No dia 1 de Dezembro de 2016, o observatório GAIA detectou o aparecimento de uma estrela de magnitude 19.6 nos braços espirais da galáxia NGC 2442, situada a 50 milhões de anos-luz na direcção da constelação do Peixe Voador. Parecia tratar-se de mais uma supernova. A AT2016jbu, como foi designada, continuou a aumentar de brilho até atingir a magnitude 17.4, correspondendo a uma luminosidade real de 60 milhões de sóis. É um número tremendo mas parco para uma supernova. Desde então, paradoxalmente, a AT2016bju tem flutuado entre as magnitudes 17 e 18. A análise de um espectro obtido a 3 de Janeiro mostrava afinal que a AT2016jbu era uma impostora. Tratava-se da erupção de uma estrela muito maciça e luminosa (um tipo de estrela designado por LBV ou Luminous Blue Variable) e não de uma supernova. Mas o destino da estrela parecia traçado e a erupção terá sido o seu último esforço para tentar manter o seu equilíbrio interno. De facto, no dia 14 de Janeiro, Libert Monard, do Klein Karoo Observatory, na África do Sul, reportou um aumento drástico de brilho para magnitude 15.2, correspondendo a uma luminosidade de quase 500 milhões de sóis. Só uma supernova conseguiria atingir uma tal luminosidade.
Eu e um colega entusiasta registámos este evento notável no passado dia 18 de Janeiro, usando um telescópio remoto, o T32 do iTelescope, situado no Observatório de Siding Spring, na Austrália. Na imagem, a supernova é bem visível como uma estrela brilhante, destacando-se dos belos braços espirais da NGC 2442. Entretanto, uma análise preliminar de imagens detalhadas da galáxia obtidas pelo telescópio espacial Hubble em 2006, permitiu identificar a provável estrela progenitora, uma estrela supergigante muito luminosa, que evidenciava sinais do início de uma erupção já em Outubro em imagens de arquivo da galáxia, desta feita obtidas com o Very Large Telescope. A estrela era particularmente luminosa numa linha do hidrogénio designada de H-alfa o que indicava que estava rodeada de um casulo de gás quente que ejectou para o espaço — um traço característico das LBVs.
[adenda: novas observações resultantes de imagens obtidas com o telescópio espacial Hubble entre 21 de Janeiro e 9 de Abril de 2016 mostram que a possível estrela progenitora tinha uma magnitude visual de 23 e variava de brilho com uma amplitude até 1.8 magnitudes. As novas imagens reforçam também a ideia de que era extremamente luminosa, com um fluxo na ordem de 1 milhão de sóis.]
A AT2016jbu parece pertencer a uma classe rara de supernovas provocadas por um mecanismo designado por “instabilidade por criação de pares” (Pair-Instability Supernova). No que se segue, vou tentar explicar do que se trata e porque é importante para a nossa compreensão do Universo.
A temperatura interna das estrelas é função da sua massa. A eficiência das reacções nucleares é extremamente sensível à temperatura. Assim, estrelas mais maciças têm interiores mais quentes e, por isso, as reacções nucleares desenrolam-se com mais eficiência, libertando mais radiação, resultando em estrelas mais luminosas.
A radiação produzida nas regiões nucleares da estrela é formada essencialmente por raios gama, o tipo mais energético. Estes raios gama interagem com as partículas e núcleos atómicos do plasma transferindo parte da sua energia e exercendo desta forma uma pressão que suporta o peso das camadas sobrejacentes da estrela. Se esta fonte interna de energia falha, a estrela perde este equilíbrio (dito hidroestático) e parte dela pode colapsar sob a acção da gravidade.
Um exemplo de colapso gravitacional ocorre em estrelas maciças que, ao longo de alguns milhões de anos, produzem sucessivamente hélio, carbono, oxigénio, neon e silício, entre outros elementos menos abundantes, no seu núcleo. Depois, em poucos dias, a fusão do silício forma um núcleo de ferro, o elemento mais estável. A fusão do ferro não produz radiação, pelo contrário, tende a absorver a que existe disponível. O interior da estrela perde sustentação e colapsa. Este mecanismo dá origem às chamadas supernovas de “colapso do núcleo” (Core Collapse Supernova). A maioria das supernovas em estrelas maciças devem-se a este mecanismo.
Mas há estrelas que são tão maciças que a sua estabilidade ainda é mais precária. Para estrelas com massas iniciais entre as 85 e 250 massas solares, os problemas podem surgir logo durante a fusão do carbono. Nesta fase, o núcleo da estrela é formado por uma “cinza” de carbono e oxigénio resultante da fusão do hélio. As temperaturas são tão elevadas — cerca de 4 mil milhões de Kelvin — que os raios gama dominantes têm energia suficiente para criar espontaneamente pares electrão-positrão (o positrão é a anti-partícula do electrão). Esta reacção desvia uma fracção apreciável dos fotões que deixam assim de estar disponíveis para exercer a pressão necessária para manter o núcleo da estrela em equilíbrio e o centro da estrela começa a contrair-se e a aquecer rapidamente. A certa altura, a temperatura é tão alta que é encetada a fusão explosiva do oxigénio presente no núcleo. Se a estrela tiver mais de 140 massas solares, a energia libertada é suficiente para originar uma supernova e destruir a estrela (Pair-Instability Supernova).
Em estrelas menos maciças, entre as 85 e as 140 massas solares, a energia libertada pela fusão explosiva do oxigénio não é suficiente para iniciar uma supernova e a estrela retoma o seu equilíbrio hidrodinâmico. No entanto, o pulso de energia libertado do seu interior provoca uma erupção em que a estrela pode ejectar várias massas solares de material para o espaço. Estes pulsos podem ocorrer várias vezes ao longo de dias, meses ou anos, provocando erupções visíveis da estrela durante as quais se torna muito luminosa. Nesta variante, a estrela sobrevive a várias destas erupções antes de terminar a sua vida numa supernova (esta variante é designada por Pulsation Pair-Instability Supernova).
Os astrónomos conseguiram já recolher consideráveis evidências observacionais para a existência de supernovas iniciadas por este mecanismo. O exemplo mais famoso deste tipo de supernova é a SN2009ip que ocorreu na galáxia NGC7259, situada a 80 milhões de anos-luz na direcção da constelação do Peixe Austral. A estrela progenitora foi detectada em 2009 durante uma erupção. Na altura pensou-se que seria uma supernova devido ao seu brilho. Nos 3 anos que se seguiram a estrela teve várias erupções semelhantes às de Eta Carinae e de P Cygni, alternando com períodos em que esteve quiescente. Finalmente, em Setembro de 2012, a estrela explodiu. Imagens obtidas pelo Hubble antes da explosão permitiram identificar a estrela progenitora, uma supergigante azul com mais de 60 massas solares e uma luminosidade de 1 milhão de sóis.
Actualmente, estrelas com 100 ou mais massas solares são raras. No entanto, há fortes indícios de que a proporção de estrelas nestas condições no Universo primordial era muito maior. Estas estrelas deverão ter terminado as suas vidas como Pulsation Pair-Instability Supernovae ou simplesmente Pair-Instability Supernovae, disseminando para o espaço interestelar os produtos da nucleossíntese explosiva que ocorre nos primeiros instantes da explosão. A mistura de elementos que observamos actualmente no Universo, incluindo os que participam nas moléculas da vida, está por isso intimamente ligada à morte destas estrelas portentosas.
Referências: S. Woosley, Pulsational Pair-Instability Supernovae; J. Mauerhan et al., The Unprecedented 2012 Outburst of SN 2009ip: A Luminous Blue Variable Star Becomes a True Supernova.
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