Os filmes e séries com missões a Marte estão na moda.
Depois da série Mars (primeira e segunda temporadas), eis que chegou a série The First.
A série deveria retratar a Primeira Missão Tripulada a Marte. Foi assim que a série foi “vendida”, em termos de marketing.
No entanto, a primeira – e única – temporada, foca sobretudo os aspetos sociais e familiares dos astronautas, além dos jogos políticos que são necessários fazer para desenvolver essa missão com sucesso.
A série não se passa em Marte, nem os astronautas – na primeira temporada – chegam a Marte.
Todas as histórias da série passam-se na Terra.
O 1º episódio mostra o lançamento da Providence 1, em 2031.
A nave Providence 1 leva 5 astronautas até à órbita da Terra.
Laz Ingram é a diretora-geral da empresa Vista – uma companhia privada que trabalha com a NASA.
O ex-comandante da missão, Tom Hagerty, assiste em casa.
2 mil milhões de pessoas assistem pela televisão.
Durante o lançamento, a nave explode. Os 5 astronautas morrem.
Tom Hagerty viaja imediatamente para a sede da Vista. Ele vai apoiar as famílias dos astronautas que morreram.
Depois, Tom volta a casa. Entretanto, chega a sua filha Denise. Denise não falava com o pai, mas quando viu o desastre do lançamento na televisão, voltou para casa. Tom não sabia de Denise. Denise está drogada. Denise volta a viver com o pai.
É aberta uma investigação ao acidente fatal.
O 2º episódio mostra-nos que a missão a Marte está em perigo de ser encerrada. Laz Ingram viaja até Washington para depôr perante o Congresso. Ela defende que se deve continuar a tentar uma missão tripulada a Marte.
Parte da população está contra a exploração espacial.
Enquanto isso, a família do astronauta Castillo (que morreu) abre um processo judicial contra a empresa Vista.
Denise é empregada de mesa, mas quer começar a usar o estúdio de tatuagem que era da falecida mãe.
Tom e Laz gradualmente recebem mais apoio para se tentar uma outra missão a Marte. Laz pergunta a Tom se quer ser o comandante da missão a Marte, se esta fôr lançada dentro de cerca de 2 anos (para os planetas estarem alinhados de novo para uma missão), em Maio de 2033.
No 3º episódio, Tom passa a ser o comandante da próxima missão a Marte.
Kayla – que ia ser a comandante – passa a ser a vice-comandante.
Como Tom entrou na tripulação e só podem ir 5 astronautas, alguém da tripulação tem que sair. Kayla e Tom discordam sobre quem retirar da tripulação: Tom quer retirar Sadie, enquanto Kayla quer retirar Nick. Sadie falha no treino de sobrevivência, porque não quer deixar a pessoa ferida para trás/morrer. Tom retira Sadie, argumentando que ela não tem o que é preciso para tomar as decisões difíceis em situações críticas.
Surge um problema com o MAV (Mars Ascent Vehicle), que poderá pôr a segurança da tripulação em perigo. O MAV já está em Marte – já foi adiantado – mas não está a transmitir. Se estiver inoperacional, a tripulação não pode deixar a superfície marciana, quando estiver lá.
Denise tem uma festa em casa com amigos, e Tom tem medo que ela tenha uma recaída e torne a consumir droga.
No 4º episódio, apesar de Sadie ter sido excluída, ela continua a pensar que poderá ir na missão, se acontecer algum imprevisto. Devido a isso, o seu casamento passa por dificuldades.
Sadie, que era a especialista em ciência (biologia) da missão, ajuda Nick que está com dificuldades nessa parte dos treinos.
Kayla sente que as suas decisões não são respeitadas, porque foi substituída como comandante da missão. Ela atribui a sua substituição ao facto de ser mulher, negra e homossexual.
Laz trabalha com os engenheiros à medida que a pressão aumenta para encontrarem uma solução para a avaria do MAV. Entretanto, parece que encontram uma solução.
Tom e Ellen (esposa do comandante da missão Providence 1, que explodiu) tornam-se mais próximos e dormem juntos. Denise não fica nada contente com isso.
O 5º episódio é inteiramente dedicado à história familiar de Tom.
Devido a Tom estar muito tempo fora de casa, em trabalho, a sua esposa, Diane, sentiu-se demasiado sozinha e suicidou-se. A sua filha sentiu-se abandonada, e virou-se para as drogas.
Denise viu a sua mãe propositadamente afogar-se no rio.
Tom envia Denise para a Universidade em Nova Iorque, onde não lhe dá qualquer apoio, e ela encontra o conforto nas drogas. Ela tem uma overdose.
Tom faz com que Denise volte para casa e seja internada num centro de reabilitação (rehab).
Quando Denise tem uma recaída, Tom expulsa Denise de casa.
Devido a todos estes problemas familiares, Tom não está profissionalmente a ter a mesma competência, e por isso é substituído como comandante da primeira missão a Marte a bordo da Providence 1.
Denise relembra-se de tudo isto e, no presente, tem uma recaída: volta a consumir drogas.
O 6º episódio começa com Denise a acordar numa cela da polícia. Laz tira-a da prisão. Tom discute com Denise, que sai de casa novamente. Tom reconsidera as suas prioridades: será que deve ir na missão da Providence 2? Tom pondera desistir da missão e ficar com a filha, mas Denise diz-lhe que ele não deve desistir novamente.
Laz convence um repórter influente, cético do programa marciano, da importância da missão a Marte. Existem riscos elevados, a tripulação pode morrer, mas esse é o preço da exploração. Sempre foi assim pela história da Humanidade.
Aiko e Eitan testam um método para solucionar o problema do MAV. Mas não dá certo.
No 7º episódio, Tom e a tripulação do Providence 2 assinam uma carta, em que todos concordam colocar a sua vida em risco, caso a missão falhe (ex: caso o MAV falhe).
Os testes com o MAV falham. Aparentemente, ele não consegue ser reparado.
Matteo, um dos astronautas, começa a ouvir mal. O seu tímpano teve problemas devido à pressão no tanque (de testes de astronauta), já que não estava a 100% desde que, na guerra, Matteo teve uma bomba inimiga detonada perto de si. Matteo sai da missão. Sadie volta à missão, apesar do seu marido não concordar.
Tom e Denise voltam a falar. Denise diz que não fala mais com Tom, o seu pai, se ele escolher ir a Marte. Tom diz que Denise não precisa mais dele, mas que a sua tripulação precisa dele. Por isso, ele escolhe a missão a Marte.
O 8º e último episódio da série, mostra a tripulação da Providence 2 a preparar-se para o lançamento.
Mais de 2 anos após o desastre da Providence 1, o lançamento da Providence 2 tem sucesso. Os astronautas chegam ao Mars Transfer Vehicle, que está em órbita.
Denise vê o lançamento, vai a casa, retira tudo o que é seu, e envia um vídeo ao pai, Tom, em que escreve: I Hate You because I Love You – Eu odeio-te porque te amo. I miss You – Sinto saudades tuas.
Laz apoia Denise, durante a missão do pai.
A série termina com a tripulação preparada para sair da órbita da Terra, e seguir viagem em direção a Marte.
Esta série só teve 1 temporada, e somente 8 episódios.
Entretanto a série foi cancelada.
É uma série que se foca sobretudo no lado humano: as relações familiares dos astronautas da missão Providence 2, sobretudo do seu comandante Tom Hagerty.
Também tem algumas discussões políticas, sobretudo a nível de subornos e acordos que se têm que fazer com a classe política, de modo a levar os empreendimentos científicos a bom porto. Neste caso, é interessante a personagem de Laz Ingram: ela é uma espécie de Elon Musk, sendo que a empresa privada Vista é similar à SpaceX.
Finalmente, inclui algumas discussões a nível da engenharia, e alguns dos desafios que teremos numa ida a Marte e nas possíveis soluções (ou falta delas) que poderão advir daí.
Assim, é uma série que ultrapassa a normal ficção científica (a que estamos habituados no cinema) e que se dedica principalmente a temas universais.
Não existem heróis e vilões nesta história.
Na verdade, o que vemos são pessoas, humanos, com os seus problemas do dia-a-dia.
Não existem grandes batalhas ganhas pelos bons da fita. Não existe essa descarga de adrenalina por parte da audiência.
O que existem sim são problemas complexos que têm que ser resolvidos através da inteligência (racional e emocional) das personagens, e muitas das vezes esses problemas nem sequer têm solução.
A série demonstra que há mais vida para além dos empreendimentos científicos.
E as personagens excelentes numa área (ex: ciência) podem ser incompetentes noutras áreas (ex: família).
Na verdade, o que se vê é que as personagens não conseguem equilibrar a vida social e familiar com a vida profissional.
Grande parte dos astronautas não ligam à sua esposa/marido. Laz não tem uma relação de proximidade com os filhos. Tom está tão focado no trabalho, que descura tudo o resto da sua vida.
A série concentra-se sobretudo na vida familiar de Tom.
Tom passou muito tempo em treinos para a missão lunar, em que pisou a Lua. Em consequência de ter passado tanto tempo fora de casa, a sua vida familiar desmoronou.
Quando Tom passou muito tempo em treinos para a missão marciana, a esposa não aguentou e suicidou-se. Seguidamente, a filha virou-se para as drogas e teve uma overdose.
Apesar das situações não terem sido tão críticas, a verdade é que a vida familiar e social de praticamente todos os astronautas das missões Apollo (que foram à Lua) sofreu bastante. A pressão do trabalho, e o facto de passarem muito tempo fora de casa, levou a muitos divórcios, a problemas de alcoolismo, etc.
Assim, é uma série bastante realista.
Neste sentido, é excelente.
No entanto, por se concentrar tanto na parte familiar, é uma série muito parada, que se torna um pouco chata.
Além disso, por se focar tanto nos problemas, torna-se uma série mais sombria e pessimista, que a série Mars por exemplo.
Imaginem a série Star Trek, de forma muito mais realista.
Se fosse realista, todas as semanas eles estariam no espaço, sem fazerem nada e sem terem nada interessante para investigar. Ao fim de uns anos, chegariam a um planeta, que seria somente uma rocha, sem nada para visitarem. Seria uma série bastante realista, mas extremamente chata.
Ou imaginem que a série Star Trek seria somente sobre as relações familiares e sociais entre os membros da tripulação. Isso não inspiraria ninguém. É verdade que alguns episódios de Star Trek focaram-se nisso, sobretudo nas temporadas de The Next Generation. Mas esse não era o alvo central dos episódios.
Neste último caso, até escusavam de estar numa nave espacial. Estar na Entreprise ou noutro lado qualquer seria o mesmo se o foco fossem as relações familiares.
E é isto que se passa nesta série: a ida a Marte é só uma “desculpa” – um fait-divers. Podíamos estar a falar de navegadores a atravessarem o Oceano Atlântico há 500 anos atrás. Podíamos estar a falar de exploradores do Ártico. Podíamos estar a falar nas missões de ida à Lua. Ou podíamos estar a falar de qualquer profissão que faça com que os pais/cônjuges passem muito tempo longe da família.
Neste caso, a ida a Marte é só uma artimanha de marketing.
Adorei que a ida a Marte se passasse na década de 2030. É realista.
Adorei a atuação das personagens, sobretudo a performance de Sean Penn.
A música também é muito boa, durante os episódios.
Adorei a mensagem do poster da série: “To go beyond, we must look within.” – para ir mais além, precisamos de olhar para dentro.
É isso que a série faz: foca-se nos problemas interiores (familiares) dos astronautas.
Adorei o facto da missão da Providence 1 ter explodido no lançamento, matando todos os astronautas.
É realista.
Aliás, as imagens na série foram muito semelhantes à explosão do vaivém Challenger.
Adorei as imagens no espaço. São visualmente muito belas.
Infelizmente, foram poucas. Existiram no primeiro episódio quando Tom Hagerty se lembra de missões espaciais passadas, e no último episódio quando a Providence 2 é lançada para a órbita da Terra.
A Providence 2 faz manobras muito lentas para atracar (docking) com o Mars Transfer Vehicle em órbita.
Temos um realismo tripartido nestas imagens: a existência do Mars Transfer Vehicle em órbita, as manobras extremamente vagarosas, e os pequenos jatos para colocar a Providence 2 perfeitamente no alvo.
A tecnologia futurista (de futuro próximo) existente na série também é excelente.
As pessoas têm relógios com telefone.
A tecnologia de reconhecimento de voz está bastante implementada (e funciona!), como por exemplo na televisão, no carro, no telefone, etc.
Os carros não atropelam pessoas, já que os seus sensores não deixam. E não necessitam de condutor.
Também existem uns óculos, do género dos Google Glasses, que nos permitem relacionar com a realidade aumentada. Por exemplo, com os óculos, podemos ver vídeos, podemos interagir com hologramas no nosso ambiente, podemos atender telefonemas (com as pessoas do outro lado da linha a serem hologramas), e até podemos ter vários óculos sintonizados de modo a várias pessoas verem espetáculos em conjunto.
Uma das tecnologias que mais me surpreendeu é que, com os óculos, podemos falar com um holograma de nós próprios. Esse holograma funciona como um psicólogo. Nós falamos com nós próprios, em busca de respostas e conforto.
O mais interessante é que o holograma consegue perceber quando estamos a mentir: até podemos estar a mentir às outras pessoas, mas o mais provável é estarmos a mentir-nos a nós próprios. Por exemplo, Tom Hagerty diz ao holograma que faria tudo para ver a sua filha feliz; e provavelmente, Tom está mesmo convencido disso, pensa estar a dizer a verdade. Mas o holograma diz que ele está a mentir; o holograma sabe que entre a missão ou a filha, Tom escolherá a missão.
Adorei o facto do problema de engenharia não ter sido resolvido.
Em ciência, muitas vezes não existem respostas de 2+2=4. O não existir uma solução clara, é, em si própria, uma das possíveis soluções dos problemas científicos.
Gostei da inclusão de uma empresa privada, a Vista, similar à SpaceX, que trabalha com a NASA para uma missão a Marte.
Infelizmente, não foi dada a devida relevância à NASA, parecendo só existir o sector privado.
Adorei Laz ter dito que existem riscos elevados (incluindo a morte), mas que esse é o preço da exploração.
Esta é a realidade. Sempre foi assim pela história da Humanidade. E sempre será assim. Quem nos leva mais além, muitas vezes corre o risco da sua própria vida.
Adorei a citação de Denise Hagerty: “Nós somos as escolhas que fazemos”.
E, claro, adorei a referência à extraordinária citação de Carl Sagan.
Em termos de desvantagens da série está o facto de ser parada, com o ritmo lento, o que a torna chata.
E também como já disse, o facto da ida a Marte (que não se concretiza) ser apenas uma distração do foco principal da história: as relações familiares dos astronautas, nomeadamente de Tom Hagerty.
Ao se concentrar tanto nas histórias dos bastidores, faz com que a história principal (ida a Marte) não seja importante (pelo contrário, poderia ser uma outra missão qualquer).
Laz Ingram começa por ser fria e calculista, nos primeiros episódios.
No entanto, nos últimos episódios, a diretora da Vista passa a ser demasiado… humana: emocional e com muitos sentimentos.
Não gostei desta evolução da personagem.
Também não gostei da superstição entre os astronautas: de levarem e beijarem uma moeda. É a competência e não a superstição/sorte que faz com que as missões sejam ou não um sucesso.
Ironicamente, foi essa moeda que levou à explosão da nave Providence 1. Ou melhor, foi erro humano: erro de não saberem onde puseram a moeda. Mas também, digo eu, um erro de superstição.
Eu até percebo que a substituição de Matteo, tenha sido por Sadie, já que era a astronauta de reserva disponível (em vez de se perder meses a treinar um novo astronauta).
No entanto, na realidade existem tripulações principais e de reserva.
Por outro lado, Matteo é o especialista médico, enquanto Sadie é bióloga/astrobióloga. Ela não é médica, mas sim uma cientista que quer encontrar vida em Marte. Assim, com esta substituição, a missão fica sem um especialista médico, o que não faz sentido.
Eu até percebo que seja realista, mas é absolutamente estúpido dar relevância às manifestações anti-exploração espacial. Estes manifestantes defendem que os Humanos devem se concentrar somente no planeta Terra. Mas onde é que estas pessoas pensam que a Terra está inserida?
Dar-se só relevância a um ponto no espaço e esquecer todo o ambiente à sua volta (sejam outros planetas, Sol, Lua, cometas, asteroides, etc) é completamente absurdo.
Por fim, como já foi dito, esta série só teve 1 temporada (8 episódios).
A segunda temporada iria, provavelmente, ser a viagem a Marte. A terceira temporada seria, provavelmente, a estadia em Marte. Com todos os problemas inerentes à distância, sobretudo sobre a família. Além disso, muito provavelmente iriam existir dificuldades no pouso em Marte, dificuldades de comunicação com a Terra (com “corte” com a sede da Vista), etc.
Infelizmente, a primeira temporada foi tão parada (e sem nada de Marte), que desiludiu os espetadores, e isso fez com que as temporadas seguintes não existam.
Concluindo: uma série com imenso potencial que, ao ter um ritmo lento, desiludiu na primeira, e única, temporada.
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