COMUNICADO DE IMPRENSA DO CERN
A Experiência ALPHA observa pela primeira vez o espectro de luz da antimatéria.
Genebra, 19 de dezembro de 2016.
Num artigo publicado na revista Nature, a colaboração ALPHA relata a primeira medição sobre o espectro óptico de um átomo de antimatéria. Esta conquista apresenta desenvolvimentos tecnológicos que abrem uma era completamente nova na pesquisa de alta precisão da antimatéria. É o resultado de mais de 20 anos de trabalho da comunidade da antimatéria no CERN.
“Usar um laser para observar uma transição no anti-hidrogénio e compará-la ao hidrogénio para ver se obedecem às mesmas leis da física tem sido sempre um objectivo chave da pesquisa da antimatéria,” declarou Jeffrey Hangst, porta-voz da colaboração da experiência ALPHA.
Os átomos consistem em nuvens de electrões nas orbitais dum núcleo. Quando os electrões se movem duma concha duma orbital para outra, absorvem ou emitem luz em comprimentos de onda específicos, formando o espectro do átomo. Cada elemento tem um espectro único. Em resultado, a espectroscopia é uma ferramenta habitualmente usada em muitas áreas da física, da astronomia e da química. Ajuda a caracterizar átomos e moléculas e os seus estados internos. Por exemplo, na astrofísica, a análise do espectro de luz de estrelas longínquas permite aos cientistas determinar a sua composição.
Com o seu único protão e único electrão, o hidrogénio é o átomo mais abundante, mais simples e melhor compreendido do Universo. O seu espectro foi medido com uma precisão muito elevada. Por outro lado, os átomos de anti-hidrogénio são mal compreendidos.
Dado que o Universo parece consistir inteiramente de matéria, os constituintes dos átomos do anti-hidrogénio – antiprotões e positrões – têm que ser produzidos e montados nos átomos antes que o espectro do anti-hidrogénio possa ser medido. É um processo cuidadoso, mas vale a pena o esforço, uma vez que qualquer diferença mensurável entre os espectros de hidrogénio e de anti-hidrogénio poderia romper princípios básicos da física e, provavelmente, ajudar a entender o quebra-cabeças da assimetria matéria-antimatéria, o maior desequilíbrio e um dos maiores enigmas do Universo.
O resultado da experiência ALPHA é a primeira observação de uma linha espectral de um átomo de anti-hidrogénio, permitindo que o espectro de luz da matéria e da antimatéria sejam comparados pela primeira vez. Dentro dos limites experimentais, o resultado não mostra diferença em relação à linha espectral equivalente no hidrogénio.
Isso é consistente com o Modelo Padrão de Física de Partículas, a teoria que melhor descreve as partículas e as forças em acção entre elas, que prediz que hidrogénio e o anti-hidrogénio devem ter características espectroscópicas idênticas.
A colaboração ALPHA espera melhorar a precisão de suas medições no futuro. A medição do espectro do anti-hidrogénio com alta precisão oferece uma nova e extraordinária ferramenta para testar se a matéria se comporta de forma diferente da antimatéria e, assim, testar ainda mais a robustez e a fiabilidade do Modelo Padrão.
ALPHA é uma experiência única nas instalações do Antiproton Decelerator no CERN, e é capaz de produzir átomos de anti-hidrogénio e de mantê-los numa armadilha magnética especialmente projectada, manipulando anti-átomos, uns tantos de cada vez. Armadilhar átomos de anti-hidrogénio permite que estes sejam estudados utilizando laseres ou outras fontes de radiação.
“Mover e armadilhar antiprotões ou positrões é fácil porque são partículas com carga eléctrica”, explicou Hangst. “Mas quando se combinam os dois, obtém-se anti-hidrogénio neutro, que é muito mais difícil de capturar, então concebemos uma armadilha magnética muito especial que se baseia no facto do anti-hidrogénio ser ligeiramente magnético.”
O anti-hidrogénio é produzido misturando plasmas de cerca de 90 000 antiprotões do Antiproton Decelerator com positrões, resultando na produção de cerca de 25 000 átomos de anti-hidrogénio por cada tentativa. Os átomos de anti-hidrogénio podem ser capturados caso estejam a mover-se lentamente – o suficiente para esse objectivo – quando são gerados.
Usando uma nova técnica pela qual a colaboração empilha anti-átomos resultantes de dois ciclos de mistura sucessivos, é possível capturar em média 14 anti-átomos por ensaio, em comparação com apenas 1,2 com os métodos anteriores. Ao iluminar os átomos presos com um feixe de laser numa frequência sintonizada com precisão, os cientistas podem observar a interacção do feixe com os estados internos de anti-hidrogénio.
A medição foi feita observando-se a chamada transição 1S-2S (número principal quântico e designação da primeira orbital, ou número quântico de momento angular ou azimutal, que podem decorar por S,P,D,F ou São Pedro Dá-me Física). O estado 2S no hidrogénio atómico é de longa duração, levando a uma largura estreita da linha natural, efeito pelo qual se mostra particularmente adequado para a medição de precisão.
O resultado actual, juntamente com os limites recentes na proporção da massa antiprotão-electrões estabelecida pela colaboração ASACUSA e a relação carga-massa antiprotão determinada pela colaboração BASE, demonstram que os testes de simetrias fundamentais com a antimatéria no CERN estão a amadurecer rapidamente.
Para mais informações:
Vídeo YouTube: https://youtu.be/AxG_dYEfF5g
Vídeo: https://cds.cern.ch/record/2239266
Filme disponível em: https://cds.cern.ch/record/2239283 e https://cds.cern.ch/record/2239263
Fotos disponíveis em: http://cds.cern.ch/record/2121303 e https://cds.cern.ch/record/2238961
Sobre o CERN
O CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, é o principal laboratório mundial de física de partículas. A sua sede está em Genebra. Os seus Estados-Membros são: Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Israel, Itália, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Suécia, Suíça e Reino Unido . Chipre e a Sérvia são Estados-Membros Associados na fase anterior à adesão. Paquistão, Turquia e Ucrânia são Estados-Membros Associados. A União Europeia, a Índia, o Japão, o JINR, a Federação Russa, a UNESCO e os Estados Unidos da América têm actualmente o estatuto de observador.
2 comentários
Obrigado ao CERN por este Presentão de Boas Festas! 🙂
Entretanto o Paul Rincon do IOP que está a trabalhar como editor de Ciência da BBC entervistou o Professor Angst que está de regresso por uns dias ( o CERN tem umas mini-férias) à sua Universidade de Aarhus na Dinamarca e este revelou que esta medição da luz da anti matéria tem já uma precisão de “algumas partes por milhares de milhões, mas que espera aumentar esta (já enorme) capacidade no futuro.”
Por outro lado, prosseguiu o Professor (deve ser fantástico ser seu aluno 🙂 ) ” a equipa ALPHA pretende testar os átomos de anti-matéria doutras formas,”
Disse ao Paul que “a equipa ALPHA está a construir uma nova máquina que estudará a Gravitação, e que querem observar o que vai suceder quando lhe verterem alguma anti-matéria.” Revelando um entusiasmo contagiante o Professor diz que “queremos essa é uma experiência que precisa de ser feita.”
E Ruben, para te desjar e a todos os leitores e amigos aqui do AstroPT umas Boas Festas deixo uma pequena surpresa: estejam atentos neste próximo ano de 2017 à missão TESS, que vai tentar captar as assinaturas de vida (o oxigénio livre e/ou grandes quantidades de Metano) nos exoplanetas rochosos e parecidos com a Terra. 🙂
Por último coloquei o link para o paper da Nature desta fantástica descoberta do CERN, de forma a que todos as pessoas interessadas o possam aceder de forma gratuita (documento .pdf por ligação web na palavra Nature agora a azul no texto).
Obrigado Ruben e Boas Festas! 🙂
Excelente. Obrigado Manel por nos continuares a trazer e explicar notícias fantásticas como esta. 🙂