Como expliquei no último artigo, os números, os dados objetivos não são passíveis de discussão por não-especialistas na praça pública.
Então o que é discutível pelas pessoas comuns?
O que pode e deve ser discutido pelas pessoas é a forma como esse conhecimento objetivo é posteriormente aplicado com medidas concretas sobre os cidadãos.
Pode-se, por exemplo, discutir se as medidas a imporem restrições devem ser tomadas mais cedo ou mais tarde.
Isso é passível de discussão.
Exemplo: um guarda-chuva competente protege a pessoa da chuva. Isto não é discutível. É factual.
No entanto, se deve ser obrigatório todas as pessoas utilizarem guarda-chuva sempre que chove, de modo a não se molharem, isso já é discutível.
Exemplo relacionado com a pandemia: as máscaras são proteções eficazes contra a transmissão de vírus. Isto não é discutível, porque este conhecimento provém de experiências científicas com conclusões verificadas de forma independente.
No entanto, se as máscaras devem ser obrigatórias na via pública já é motivo de discussão.
Outro exemplo: sabe-se que a nova variante africana, a nova sub-variante da variante Delta, as festas universitárias, as viagens nos feriados, etc, vão certamente aumentar o número de infetados, internados e de mortos por COVID-19 nas próximas semanas. Esta é uma previsão com base em dados objetivos. Não me parece discutível.
O que é discutível sim, são as medidas restritivas que se poderão aplicar para prevenir este aumento.
Tudo o que seja baseado em experiências científicas comprovadas de forma independente, não é discutível na praça pública – só é discutível em sede de ciência.
Tudo o que seja opinião pessoal, mesmo quando aplicada a políticas de saúde, é discutível.
Assim, tendo por base os números atuais em Portugal (com casos positivos de infeções a subir, mas com números de casos graves muito inferiores aos anteriores à vacinação), o que me apraz dizer sobre as medidas que possam ser tomadas em Portugal?
Realço que tudo o que eu disser neste post, é só a minha opinião, e sendo assim, é passível de discussão.
Deveria-se reforçar a 3ª dose da vacinação.
Essa, para mim, deveria ser a grande medida a ser tomada: meios suficientes para uma campanha de vacinação intensiva (como há meses atrás), para a vacina de reforço.
Entre vacinar pessoas de risco (mais velhas) ou vacinar as crianças, olhando para os dados, e tendo em conta que a enorme maioria das crianças não têm sintomas graves da doença, eu daria prioridade à dose de reforço dos mais velhos.
Deveria ser fomentada novamente uma medida que funciona: distanciamento social.
Na rua, as pessoas deveriam andar mais afastadas umas das outras.
Nos locais fechados, sejam bares, cafés, restaurantes, shoppings, etc, as pessoas deveriam manter-se afastadas, devendo existir restrições no número máximo de pessoas por local.
Os transportes públicos deveriam ser em maior quantidade, de modo a poder reduzir-se o número de pessoas por transporte.
Sou obviamente a favor das máscaras: elas funcionam.
No entanto, não sou a favor da obrigatoriedade das máscaras em todos os locais, mas somente em espaços fechados (lojas, bares, cafés, supermercados, shoppings, transportes públicos, etc) e em locais abertos onde exista grande concentração de pessoas (como por exemplo, casamentos, concertos ou grandes festividades).
Na rua, nos parques, etc, em que existam poucas pessoas, não vejo necessidade da máscara.
Por outro lado, tendo em conta o efeito da radiação ultravioleta no vírus, tendo a defender o uso da máscara mais à noite do que durante o dia.
Ou seja, à noite, em locais com poucas pessoas (por exemplo, indo na rua e passando por pessoas), deve-se utilizar máscara.
Sou a favor do tele-trabalho.
Sempre que possível, deve existir tele-trabalho.
Desta forma, diminui-se o número de pessoas na rua, o trânsito, a quantidade de pessoas em transportes públicos, etc.
Além disso, promove-se o distanciamento social, já que não se tem diversas pessoas juntas num único escritório.
As fronteiras, sejam aéreas, marítimas ou terrestres, deveriam ter um controlo de saúde: apresentação de certificado de vacinação.
Não me parece que o confinamento seja a melhor solução.
O confinamento para os vacinados – que estão protegidos – é uma idiotice. Seria dar um tiro no pé na comunicação de ciência: seria entendido pelas pessoas como as vacinas não funcionarem.
O confinamento para os não-vacinados não seria eficaz porque não seria possível fiscalizar toda a gente na rua, para saber quem está e quem não está vacinado.
O confinamento para toda a gente é o que alguns países europeus estão a adotar. Novamente, parece-me uma medida contra-produtiva porque dá a entender que as vacinas não serviram.
Tenho sentimentos contraditórios quanto à obrigatoriedade da vacinação.
Sou a favor da responsabilidade individual: se a pessoa não quer tomar, que não tome.
No entanto, se ficar doente, não deve ter direito ao serviço público de saúde. Se a pessoa toma decisões egoístas, só a pensar em si, não pode depois esperar que os outros paguem pelos seus erros.
Isto, reconheço, é a mentalidade americana.
Por outro lado, sou a favor da obrigatoriedade da vacinação nos empregos.
Todas as empresas privadas (e públicas) têm direito a ter as suas regras. As pessoas sabem disso. Por exemplo, as pessoas não podem ir trabalhar nuas. É uma regra. As escolas exigem que as crianças sejam vacinadas. Essa é uma regra escolar.
Assim, as empresas têm o direito de exigir a vacinação dos seus empregados, de modo a proteger todos os funcionários (e assim protegerem a sua produtividade: se os funcionários ficarem doentes, a empresa perde dinheiro).
Por isso, tal como nos EUA, sou a favor da obrigatoriedade da vacinação para os empregos.
As pessoas têm liberdade de não tomarem a vacina. Mas se não tomarem, não trabalham, sendo despedidas.
Sou a favor da apresentação do certificado de vacinação para praticamente tudo!
Se a pessoa quer entrar numa discoteca, num bar, num café, num restaurante, num cinema, numa loja, num supermercado, num transporte público, num lar, num casamento, num shopping, num ginásio, num hotel, num avião, num local de concerto, num estádio de futebol, etc, etc, etc… em todo o lado! … deveria ser obrigatória a apresentação de um certificado de vacinação.
A fiscalização estaria entregue a lojistas, seguranças, polícia, revisores nos comboios, condutores de autocarros, donos dos estabelecimentos, etc.
Assim, qualquer pessoa devidamente vacinada, protegida, estaria livre de ir onde quiser e fazer o que quiser.
Ao contrário do que dizem os negacionistas, isto não é discriminação.
Porque não é baseado na raça da pessoa, na sua nacionalidade, no seu género, na sua orientação sexual, etc. Não é uma regra baseada em algo que a pessoa é, com que a pessoa nasceu.
Isto é baseado na escolha da pessoa: e todas as escolhas têm consequências.
Isto é simplesmente uma regra social, baseada num contrato social entre o indivíduo e a sociedade onde ele/ela está inserido. O objetivo é que sejam cumpridas regras básicas de saúde pública de modo a que todos os indivíduos da sociedade sejam protegidos.
Como diria Spock, em Star Trek: “as necessidades de muitos sobrepõem-se às necessidades de poucos… ou à de um só.”
Com a liberdade pessoal, vem a responsabilidade de viver em grupo.
A liberdade individual acaba, quando prejudica a liberdade (e a saúde) do outro.
Se a pessoa quer viver numa determinada sociedade, tem que cumprir certas regras.
Isto funciona assim para tudo.
Por exemplo, em Portugal (ou nos EUA) não posso andar a matar pessoas. Se eu o fizer, sou colocado fora da sociedade (numa prisão). Por mais liberdade que a pessoa queira ter de matar quem quiser, isso é proibido pela contrato social existente nessa sociedade.
Outro exemplo, que dei em cima, é que as pessoas não podem andar nuas em locais públicos.
Quando se anda de bicicleta na rua, tem que se utilizar um capacete.
Quando conduzimos um carro, e somos mandados parar por um polícia, temos que apresentar a carta de condução e documentos do carro.
Quando conduzimos um carro, temos que respeitar as regras de condução: por exemplo, na sociedade portuguesa, não posso passar se o semáforo estiver vermelho. Na sociedade texana, posso virar para o sentido do trânsito, mesmo quando está o semáforo vermelho. Na sociedade inglesa, sou obrigado a conduzir pela via da esquerda.
Nos EUA, sou obrigado a apresentar identificação (com prova de idade) para entrar em bares.
Nas escolas, é obrigatória a apresentação de um certificado de vacinação das crianças.
Para viajar de Portugal para os EUA, tenho que apresentar passaporte e provar que me foi aprovado um visto.
Para viajar de Portugal para Itália ou outro país da União Europeia, tenho que apresentar bilhete de identidade.
E muitos mais exemplos poderiam ser apresentados.
Estas são regras sociais, que temos que cumprir se queremos viver nesta sociedade.
Não é discriminação, como advogam os negacionistas.
Se eu quiser viajar de avião para os EUA e não tiver passaporte válido, não viajo. Não é discriminação contra os negacionistas dos passaportes.
Notem que todas as sociedades têm estas regras sociais, muitas delas com base numa melhor saúde pública.
E não são só as sociedades atuais, mas as sociedades do passado também tinham as suas regras, com vista a uma melhor proteção da sua população.
Obviamente, nada disto seria necessário se todas as pessoas cumprissem as regras constantes no contrato social (que “assinamos” tacitamente, para vivermos nessa sociedade).
Se todos os condutores tivessem carta de condução, era escusado existir fiscalização. Aliás, se todos os condutores tivessem andado numa escola de condução e tivessem passado (ou seja, se toda a gente só conduzisse após esses passos), nem era preciso o documento, porque se assumiria que toda a gente que conduz tinha competência para isso.
O mesmo se aplica a todos os exemplos em cima.
E o mesmo se aplica às vacinas: se toda a gente estivesse devidamente vacinada, então não seria necessária a apresentação do certificado de vacinação. Aliás, se toda a gente estivesse vacinada, era escusado até o distanciamento social, porque eu teria confiança que a pessoa ao meu lado também estava vacinada.
O contrato social funciona com base na confiança.
Quando os negacionistas traem essa confiança, levam a que a sociedade como um todo se tenha que proteger, limitando a liberdade de movimentos dos seus cidadãos. São os negacionistas que levam a estas medidas.
O mais irónico é que os negacionistas, depois, vitimizam-se, gritando que estão a ser discriminados.
Seria o mesmo que um condutor apanhado sem carta de condução, vitimizar-se, dizendo que deter uma carta de condução é uma discriminação contra ele (quando é por existirem pessoas como ele, que passou a ser obrigatória a apresentação da carta de condução).
Repito: se todos estivessem vacinados, os certificados seriam desnecessários, porque voltaria a existir confiança.
E torno a repetir: se a pessoa quer viver numa determinada sociedade, tem que cumprir certas regras.
Por exemplo, durante a Idade das Trevas não existiam vacinas. Curiosamente, também não existia internet (nem redes sociais), nem eletricidade, nem nenhum dos confortos proporcionados pela ciência na nossa sociedade.
Os negacionistas advogam voltar a essa sociedade: sem confiança na ciência.
E, note-se, eles são livres de irem viver para uma sociedade de Idade Média. Ninguém lhes retira essa liberdade. Até são livres de ir viver para a Coreia do Norte atual onde não têm restrições devido à COVID-19. Nessa sociedade, eles têm toda a liberdade para não apresentar certificados de vacinação. Mas eles não vão para lá…
Aqui vê-se a incoerência dos negacionistas: querem viver numa sociedade com os confortos da ciência moderna (incluindo com acesso à internet, que só existe devido à ciência), mas hipocritamente utilizam essa mesma internet para dizerem que não acreditam na ciência (das vacinas). Querem viver numa sociedade desenvolvida com certas regras sociais, mas depois vitimizam-se, dizendo que têm que cumprir as regras sociais.
Enfim…
Qual é o prazo do certificado de vacinação?
Olhando para os dados, provavelmente o certificado deveria ter um prazo de vacinação válido até 6 a 9 meses após a toma da segunda dose.
E quanto aos testes?
As pessoas que estejam devidamente vacinadas, não deveriam ter necessidade de apresentação de qualquer teste com resultado negativo.
Se as pessoas devidamente vacinadas também tiverem que efetuar testes, então a mensagem que é transmitida pelos políticos é que a vacinação não serve. Esta é obviamente uma comunicação errada e que vai contra os dados científicos.
No entanto, tendo em conta que existem ainda algumas pessoas não vacinadas (porque são negacionistas, têm outras doenças que não lhes permitem ser vacinadas ou são crianças), então nesses casos entendo a necessidade dos testes.
Mas colocaria um teste com resultado negativo válido até um máximo de 24 horas.
48 horas é demasiado tempo, porque a pessoa em 2 dias pode ter estado com muitas outras pessoas, e desde que foi testada pode ter já contraído o vírus.
Além disso, para quem é negacionista, os testes deveriam ter um custo de 100 euros.
Assim, a pessoa é livre de ser negacionista. Mas se quiser fazer uso de equipamentos na sociedade (lojas, supermercados, cinemas, transportes públicos, ginásios, etc) tem que demonstrar diariamente que é segura para as outras pessoas no local.
Se a traição à sociedade fôr paga do seu próprio bolso, aposto que as crenças pessoais passariam para segundo plano…
Se os especialistas dizem às crianças birrentas (negacionistas) que eles devem dormir porque dormir faz-lhes bem. E se essas crianças se negam a dormir só porque lhes é dito que devem dormir, então têm que tirar consequências disso.
Se as crianças birrentas (negacionistas) de cada vez que se recusam a dormir, lhes fosse retirado um brinquedo (imposição de um custo alto do teste), certamente que ao final de um tempo eles iriam dormir (vacinarem-se) só por quererem os brinquedos de volta.
Por fim, deixem-me reiterar que estas são só as minhas opiniões. E por isso, são debatíveis.
Notem também que esta não é uma opinião isenta.
Este website defende o conhecimento científico. E este website está numa internet que só existe devido ao conhecimento científico.
Estamos num local de ciência a defender a ciência.
Eu sou a favor da ciência, que é o mesmo que dizer que sou a favor de resultados objetivos obtidos da observação da natureza, através de experiências duplamente cegas.
Por isso, esta opinião não é isenta, nem deveria ser.
Mas como é somente uma opinião sobre a aplicação de políticas de saúde, então é discutível, debatível.
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