Locke, Berkeley e o Empirismo – CC (6)

Vejamos a sexta aula do Crash Course de Filosofia:

Na quinta aula tínhamos visto que, de acordo com Descartes, o acto de pensarmos dava-nos a certeza de existir: “penso, logo existo”. Como é fácil de adivinhar, outros filósofos não concordaram. Entre eles distinguiu-se John Locke (1632-1704), fundador do empirismo. Para Locke, o “pensar” não implica que nós, como seres pensantes, tenhamos uma existência “material”. Quem sabe, poderíamos ser espíritos imateriais..

Este cepticismo sobre o existir e sobre o que é real conduziu os filósofos a uma questão mais genérica: o que é que é suficiente como argumento? O que é que nos permite garantir que algo é verdade?

Em resposta a estas questões destacam-se duas correntes filosóficas:
– Racionalismo
– Empirismo

No Racionalismo assume-se que a forma mais fiável de obter novo conhecimento é através do pensar, através do mundo das ideias e da Matemática. Descartes era um racionalista.
Em contraste, o Empirismo assume que a melhor fonte de conhecimento são os nossos sentidos e experiências, refinadas pelo método científico, pois é supostamente a única forma de analisarmos a realidade. Locke era um empirista.

Este antagonismo não era novo. Já na Antiguidade Grega tinha sido representado por Platão (o “apóstolo” do mundo imaterial das ideias) e Aristóteles (o avô do método científico, caso se queira distinguir Galileu como o pai).

Tal como Aristóteles, Locke acreditava que todo o conhecimento que temos é obtido através dos nossos sentidos e das nossas experiências. É a chamada noção de “tabula rasa“, a ideia de que quando nascemos o nosso cérebro é como que uma folha em branco. Uma folha que se vai escrevendo com conhecimento à medida que vivemos. Ainda hoje em dia esta ideia é influente, ainda que seja falsa. Quando nascemos já temos imenso conhecimento pré-programado no nosso cérebro e muitas das nossas experiências futuras são condicionadas pela herança genética que recebemos.

Não obstante Locke ser defensor que a verdade está naquilo que percepcionamos, ele também reconhecia que nem sempre podemos confiar nos nossos sentidos. As ilusões ópticas são um exemplo flagrante:

O aparente movimento nesta imagem é uma ilusão.

Enquanto Descartes rejeitou os sentidos por completo, Locke preferiu fazer uma distinção entre qualidades primárias e qualidades secundárias nos objectos que encontramos na nossa experiência sensorial.
Uma qualidade primária é definida como sendo uma propriedade intrínseca do objecto, algo que é indisputável e que todos os observadores têm que concordar. Por exemplo, o peso e as dimensões de um objecto são qualidades primárias.
Em contraste, as qualidades secundárias referem-se a percepções pessoais que são externas ao objecto e que são de certa forma indiscritíveis e disputáveis, como seja a cor, o sabor, o cheiro, etc.

Para Locke, todos concordamos com as qualidades primárias mas não necessariamente com as secundárias. Isto significa que podemos construir conhecimento sobre as qualidades primárias dos objectos, mas não sobre as secundárias. De facto, podemos constatar que a Física moderna concorda com Locke: conhecemos leis que governam as propriedades físicas dos objectos, as quais são, de certa forma, as suas qualidades primárias. Isto é, só aquilo que é mensurável é que é passível de ser teorizado e testado.

Parece fazer sentido? À partida sim, mas… Como é que estabelecemos que uma dada “qualidade” é primária?
Esta foi a questão colocada por George Berkeley (1685-1753). Os nossos falíveis sentidos são sempre necessários. Para pesarmos um objecto precisamos de usar os olhos para ver o que a balança nos indica. Como é que podemos confiar nos nossos olhos? Mesmo que existam qualidades primárias, o nosso acesso a elas é feito através de qualidades secundárias.

Berkeley superou o cepticismo dos seus antecessores e avançou a hipótese de que tudo não passam de percepções. O questionar se algo existe transcende as nossas limitações, pelo que o existir só pode ser definido de acordo com a percepção: existir é ser percepcionado.

Berkeley foi ainda mais longe: algo só existe se for percepcionado.
Como homem de fé, para Berkeley, Deus era o observador fundamental, aquele que fazia com que tudo existisse através da sua percepção de tudo. O mundo material era uma suposição desnecessária para este filósofo. Tudo o que existia era a nossa mente, as nossas ideias e as nossas percepções.


Confesso que tenho alguma simpatia pelas ideias radicais de Berkeley, mas concordo mais com Locke (ainda que não com a tabula rasa). Mas, mais que isso, vejo a verdade científica como algo emergente de uma interacção social. Não creio que se possa reconhecer verdade num só indivíduo precisamente por causa das limitações apontadas por Berkeley. Não obstante, é claro que uma nova verdade pode partir inicialmente de um só indivíduo, que tem depois de convencer a comunidade científica de que não está a alucinar ou a cometer um erro empírico ou lógico. Por outras palavras, para mim o conhecimento tem que assentar numa combinação de empirismo, racionalismo e comunhão de ideias na comunidade científica.

“Se uma árvore cai numa floresta e se todos estão a usar iPods…”
Isto é uma referência à famosa frase incorrectamente atribuída a Berkeley, “Se uma árvore cai numa floresta e ninguém lá está para ouvir, será que a árvore fez barulho?”

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