o googol, que é o nome que Edward Kasner (1878-1955) deu à centésima potência de 10, ou seja, ao resultado de 10 a multiplicar por si próprio 100 vezes, isto é, um 1 seguido de 100 zeros. O nome foi inventado pelo sobrinho de Kasner, Milton Sirotta, quando tinha 9 anos: Kasner pediu-lhe para ele inventar uma palavra para um número muito grande. Apesar do número não ter qualquer importância especial em Matemática, é um número útil como referência e, principalmente, para cativar o interesse do público em geral. Note-se que este número é superior ao número de átomos que compõe todas as estrelas visíveis! Por outro lado, se contarmos o número possível de jogos diferentes que se podem jogar em xadrez, obtemos um número maior que googol!

Como talvez saibam, o nome da empresa Google foi inspirado no nome deste número. Já agora acrescento ainda que se dá o nome de googolplex a 1 seguido de googol zeros (ou 10 com potência de googol). Um número extremamente grande, mas que ainda assim é inferior a infinitos números maiores que ele, num universo de números fascinantes.

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“Não há já problemas suficientes no mundo?”

2 comentários

    • Nuno José Almeida on 03/03/2016 at 13:56
    • Responder

    “Como talvez saibam, o nome da empresa Google foi inspirado no nome deste número.” A história completa é que os dois fundadores andavam à procura de financiadores para a empresa que queriam criar no seguimento da tese de mestrado que tinham feito para a Universidade. Depois de muito chatearem um dos executivos da Sun num parque de estacionamento, ele lá passou um cheque de 100.000 $ e perguntou a quem é que passava. Os dois não tinham ainda só tinham pensado no assunto mas não tinham registado a empresa. Disseram googol mas o presidente da Sun percebeu Google. Tiveram de registar a empresa com esse nome.

    1. Obrigado pela informação adicional. 🙂

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