Na madrugada do dia 29 de Março, o céu por cima do Observatório de Siding Spring, na Australia, estava limpo e sereno.
Entretanto, na costa de Queensland, o ciclone Debbie devastava paisagem e povoações com ventos que atingiam 260 km/h.
Indiferente ao drama que se desenrolava para norte, às 3h20m locais, o telescópio T32 das instalações do iTelescope foi apontado para um recanto da constelação do Lobo com a missão de fotografar a supernova AT2017cbv.
[nota sobre a designação: AT — Astronomical Transient; 2017 — ano da descoberta; cbv — código de 3 letras indicando a ordem de descoberta no ano referido].
Descoberta no passado dia 10 deste mês, na periferia dos braços espirais da galáxia NGC 5643, esta supernova é de um tipo designado por Ia (lê-se “um-a”), o resultado da explosão termonuclear de uma anã branca. Um exemplar típico, como parece ser o caso, atinge uma luminosidade máxima de 5 mil milhões de sóis. A AT2017cbv tem de especial o facto de ter sido descoberta muito cedo, menos de 2 dias depois da explosão ter ocorrido, pelo que demorou duas semanas até atingir, agora, a magnitude visual máxima de +11.5. A supernova brilha devido à temperatura extrema do plasma em expansão e ao decaimento de isótopos radioactivos sintetizados durante a fusão explosiva do carbono, a reacção em cadeia que suscita a explosão da anã branca.
NGC 5643, a galáxia hospedeira, é uma espiral barrada elegante situada a cerca de 45-50 milhões de anos-luz. Apesar de mais pequena do que a Via Láctea, o seu núcleo é bem mais energético, resultado da actividade de um buraco negro com uma massa estimada de 100 milhões de sóis. A galáxia contém ainda outro objecto de interesse, uma fonte ultra-luminosa de raios X (“Ultra-Luminous X-ray source” ou ULX) designada por NGC 5643 X-1, localizada num dos seus braços espirais. Durante anos pensou-se que estas fontes seriam sistemas binários em que uma das componentes seria um buraco negro de massa intermédia, com dezenas ou centenas de massas solares. No entanto, a identificação recente de pulsares em alguns ULXs conhecidos, e.g., M82 X-2 e NGC 5907 X-1, põe em causa esses modelos.
A AT2017cbv foi descoberta no âmbito de um projecto de monitorização da esfera celeste — o All-Sky Automated Survey for Supernovae (ASAS-SN, lê-se “assassin”). A ideia é simples: manter toda a esfera celeste debaixo de olho, todas as noites, fotografando-a com telescópios de grande campo de visão — na realidade lentes Nikon 400mm f/2.8 conectadas a câmaras CCD de grande sensibilidade — , mas com uma resolução suficiente para detectar transientes até à magnitude 17, i.e., mais de 250 mil vezes menos brilhantes do que as estrelas mais débeis que podemos ver à noite.
Este varrimento ininterrupto da esfera celeste permite a detecção de fenómenos astrofísicos transientes de muito interesse, e.g., estrelas variáveis de diversos tipos, novas, supernovas, erupções de raios gama e erupções em galáxias activas e em quasares. A equipa do ASAS-SN tem uma “pipeline” de software que processa as imagens obtidas e detecta estes transientes de forma automática. As descobertas são reportadas à comunidade astronómica através de páginas na Internet como o Transient Name Server e o Astronomer’s Telegram. Os astrónomos interessados e com acesso a tempo de observação em telescópios profissionais poderão, a partir desse momento, estudar mais detalhadamente os transientes.
Actualmente o projecto tem duas instalações no Las Cumbres Observatory, designadas por “Brutus”, no Hawaii, e “Cassius”, no Chile. Brevemente esta plataforma será estendida com mais 3 instrumentos, nos Estados Unidos (Texas), na África do Sul e (mais um) no Chile, tornando-a mais resiliente a factores como a meteorologia e problemas técnicos. O projecto ficará assim mais próximo de conseguir manter uma cobertura total da esfera celeste, noite após noite. Um dos novos instrumentos será baptizado de “Leavitt”, uma justa homenagem a Henrietta Swan Leavitt, a astrónoma americana que descobriu a relação período-luminosidade para as estrelas Cefeidas, de importância crucial no estabelecimento da escala de distâncias cósmicas. Os outros dois instrumentos ainda não têm nomes atribuídos.
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