Michio Kaku apareceu recentemente nas notícias a defender que neste momento as evidências indicam que os OVNIs (ou UFOs, em inglês) existem e deu a entender que a sua origem deve ser extra-terrestre:
Qual o problema? Por definição, um Objecto Voador Não Identificado (OVNI) é algo que não sabemos o que é (ou pelo menos não é do conhecimento público). Isto não implica que seja de origem extra-terrestre, claro.
Michio Kaku não está sozinho na “elite” dos que já proferiram disparates. Stephen Hawking, por exemplo, afirmou no seu último livro que não há possibilidades de Deus existir. Como Deus não é um conceito científico passível de verificação experimental, é claro que a afirmação é absurda. O argumento de Hawking é que, como não existia tempo antes do Big Bang, Deus não poderia existir antes da criação do universo. Um argumento caricato porque assume que a existência pressupõe tempo e que isto se aplica tanto ao universo como ao seu suposto criador. Hawking também proferiu outros comentários no mínimo questionáveis, como por exemplo a profecia de que a Inteligência Artificial pode aniquilar a humanidade. É possível que possa, mas neste momento a afirmação parece mais um alarmismo inoportuno, do que um aviso necessário.
Até mesmo entre Prémios Nobel é possível ouvir muito disparate. Por exemplo, Ivar Giaever, Prémio Nobel da Física em 1973, afirmou que não havia aquecimento global, quando na verdade há múltiplas provas e consenso científico sobre o aquecimento global. Luc Montagnier, Prémio Nobel da Medicina em 2008, não só apoiou múltiplas pseudociências, como a homeopatia, como até contribuiu para a histeria em torno das vacinas. Aliás, até nomes incontornáveis da História da Ciência do século XX, como Wolfgang Pauli (Nobel da Física em 1945) e Linus Pauling (Nobel da Química em 1954) defenderam diversas idiotices e até mesmo pseudociências. Este “fenómeno” é apelidado de doença Nobel, dada a sua prevalência entre os premiados.
Não vou, porém, fazer aqui um levantamento de todos os disparates que já foram ditos por gente que tinha o dever de ser imune a este tipo de erros, ou pelo menos a uma parte deles. É importante notar que os disparates de cima podem ser essencialmente divididos em dois tipos diferentes: ou são de carácter opinativo sobre assuntos que os questionados não dominam, ou são de carácter pseudocientífico. Por exemplo, Ivar Giaever deu a sua opinião desinformada sobre as alterações climáticas. É grave estar tão mal informado, mas a verdade é que a área de estudos de Giaever era uma outra completamente diferente. Se por um lado o próprio tem culpa em exprimir uma opinião desinformada sobre um assunto que não domina, por outro é comum que a culpa seja em parte partilhada por quem faz a questão. Infelizmente, é comum ver-se divulgadores de ciência a serem questionados sobre todas as ciências não obstante a sua formação estar restringida a uma dada área. Não quero dizer que digam sempre disparates (muitas vezes estão bem preparados), mas a probabilidade destes emergirem é maior do que caso as questões fossem sempre personalizadas tendo em conta o conhecimento do divulgador e/ou cientista interpelado. Assim, quando o entrevistador faz a questão errada e o entrevistado responde na qualidade de indivíduo com opiniões e não na qualidade de divulgador especialista no assunto, cabe ao público ter o espírito crítico para questionar a informação recebida. Isto implica que todos nós quando lemos, ouvimos ou vemos uma entrevista, documentário, comentário, etc., temos que verificar a credibilidade do “mensageiro” dada a “mensagem” em causa. E, claro, mesmo que o mensageiro seja versado na mensagem, tal não implica que a mensagem seja verdadeira. É por isso importante não ser um “fã” crédulo de ninguém de tal forma que se acredite em tudo o que essa pessoa diz sem questionar.
O outro tipo de disparate, o da pseudociência, é mais grave. Um cientista e/ou divulgador, seja de que área for, deve (ou deveria) saber distinguir ciência de pseudociência. A diferença é que a ciência é conhecimento baseado em evidências experimentais reproduzíveis, enquanto que a pseudociência é um conjunto de alegações sem evidências que as comprovem, mas que simula fazer parte da ciência. A homeopatia é um dos exemplos mais conhecidos, mas há mais: todas as medicinas alternativas são pseudociência, pois são “alternativas” precisamente por não mostrarem provas válidas da sua eficácia. Todas as que eram válidas passaram a fazer parte da medicina convencional moderna. As pseudociências têm, à partida, um tempo de vida limitado: ou são encontradas provas que as comprovem e por isso são englobadas na ciência, ou acabam esquecidas. A Frenologia é um exemplo de uma pseudociência que morreu face à ausência de confirmação prática.
Deixo aqui uma pequena lista de pseudociências e de questões ou assuntos pseudocientíficos para consulta:
- Astrologia (e todos os tipos de adivinhação)
- Espiritismo (e afins)
- Negar alterações climáticas
- Homeopatia
- Reiki
- Osteopatia
- Acupuntura
- Naturopatia
- Movimento anti-vacinas
- Cura pela fé (medicina vibracional, cura psíquica, terapia energética e afins)
- Misticismo quântico (e afins)
- Feng shui
- Quiropraxia
- Psicanálise
- Frenologia
- Criacionismo (e “design inteligente”)
- Terra plana
- Fiabilidade do polígrafo
- Parapsicologia
- Triângulo das Bermudas
- A não ida à Lua
- Experiências de quase morte
- etc.
(Podem consultar esta lista que é um pouco mais completa.)
A mensagem deste artigo é pois um alerta: por vezes, nem nos especialistas podemos confiar, em particular se forem especialistas de assuntos diferentes daqueles sobre os quais se expressaram. Naquilo que dominam podemos ouvi-los com maior confiança, mas se possível devemos ainda assim procurar confirmações e refutações (e avaliar a credibilidade de cada uma delas).
“Não sei nada sobre o assunto, mas terei todo o prazer em dar-lhe a minha opinião especializada.”
4 comentários
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Basicamente, deve-se rejeitar a falácia do Apelo à Autoridade 😉
https://pt.wikipedia.org/wiki/Argumentum_ad_verecundiam
Quanto a Michio Kaku, infelizmente, na FOXnews, ele é extremamente especulativo e sensacionalista.
Já tenho visto várias entrevistas dele nesse canal, e o esquema é sempre o mesmo.
Infelizmente, não é só nesse canal, mas é mais nesse canal.
Para mim, ele visa somente o marketing pessoal: se não dissesse isso, não era mais chamado para esses programas.
http://www.astropt.org/2010/09/03/michio-kaku-e-os-ovni/
Quanto a Hawking, é a mesma coisa: ele sabe que ao dizer essas coisas, tem mais vendas do livro, porque o seu livro (as suas afirmações) vão ser mais discutidas na televisão e na internet: publicidade grátis.
http://www.astropt.org/2010/09/13/hawking-e-deus/
abraço!
Author
Do meu ponto de vista, é quase uma falácia também pedir ao público em geral para não usar o “apelo à autoridade”. A verdade é que para ter espírito crítico é preciso ter muito conhecimento que a maioria não tem, o que acaba por conduzir à necessidade de escolher fontes que se julgam credíveis e a partir daí acreditar-se nessas fontes quase de forma inquestionável. O importante acaba por ser reconhecer que qualquer pessoa ou fonte pode estar errada, pelo que devemos estar preparados para voltar a questionar e alterar a nossa opinião, caso se justifique. Assim, o meu conselho a qualquer pessoa seria primeiro reconhecer boas fontes (cientistas, universidades ou revistas prestigiadas) e manter-se informado a partir destas. Por vezes irão estar errados, mas na generalidade estarão certos (espera-se). Uma forma de minimizar os riscos, será manter-se informado a partir de mais que uma fonte prestigiada independente. Estas fontes não devem usar o “apelo à autoridade”, mas não me parece viável pedir o mesmo ao público leigo que as usa como fonte.
Sim, também creio que em ambos os casos se trata em parte de marketing pessoal, não obstante, não me parece que estivessem a mentir só para proveito pessoal, pois isso acabaria por denegrir a sua imagem profissional. Parece-me mais provável que ambos estivessem de facto a partilhar as opiniões que têm sobre os assuntos sabendo que isso os irá beneficiar. O terem motivos ulteriores é-me indiferente, para mim o problema reside apenas em terem opiniões que não são baseadas em ciência, mas que o público pode assumir que sejam, por os reconhecerem como “autoridades”. O público não deveria cair na falácia que mencionaste, mas a verdade é que isso é muito difícil porque exige conhecimento prévio que o público não tem. Coloco por isso a maior parte da culpa nestes cientistas e nos meios de comunicação (estes sim, têm o dever de não cair na falácia!!).
Abraço,
Marinho
Excelente, oportuno e necessário! Vou partilhar, Abraço grato com votos de quadra festiva Feliz.
Author
Olá Rogério,
Obrigado!
Cumprimentos,
Marinho