O vácuo quântico está cheio de flutuações: é como um Oceano cheio de ondas provocadas pela dinâmica das moléculas da água. Simplesmente, nestas dimensões do muito pequeno, as partículas virtuais, que surgem e desaparecem continuamente, produzem uma espuma tão pequena que não a podemos detectar directamente.
Vácuo quântico estaria desacelerando a rotação dos pulsares
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a Agência FAPESP, emitiu em 16 de Agosto deste ano de 2016 um comunicado sobre uma pesquisa que incide sobre pulsares que se reveste do maior interesse.
O leitor do AstroPT.org José Sérgio Carvalho chamou-nos a atenção para este comunicado e, entretanto, o artigo científico publicado pelo IOP – Institute of Physics já conta com 3 citações em artigos subsequentes.
Agradecemos esta participação do leitor e passamos ao comunicado.
Citação (em Português do Brasil):
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A resistência ao movimento oferecida pelo vácuo pode estar desacelerando a rotação ultrarrápida das estrelas de nêutrons que constituem os pulsares. A instigante hipótese, resultante de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros, foi apresentada em artigo publicado em The Astrophysical Journal: “The influence of quantum vacuum friction on pulsars”. E noticiada em Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS): “Friction of the vacuum could slow the rotation of pulsars”.
Jaziel Goulart Coelho, pós-doutorando do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Jonas Pedro Pereira, atualmente pós-doutorando da Universidade Federal do ABC (UFABC), e José Carlos Neves de Araújo, pesquisador titular do Inpe, os três autores do artigo, são apoiados pela FAPESP em diferentes projetos. O estudo em questão vincula-se especialmente ao trabalho de pós-doutorado de Coelho, supervisionado por Araújo: “Magnetares e os pulsares de anãs brancas magnetizadas, muito rápidas, massivas e estranhas e a geração de ondas gravitacionais”. Este trabalho vincula-se também ao projeto Temático FAPESP “Matéria Superdensa no Universo”, coordenado por Manuel Máximo Bastos Malheiro de Oliveira.
“As observações astronômicas informam que, a cada segundo, o período de rotação dos pulsares atrasa de um centésimo trilionésimo (10^-14) a um décimo trilionésimo (10^-13) de segundo. O mecanismo clássico de perda de energia, por radiação de dipolo magnético, não é suficiente para explicar esse atraso. É preciso considerar algo mais. Nosso estudo nos levou a concluir que esse componente adicional poderia ser a frenagem exercida pela fricção do vácuo quântico”, disse Coelho à Agência FAPESP.
Vale lembrar que, para a mecânica quântica, o vácuo não é realmente vazio, mas, sim, permeado por flutuações. Nesse meio, extremamente dinâmico, flutuações locais de potencial produzem o tempo todo pares de partículas e antipartículas, que se aniquilam em seguida. Assim, por mais tênue que possa ser o espaço interestelar, seu efeito sobre corpos altamente compactos em rotação, como as estrelas de nêutrons, não seria negligenciável.
Já foram identificados cerca de 2 mil pulsares. Mas, devido a grandes dificuldades no processo de observação, apenas nove deles têm os seus parâmetros bem estabelecidos. O que os três pesquisadores fizeram foi reunir os dados relativos a esses nove, registrados na literatura, e tratá-los com base em conceitos da física fundamental. Desse modo, constataram que, além da perda de energia devida à radiação eletromagnética, um outro fator poderia estar contribuindo para a desaceleração do movimento de rotação: a fricção do vácuo quântico (quantum vacuum friction, em inglês – daí a sigla QVF).
“Os períodos de rotação dos pulsares, bem como suas variações temporais, são determinados observacionalmente. A partir deles, é possível calcular o chamado índice de freagem (brake index), caracterizado pelo atraso de 10^-14 a 10^-13 segundo por segundo. Para explicar esse índice, combinamos dois mecanismos de perda de energia: a radiação de dipolo magnético clássica e a fricção do vácuo quântico. Investigamos o papel da QVF como mecanismo adicional. Foi um trabalho de astrofísica teórica aplicado a observáveis”, resumiu Coelho.
Para onde vai a energia subtraída aos pulsares pela fricção do vácuo? O pesquisador afirmou que, para uma resposta inteiramente conclusiva, são necessários mais estudos. Porém adiantou que a produção de calor está intrinsecamente associada à QVF. Esta é uma das consequências da interação de um campo magnético muito forte com um meio supermagnetizado. O calor surge da “fricção” do vácuo (visto agora como um meio material) com a superfície da estrela, da mesma forma que o movimento de uma pá na água por um longo tempo pode aquecê-la.
“Parece também importante compreender melhor sob o ponto de vista teórico as consequências do calor associado à QVF. Até que ponto ele influencia a temperatura da superfície do pulsar? A presença desse calor é importante para outras classes de estrelas?”, acrescentou.
Emissão eletromagnética
Aqui, convém apresentar um resumo do estado atual dos conhecimentos acerca dos pulsares. A primeira observação de um objeto desse tipo foi feita em 1967 pela astrofísica irlandesa Jocelyn Bell, que então realizava sua pesquisa de doutorado. O objeto, localizado na Nebulosa do Caranguejo, foi detectado como fonte de uma emissão eletromagnética, na faixa de frequências do rádio, constituída por pulsos extremamente regulares – tão regulares que chegou a se cogitar, na época, que poderiam ser provenientes de uma civilização extraterrestre.
Sabe-se agora que esses pulsos são produzidos por estrelas de nêutrons em rotação. Estas constituem o estágio terminal do ciclo evolutivo de estrelas que iniciaram suas vidas com massas da ordem de grandeza de oito a 25 massas solares. Em um dado momento de sua evolução, tais estrelas explodem como supernovas, ejetando ao meio exterior a maior parte do material que as constitui. Depois, tendo-se encerrado o processo de fusão nuclear, cuja pressão de dentro para fora contrabalançava a atração gravitacional, o material remanescente entra em colapso e começa a se compactar cada vez mais. A contração gravitacional é tanta que os elétrons se fundem com os prótons dando origem a nêutrons, altamente aglutinados. Forma-se, assim, uma estrela de nêutrons, cuja densidade chega a patamares de 10^15 g/ cm³. Isso significa que cada centímetro cúbico da estrela tem 1 bilhão de toneladas de massa! Massas equivalentes a uma vez e meia a massa do Sol se comprimem em esferas com não mais de 20 quilômetros de raio.
Uma das consequências da contração é que a estrela passa a girar cada vez mais rápido. Isso se deve a uma regularidade no comportamento da matéria que recebe em física o nome de “princípio de conservação do momento angular”. O momento angular relaciona a massa, o quadrado do raio e a velocidade angular. Como a massa e o raio diminuem drasticamente, é preciso que a velocidade angular aumente muito para que o momento angular se mantenha constante. “Existem pulsares extremamente rápidos, com períodos de rotação da ordem do milissegundo (10^-3 s); pulsares intermediários, com períodos que vão do centésimo ao décimo de segundo (10^-2 a 10^-1 s); e pulsares mais lentos, com períodos de um a dez segundos (10^0 a 10^1 s)”, informou Coelho.
Outra consequência da contração é que o campo magnético da estrela se intensifica tremendamente. “Isso decorre do chamado ‘princípio de conservação de fluxo’. Uma vez que a área da superfície do astro diminui, para que o fluxo magnético se conserve, o campo deve crescer com o quadrado da razão entre o raio anterior e o raio resultante”, explicou o supervisor Jose Carlos Neves de Araújo. Assim, o campo magnético das estrelas de nêutrons pode atingir valores da ordem de cem milhões (10^8) a um quatrilhão (10^15) de Gauss. Para efeito de comparação, a magnitude do campo magnético na superfície da Terra é da ordem de 0,25 a 0,65 Gauss.
Estrelas de nêutrons
Embora os primeiros pulsares tenham sido detectados na faixa do rádio, as estrelas de nêutrons emitem em todas as frequências do espectro eletromagnético: rádio, micro-ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios X, raios gama. Porém, só podem ser percebidas como pulsares, isto é, como objetos pulsantes, quando o eixo de seu campo magnético não coincide com o seu eixo de rotação. O motivo é que a emissão ocorre a partir dos polos magnéticos. Quando os eixos coincidem, o canhão de fótons (as partículas responsáveis pela interação eletromagnética) aponta sempre na mesma direção. Quando não coincidem, o feixe de fótons varre diferentes regiões do espaço durante a rotação. Cada vez que ele aponta para o observador terrestre, isso é percebido como um pulso. O fenômeno é parecido com o dos pulsos luminosos emitidos pelos faróis que orientam os navios.
“O que mais nos entusiasmou nesse estudo sobre a fricção do vácuo quântico foi a possibilidade de prever, a partir desse efeito, a inclinação do campo magnético do pulsar em relação ao eixo de rotação e também a evolução do campo magnético ao longo do tempo. No cenário clássico, de radiação de dipolo magnético puro, o campo deve aumentar de forma a explicar os braking indices observados. Mas a introdução da QVF e outros ingredientes invertem essa tendência”, comentou Coelho.
Importante salientar que a confirmação ou refutação de QVF deve advir de forma observacional. “Nossas análises nos mostraram que há quantidades físicas que se contrastam muito dependendo ou não da inserção do vácuo quântico no mecanismo de perda de energia de um pulsar, dando-nos assim grandes esperanças de se testar de forma definitiva QVF quando estas puderem ser medidas”, adiciona o co-autor do artigo Jonas Pedro Pereira.
Segundo os pesquisadores, a fricção do vácuo quântico tornar-se-ia especialmente relevante em pulsares com campos magnéticos muito intensos, de 10^12 a 10^13 Gauss, e que, por já terem perdido bastante rotação, apresentem períodos mais longos, de um a 10 segundos.
“Ao considerar a fricção do vácuo quântico, nosso estudo acrescentou um importante elemento ao modelo clássico de transferência de energia dos pulsares, baseado apenas na radiação eletromagnética. Mas queremos ir adiante, e estamos trabalhando agora em um terceiro mecanismo de transferência, que é o da emissão de ondas gravitacionais ”, finalizou Araújo.
Fim de citação, acedido em 12 de Novembro de 2016.
Notas:
^significa “elevado a,” exemplos: 10^3 = 1000 ; 10^-3 = 0,001 (atenção este número é pequeno mas é maior (>) do que zero.
Textos a “bold” da minha responsabilidade.
http://agencia.fapesp.br/vacuo_quantico_estaria_desacelerando_a_rotacao_dos_pulsares/23755/
http://iopscience.iop.org/article/10.3847/0004-637X/823/2/97/pdf
Mais sobre pulsares:
http://www.atnf.csiro.au/research/pulsar/resources/Education_page.html
Espuma quântica o que é?
A espuma quântica é a epiderme, muito pequena e muito fina, do tecido do espaço-tempo.
A sua detecção é indirecta pois está numa dimensão abaixo da capacidade de detecção imposta pelo Principio da incerteza em acção: quanto mais pequeno é um objecto mais energia terá de ter o aparato, quer natural quer artificial utilizado para a sua detecção.
Reparem noutra tremenda implicação deste mesmo Princípio: num Pulsar, as partículas suas constituintes, os neutrões das estrelas de neutrões (e a sua crosta de átomos de Ferro), estão fortemente localizadas em regiões do espaço muito bem determinadas, apesar de ser extraordinariamente difícil observar um Pulsar e as suas emissões de impulsos electromagnéticos.
Como a localização dos neutrões é muito precisa, o seu momentum, ou movimento, é inversamente (complementaridade da Incerteza) impreciso, ou, menos formalmente, é tremendo, tem uma dinâmica extraordinária. Lembrem-se que uma estrela de neutrões é o núcleo duma estrela bastante massiva que restou após a violenta implosão/explosão dessa estrela inicial numa supernova.
Esse movimento rotacional, como um farol costeiro desenfreado, pode ser, por exemplo, de mais de 183 impulsos por segundo, como o objecto PSR J-1823-3021 A, o Pulsar de milissegundos mais jovem até hoje descoberto, com a idade de 25 milhões de anos, um recém-nascido nas escalas de tempo astronómicas, já que o nosso sistema solar tem mais de 4.5 mil milhões de anos de idade, e a Via Láctea pelo menos 13 mil milhões de anos.
A espuma quântica do espaço-tempo, com a sua rugosidade, ou granularidade, trava muito ligeiramente o tremendo movimento de rotação (momento angular intrínseco) da estrela de neutrões geradora do Pulsar, conforme descrito no trabalho dos Físicos brasileiros.
Que tamanho tem então esta espuma, esta epiderme do espaço-tempo?
A NASA publicou um trabalho que definiu os limites das dimensões desta espuma para cerca de 100 milhões de vezes mais pequena do que um protão, a partícula composta que constitui o núcleo do átomo do Hidrogénio comum, conforme relatámos em Maio de 2015.
Protão: 10^-15 metros = 1 fentometro (fm)
Numa dimensão abaixo das capacidade de detecção do mais pequeno, temos a espuma do espaço-tempo a relevar a sua rugosidade:
< (menor do que) 10^-18 centímetros de metro.
ou…. 10 zeptómetros (zm)
0, 000 000 000 000 000 000 01 metros
Mesmo muito pequena.
A imagem abaixo é uma impressão artística da espuma do espaço-tempo realizada pelo artista Stephen Wagner, que aproveitamos para citar, dado ele ter visto esta sua obra há décadas utilizada literalmente milhares de vezes sem a devida citação. A imagem foi editada de forma a tentar melhorar o seu contraste de cores.
Obrigado Stephen Wagner.
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