Deus manda no Tempo?

Recentemente, numa reunião com profissionais de várias áreas, senti-me como se estivesse no filme Contacto.

O assunto em reflexão era astrobiologia.
Eu era o único especialista científico no tema, sendo que a astrobiologia estava a ser analisada por diferentes perspetivas, com diversos doutorados noutras áreas.

Após eu dar uma breve explicação sobre a probabilidade de se encontrar vida extraterrestre, tendo em conta a evolução da vida na Terra, a existência de extremófilos, etc, foi-me feita uma pergunta que me deixou ligeiramente (durante alguns segundos) “abananado”: “Você acredita em Deus?”

Entendi o propósito, mas não entendi a relevância da pergunta em relação ao tema que estava a ser debatido.

De qualquer modo, respondi naturalmente: sou ateu, por isso não acredito em qualquer dos milhares de deuses que já foram imaginados pelos humanos nos últimos 200 mil anos.

De seguida, perguntei qual era o deus a que a pessoa se estava a referir.
Se era um pequeno ser que se encontrava acima do planeta, com a profissão de juiz-contabilista, a contar todas as vezes em que digo asneiras para depois me atirar à cara no final da vida: esse ser pequeníssimo, voyeur e mesquinho não existe. Esse ser egocêntrico que só quer que as pessoas o adorem, não devia ser exemplo de carácter para ninguém.

Esse ser é só um produto da imaginação humana e da sua necessidade de ser o centro das atenções de “outros”.
É um geocentrismo psicológico que persiste na mentalidade humana.
Há mais de 500 anos, que sabemos que a Terra não é o centro do Universo. No entanto, na mente de muitas pessoas, o Universo continua a existir só para o seu proveito: vê-se isso na astrologia, religião, OVNIs, etc.

Tendo em conta a enormidade do Universo, é possível que existam seres muito mais evoluídos que os Humanos.
Como disse Arthur C. Clarke: tecnologia incrivelmente avançada, será interpretada por nós como magia.
Uma civilização que detenha uma tecnologia assim tão avançada poderá ser interpretada por nós como deuses.

Assim, Deus poderia ser um conjunto/coletivo de seres: uma civilização extraterrestre que evoluiu ao ponto de se tornar incrivelmente avançada.

Em Star Trek TNG, existe um episódio – Justice – em que os habitantes humanóides de um planeta adoram um ser acima do seu planeta a que chamam de Deus: esse Deus cuida dos seus “filhos” no planeta, e é um justiceiro que lhes deu as leis e que pune quem não as cumprir.
No entanto, a tripulação da Enterprise percebe que o ser, Deus, é na verdade um conjunto de seres biologicamente e tecnologicamente avançados, que até viajam entre dimensões: eles são omnipotentes e omnipresentes para os habitantes do planeta (como nós somos para um quadrado num papel).
Assim, o Deus deles é uma entidade/civilização que evoluiu até chegar àquele ponto.

Também em Star Trek, existem os Q: uma civilização extraterrestre que evoluiu ao longo de milhões de anos e que atualmente é omnipresente e omnipotente por todo o Universo.

O problema é que, ao contrário de Q, na realidade um ser ou uma civilização desse calibre não quer saber de primos de macacos que vivem num pequeno pedaço de poeira à deriva no Universo.
Nós seríamos absolutamente irrelevantes para ele(s).

Por fim, disse que apesar de ser ateu, cientificamente não posso negar a possibilidade de um deus criador do Universo.
Nós compreendemos, mais ou menos, a evolução do Universo a partir do Tempo de Planck.
Tudo o que é anterior a 0,00000000000000000000000000000000000000000001 segundos após o Big Bang é desconhecido. A única resposta possível é: não sabemos.
Por isso, nessa “eternidade” podemos colocar o que quisermos. São crenças pessoais e não evidências do que se passou.
Nessas crenças pessoais, podem existir deuses, civilizações extraterrestres muito avançadas, acidentes de laboratórios de alguém muito avançado (que manipula o multiverso), etc, etc, etc. O nome que damos às coisas é irrelevante. A verdade é que ninguém tem evidências do que se passou.

Mesmo que lhe chamemos Deus, será certamente um ser que evoluiu. Como tudo e todos evoluem no Universo. O próprio Universo evolui.
E como nenhum ser evolui isoladamente de todo o ambiente que o rodeia, então provavelmente poderá ser um conjunto de seres.

A minha principal questão é a relação desse deus(es) com o Tempo.
Supostamente, pelas crenças pessoais, esse ser criou o Universo.
Se criou o Universo, então criou o espaço-tempo que existe em todo o Universo.

Se criou o Tempo, então é normal que seja omnipresente, porque é um ser exterior ao tempo, que controla todo o tempo (a sua criação).
E assim também se percebe as palavras na Bíblia que dizem que 1000 anos (terrestres) podem ser meros segundos para deus. Porque um ser exterior ao tempo, tem uma conceção diferente da sua passagem.

Por outro lado, se criou o Tempo, então não existia tempo antes.
Se não existia tempo, então nem sequer podemos utilizar a palavra “antes” (é uma palavra temporal).

Mas se “antes” é inexistente, porque não existe tempo antes de ser criado, então como pode um ser (ou uma civilização) evoluir sem existir tempo?
A evolução dá-se ao longo do tempo…

Como pode ser um ser, deus ou civilização avançada, evoluir se está fora do fator/dimensão Tempo?

Gravura de Camille Flammarion

O pensamento científico faz com que eu imagine o Universo a formar-se de forma natural: sem precisar de criadores externos.
O pensamento astrobiológico faz com que eu não negue que possam existir seres incrivelmente avançados no presente, no passado e quiçá até na criação do Universo.

Esses seres seriam sempre suscetíveis à evolução: como tudo no Universo, são seres que evoluíram até chegarem a esse nível evolutivo (biológico e tecnológico).
A evolução será, assim, um facto. Mas só existe evolução com tempo (ao longo do tempo).

Se o tempo só existe dentro do Universo, então não é possível compatibilizar seres evolutivos exteriores a esse tempo.

Como não consigo sequer conceber seres que não sofrem qualquer tipo de evolução (que estão estagnados em toda a eternidade), então a única hipótese que vejo (para existirem criadores do Universo) é existir tempo fora do nosso Universo.
No entanto, seria um conceito de tempo completamente alheio (diferente) àquele que conhecemos no nosso Universo, no nosso espaço-tempo dentro do Universo.

A outra hipótese é não existir nada – nem “criadores” – fora do Universo, nem sequer o “nada”.
O Universo existe e é tudo o que existe.


Estas foram as minhas reflexões, a partir de uma pergunta simples às minhas crenças pessoais.

E vocês, o que pensam?
Qual a relação de deus (a existir) com o tempo?

7 comentários

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  1. No nosso Facebook, em resposta a um outro comentário, deixei estas palavras que têm a ver com a necessidade dos humanos em criarem deuses ao longo do tempo:
    https://www.facebook.com/astropt/

    “A arte nas cavernas era uma forma de retratar o que se passava lá fora, e quiçá tentar capturar o espírito desses seres (a sua força, a sua segurança).

    Quanto a deuses, tem a ver com a necessidade do Homem em tentar controlar as coisas e com a tentativa-e-erro do pensamento crítico.
    Se aquele comeu uma baga amarela e morreu, então não devo comer aquilo.
    Se o outro levou a cara pintada de negro e fez uma grande caçada, então foi a cara pintada de negro que o ajudou.
    Se aqueloutro rezou para o deus da caça e conseguiu matar dois leões, então o deus da caça existe.
    etc, etc, etc 😉”

    • Jose Fernandes on 08/09/2022 at 23:36
    • Responder

    A existência de vida em locais do universo para além do planeta Terra, parece-me ser uma questão que para mim há muito está clarificada. Mesmo com o conhecimento que temos do universo e que será uma infima parte, seria redutor admitir que apenas na Terra, a vida (mesmo como a conhecemos) tinha tido condições para se desenvolver.

    Por isso, na minha opinião não restam duvidas que outros locais existirão onde a vida se desenvolveu da mesma forma que na Terra, ou de outra forma qualquer, já que condições fisicas de outros Astros idênticas às da terra é coisa que não deve faltar.

    Quanto ao momento do inicio do universo e pondo de lado crenças que não comungo, terei de admitir que mesmo na ciência, por não conseguir explicar, de forma entendível esta parte inicial do universo, é extremamente conveniente e até necessário imaginar uma entidade que no fundo terá criado o inicio. O nome que se queira dar a essa entidade é indiferente.

    Quanto à evolução ela pressupõe a existência do tempo o que me leva a concluir que o tempo já existia mesmo antes do momento inicial a partir do qual a evolução ocorreu.
    Mas mesmo assim o problema mantêm-se, quem criou o tempo para que o possamos utilizar para descrever a evolução?

    1. Isso leva-me à pergunta: então o Big Bang não formou o espaço-tempo? 😉

  2. É como pedir a uma célula do nosso corpo que prove a nossa existência. Por muito que estude todos as outras células, enquanto a visão for mecanicista nunca vai encontrar evidências de que é parte de um universo inteligente numa entidade consciente…

    1. Esta é uma excelente forma de ver o problema 😉

      Realmente, uma entidade criadora do Universo está para os Humanos, como os Humanos estão para uma célula… ou quiçá a diferença ainda será superior! (porque as células evoluíram connosco, no mesmo planeta)😉

    • Jonathan Malavolta on 08/09/2022 at 12:38
    • Responder

    São as mesmas que as suas. Não estou nem aí para as crenças das pessoas, elas tem o direito de ter as crenças que quiserem. Minha “briga” dentro desse contexto é no sentido de que as pessoas: a) Não imponham essas crenças a quem não as tem, seja por ter outras crenças, seja por não ter nenhuma; e b) Não confundam suas crenças com a descrição da realidade pois isso (no meu entendimento) só presta para gerar fanatismo e proselitismo.

    1. Totalmente de acordo:
      – é-me indiferente a crença religiosa de cada um. Cada um pode optar pelo que quiser.
      – logo que não me imponham essas formas de pensar, tudo bem.
      – se as crenças forem pseudo, então podem ser prejudiciais à sociedade.

      abraço!

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