A galáxia Messier 77 é uma das maiores e mais brilhantes do catálogo compilado por Charles Messier. Situada a apenas 47 milhões de anos-luz na direcção da constelação da Baleia, é um dos exemplos mais próximos de uma galáxia activa. No seu núcleo, um buraco negro com cerca de 15 milhões de massas solares captura gás com o seu campo gravitacional poderoso, que passa a orbitá-lo a alta velocidade num disco de acreção. A fricção e o intenso campo electromagnético no disco aquecem o gás a temperaturas muito elevadas, provocando a emissão de radiação muito energética como raios gama, raios-X e raios ultravioleta. Este processo transforma energia gravitacional do buraco negro em energia electromagnética com uma eficiência superior à da fusão nuclear, explicando desta forma as luminosidades extraordinárias dos núcleos das galáxias activas.
A teoria que explica as características e o comportamento destas galáxias sugere que, no bordo dos discos de acreção, onde as temperaturas são menos elevadas, deve existir um toro (uma região com a forma de um donut) de gás e poeiras muito denso. Em alguns casos, dependendo do alinhamento com a nossa linha de visão, esse toro pode mesmo ocultar totalmente a nossa vista do brilhante disco de acreção que rodeia o buraco negro central. Apesar de haver muitas provas circunstanciais da sua existência, ninguém tinha até à data observado um destes toros directamente e medido a sua rotação. O feito foi agora conseguido com imagens de alta resolução obtidas com o observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), situado a 5 mil metros de altitude no Deserto de Atacama, no Chile.
Os cientistas realizaram as observações em comprimentos de onda emitidos por moléculas de cianeto de hidrogénio (HCN) e iões de formilo (HCO+) quando misturadas com outros gases em nuvens densas. De facto, a detecção destas moléculas permite inferir a presença de outros gases, e.g., hidrogénio, cujas assinaturas espectrais são muito mais difíceis de identificar. As imagens revelam uma região com 700 anos-luz de extensão, em forma de ferradura, em torno de uma estrutura compacta e densa aproximadamente coincidente com a posição do buraco negro.
Os astrónomos utilizaram o poder de resolução excepcional do ALMA para estudar em mais detalhe esta estrutura compacta que, à distância de Messier 77, se estende por 20 anos-luz. Para seu gáudio, observaram que as linhas espectrais das espécies químicas supra citadas estavam deslocadas relativamente ao seu comprimento de onda em repouso. Este efeito de Doppler permitiu deduzir que a nuvem está em órbita do buraco negro central, com um dos lados a aproximar-se da Terra e outro a afastar-se.
A região nuclear da Messier 77 foi observada inúmeras vezes ao longo das últimas décadas mas esta é a primeira vez que o toro em torno do disco de acreção do buraco negro foi detectado com clareza e a sua rotação medida. De facto, trata-se da primeira confirmação inequívoca da existência de tais toros de gás e poeiras em torno de buracos negros supermaciços em galáxias activas. As suas características são consistentes com as previstas pela teoria.
Referências:
NAOJ ALMA Project: Rotating Dusty Gaseous Donut around an Active Supermassive Black Hole.
Imanishi et al. “ALMA Reveals an Inhomogeneous Compact Rotating Dense Molecular Torus at the NGC 1068 Nucleus”, Astrophysical Journal Letters (2018 February 1, 853, L25).
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