Por vezes, as pessoas têm a sensação que a desinformação é um fenómeno recente, que se agravou com as redes sociais.
Mas este fenómeno sempre existiu: desde que há informação, que também existe desinformação.
Em 1835, William Herschel era considerado um grande cientista. Já tinha falecido a 25 de Agosto de 1822, mas durante a sua vida fez extraordinárias descobertas, sendo que a mais famosa é a descoberta do planeta Úrano (em 1781).
A sua irmã, Caroline Herschel, também foi uma astrónoma famosa, que fez várias descobertas.
O filho de William Herschel, John Herschel, também era um famoso cientista. Por esta altura, 1835, estava na África do Sul. O seu pai e a sua tia, já tinham catalogado muito do céu do Hemisfério Norte. Assim, John Herschel foi para a África do Sul para catalogar o céu do Hemisfério Sul: as estrelas, nebulosas e outros objetos que se vissem no céu a partir do Hemisfério Sul. Por exemplo, ele testemunhou a Grande Erupção de Eta Carinae em 1837.
Ora, naquela altura não existia internet. Nem sequer telefones. Por isso, a informação das descobertas demorava bastante a chegar à Europa.
É neste contexto que um jornalista do jornal The Sun, de Nova Iorque, decidiu escrever uma série de crónicas a descrever as descobertas de John Herschel.
A série de 6 artigos sobre essas supostas descobertas começou a 25 de Agosto de 1835.
A história em 6 partes ficou conhecida como “The Great Moon Hoax“.
John Herschel já era um conhecido astrónomo na altura.
As pessoas sabiam que ele estava a fazer trabalho observacional na África do Sul, mas não entendiam muito bem o quê.
Assim, o jornalista decidiu inventar que John Herschel estava a observar a Lua e estava a fazer descobertas incríveis!
Ou seja, as supostas descobertas foram falsamente atribuídas a John Herschel.
Apesar de não haver certezas, o jornalista que criou a história deve ter sido Richard Adams Locke.
Locke fez isto com 2 grandes propósitos: vender mais exemplares do seu jornal e ridicularizar/satirizar algumas alegações/especulações extraordinárias que se faziam na astronomia na altura (ex: vegetação e civilização na Lua e em Marte).
Ao longo de 6 artigos, Locke foi relatando descobertas em crescendo.
Inicialmente, com um enorme telescópio, supostamente John Herschel tinha descoberto vegetação na Lua, oceanos, praias, árvores e a existência de um clima temperado.
Depois passou para a descoberta de estruturas artificiais, como edifícios, fortificações e pirâmides.
Seguidamente, “descobriu” vida animal na Lua, como bisontes, cabras, e até unicórnios!
Este crescendo na descrição das descobertas fez com que as vendas do The Sun tivessem aumentado enormemente.
A última história foi a descoberta de humanóides parecidos com morcegos. O jornalista chamou a um desses seres “Man-Bat”. Hoje, seria conhecido como Batman. Esses seres humanóides voadores tinham construído cidades, casas e templos. Era uma civilização lunar.
Eventualmente, o jornalista terminou as suas histórias, dizendo que um enorme incêndio tinha destruído o grande observatório de John Herschel na África do Sul, e por isso ele não conseguiu fazer mais observações.
Como o jornal The Sun era sério, credível, ninguém questionou a informação das descobertas.
Curiosamente, também nunca ninguém se lembrou de olhar para a Lua para ver se via alguma coisa deste género.
E ninguém se perguntou porque John Herschel tinha primeiro visto a vida animal, antes de ver os homens-morcego.
Note-se que não foi só a pessoa comum que acreditou nestas tretas.
Um grupo de cientistas da Universidade de Yale viajou até Nova Iorque para saber mais sobre o tema pelo jornalista.
Vários grupos religiosos dos EUA começaram a fazer planos para viajarem até à Lua para fazerem trabalho missionário: eles até fizeram campanhas de angariação de fundos, de modo a comprarem milhares de Bíblias, para entregarem aos habitantes da Lua.
Devido a John Herschel estar muito longe e a transmissão da informação ser mais lenta, as histórias continuaram a ser publicadas no jornal durante algumas semanas.
Só após várias semanas, ao falar-se com John Herschel, é que se percebeu que aquilo era tudo mentira.
Após se descobrir o logro, o jornal não apresentou qualquer pedido de desculpas.
Quando John Herschel soube das falsidades que se diziam a respeito do seu trabalho, inicialmente até se divertiu com as histórias, dizendo que eram mais entusiasmantes que as suas descobertas/observações reais.
No entanto, após ser interpelado em palestras públicas e após receber muitas cartas com perguntas de pessoas que pensavam que as mentiras eram verdade, começou a ficar bastante aborrecido/chateado/irritado com as histórias falsas. Segundo ele, a pessoa comum não consegue distinguir a fantasia da realidade nestas histórias, e por isso era enganada por elas. As pessoas assumiram a sátira como sendo uma descrição real.
As pessoas ficaram com uma ideia falsa das descobertas astronómicas, e daí John Herschel ter-se irritado com as histórias mentirosas.
Últimos comentários