A estrela que se recusa a morrer

A curva de luz da supernova iPTF14hls em várias bandas do espectro comparada com a curva de luz da SN1999em, uma supernova de “colapso gravitacional do núcleo” normal. Note-se a diferença de luminosidade absoluta e a resiliência extraordinária da curva de luz.
Crédito: Arcavi et ​al. ​2017, ​Nature.

Descoberta em Setembro de 2014 pelo projecto Palomar Transient Factory, a supernova iPTF14hls brilha ainda, ao fim de 3 anos, com a luz de mil milhões de sóis. Imagens de arquivo da sua galáxia hospedeira mostram que a estrela progenitora sofreu uma explosão violenta, de brilho comparável ao de uma supernova, em 1954, mas sobreviveu. Este padrão de comportamento é uma característica inconfundível das progenitoras de um tipo de supernova que os astrónomos esperam encontrar desde há décadas e que é designado por “Pulsational Pair Instability Supernovae” (PPSI). Estes eventos marcam o final da vida de estrelas extremamente maciças, com 100 ou mais massas solares, que seriam extremamente vulgares na infância do Universo mas que agora são muito raras.

Imagens de arquivo mostram que a estrela progenitora da ​iPTF14hls teve uma erupção em 1954 em que atingiu uma luminosidade comparável à de uma supernova normal. A estrela não é visível numa imagem da mesma região obtida em 1993. Sessenta anos depois da erupção, em Setembro de 2014, a estrela parece ter finalmente explodido.
Crédito: Arcavi et ​al. ​2017, ​Nature & POSS/DSS/LCO/S. ​WILKINSON.

Estrelas tão maciças têm temperaturas centrais de milhares de milhões de Kelvin e as reacções nucleares desenrolam-se a uma velocidade vertiginosa. As coisas começam a complicar-se, sugere a teoria, no início da fusão do carbono, altura em que o núcleo da estrela é formado por uma “cinza” de carbono e oxigénio resultante da fusão prévia do hélio. As temperaturas são tão elevadas — cerca de 4 mil milhões de Kelvin — que os raios gama que irradiam o núcleo têm energia suficiente para criar espontaneamente pares electrão-positrão (o positrão é a anti-partícula do electrão).

A pressão da radiação proveniente das reacções nucleares no interior da estrela compensa o peso das camadas exteriores. Nestas condições, a estrela diz-se em equilíbrio hidrodinâmico.
Crédito: Pearson Education

Esta reacção absorve uma fracção apreciável dos fotões que fornecem a pressão necessária à estabilidade das camadas interiores, suportando o seu peso. Nestas condições, a região interior da estrela contrai-se e aquece ainda mais até se iniciar a fusão explosiva do oxigénio presente no núcleo. O resultado é a libertação quase instantânea de uma enorme quantidade de energia no interior da estrela que, se esta for suficientemente maciça, pode despoletar uma supernova.

Nesta série de gráficos podem ver-se resultados de simulações da evolução terminal de estrelas com núcleos de 44, 48, 50 e 52 massas solares. A temperatura (linha vermelha, medida em milhares de milhões de Kelvin) exibe picos frequentes devidos à ignição explosiva do oxigénio. A estrela explode numa supernova no instante 0.0. A cinzento pode ver-se representada a energia potencial total do núcleo. Os astrónomos pensam que as instabilidades resultantes da fusão explosiva do oxigénio podem explicar as erupções prévias da estrela progenitora da iPTF14hls.
Fonte: S. E. Woosley, “Pulsational Pair Instability Supernovae”.

Em estrelas com massa no limite inferior da gama referida, a energia libertada pela fusão explosiva do oxigénio não é suficiente para iniciar uma supernova mas dá origem a uma erupção em que a estrela pode ejectar várias massas solares de material para o espaço até, eventualmente, re-estabelecer o seu equilíbrio hidrodinâmico. Estas ignições explosivas do oxigénio tornam-se recorrentes, ocorrendo com intervalos de meses ou mesmo vários anos. Durante as erupções daí resultantes a estrela torna-se extremamente luminosa, quase tanto como uma supernova “normal”. Um dia, no entanto, um destes episódios é fatal e a estrela explode mesmo numa supernova.

Os diferentes tipos de supernova em função da massa e metalicidade das estrelas progenitoras. As supernovas provocadas pela instabilidade de pares (laranja e rosa) ocorrem em estrelas com 100 ou mais massas solares e cujo gás é muito pobre em metais. Estrelas com estas características seriam muito comuns quando o Universo era mais jovem.
Fonte: Wikipedia

Mas, apesar de ter várias características em comum com as ditas supernovas, a iPTF14hls tem peculiaridades difíceis de explicar. Mesmo uma PPSI não é suficiente para explicar a luminosidade e longevidade extremas. É necessário um outro processo que amplifique a energia da supernova. Uma possibilidade será a colisão da onda de choque da supernova com material circum-estelar ejectado pela estrela progenitora ao longo de milhares de anos durante as erupções. Uma outra dificuldade tem a ver com o facto do espectro da iPTF14hls mostrar que a estrela progenitora tinha as camadas exteriores ricas em hidrogénio. Em geral, estrelas tão maciças perdem rapidamente estas camadas exteriores devido a erupções e ventos estelares intensos, a não ser que o gás da estrela seja extremamente pobre em “metais”.

A descoberta vem relatada num artigo publicado na revista Nature.

Referência: Iair Arcavi et al., “Energetic eruptions leading to a peculiar hydrogen-rich explosion of a massive star”. Nature 551, 210–213 (09 November 2017)

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