Ontem, escrevi sobre uma descoberta potencialmente revolucionária para a astronomia: pela primeira vez tinha sido possível determinar com precisão a localização e a distância da fonte de uma das misteriosas erupções rápidas de ondas de rádio (Fast Radio Burst ou FRB). O artigo correspondente foi publicado na revista Nature e podem ler o meu resumo aqui.
A aceitação de um artigo para publicação numa revista é um processo exigente. Vários cientistas da área, anonimamente, lêem e verificam a robustez científica do trabalho: o que é que os autores afirmam ter descoberto, que metodologia utilizaram, que dados recolheram e se suportam as suas conclusões. Depois deste passarem este crivo, os resultados podem ser vistos como uma contribuição válida para o avanço da área, mas isso não implica automaticamente a sua correcção ou a sua aceitação pelo resto da comunidade. De facto, poucos dias depois da publicação do artigo acima referido, uma análise detalhada e independente dos dados providenciados pelos autores permitiu identificar uma falha importante no trabalho.
Segundo o artigo, os autores observaram o FRB150418 com o radiotelescópio de Parkes em 18 de Abril de 2015 e notificaram rapidamente os colegas que operavam o conjunto de radiotelescópios do ATCA para que pudessem, com a sua melhor resolução espacial, determinar com precisão a posição da fonte. Os astrónomos no ATCA observaram um rasto débil de ondas de rádio na mesma região do céu e assumiram tratar-se do mesmo fenómeno. Note-se que, a ser real esta associação, este era o primeiro FRB para o qual um tal rasto de ondas de rádio era detectado após o pulso inicial. Acontece que observações posteriores demonstraram que o sinal débil de ondas de rádio tem origem na putativa galáxia hospedeira do FRB e é visível ainda hoje porque se trata de uma radio-galáxia, com um buraco negro super-maciço pouco activo. Por outras palavras, não tem nada a ver com o FRB150418. Os astrónomos não conseguiram de facto determinar a sua localização.
Como se esta reviravolta não fosse suficientemente espectacular, um artigo publicado posteriormente, também na Nature, pode ser a chave para a resolução do mistério. Paul Scholz, um dos autores, estudava os registos de observações realizadas pelo radiotelescópio de Arecibo, o maior do mundo, à procura de sinais de FRBs e encontrou algo de extraordinário: um FRB que, em vez de ter um único pulso intenso, apresentava várias réplicas após o primeiro pulso, até finalmente desaparecer. O facto dos sinais se repetirem excluia de imediato as teorias dominantes que sugeriam que os FRBs teriam origem na colisão de objectos compactos como estrelas de neutrões ou buracos negros. A hipótese mais provável agora em cima da mesa é de que se tratem de emissões de ondas de rádio com origem em estrelas de neutrões jovens enquanto sofrem ajustes na sua estrutura interna. Uma coisa é certa, onde quer que se encontre, este FRB está longe, bem longe, fora da nossa galáxia, uma conclusão a que os autores do artigo original tinham também chegado, com base na dispersão temporal do sinal rádio observado.
O mistério das erupções rápidas de ondas de rádio continua por isso em aberto e acabou de se tornar ainda mais interessante!
(Fonte: New Scientist, Nature)
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Será que vamos conseguir descobrir a origem dos FRB?
[…] buracos negros super-maciços no centro de galáxias distantes. No entanto, poucas semanas depois, as conclusões do referido artigo foram refutadas e ficou demonstrado que a associação entre o FRB150418 e a galáxia não era real. Voltava tudo […]