Vamos à sétima aula do Crash Course de Filosofia:
A aula começa com três questões bastante interessantes:
- Ter conhecimento de algo é o mesmo que estar correcto sobre esse algo?
- Se acreditas que algo é verdade e é de facto verdade, será que importa que a tua crença seja justificada?
- Será possível estar correcto sobre algo sem de facto tentar estar correcto?
As questões servem mais para “provocar” a audiência, mas eu não resisto a dizer algo sobre elas.
Ter conhecimento de algo é o mesmo que estar correcto sobre esse algo?
Do meu ponto de vista: claro que não. Podemos saber um bocadinho sobre algo, mas isso não nos garante que estejamos “correctos” sobre esse algo. Dando um exemplo clássico: se observamos uma pirâmide pela sua base podemos ver um quadrado. Temos conhecimento que a figura geométrica parece conter um quadrado, mas estaremos errados em assumir que se trata de um quadrado apenas. De forma mais genérica, podemos questionar-nos se algo que julgamos ser “conhecimento” deve ou não ser considerado como tal não tendo provas definitivas que seja verdade. Para aprofundarmos melhor esta questão será necessário definir melhor os conceitos que estamos a usar… Já lá vamos.
Se acreditas que algo é verdade e é de facto verdade, será que importa que a tua crença seja justificada?
Esta questão parece ser um pouco subjectiva, isto é, parece depender da nossa preferência pessoal. Porém, se nos damos ao trabalho de nos colocarmos esta questão é porque à partida damos valor ao conhecimento e, como tal, creio que devemos reconhecer a necessidade de justificações. O compreender uma justificação é o que muitas vezes nos permite “usar” o conhecimento em causa. Não vejo como é que podemos construir argumentos e/ou teorias sobre algo, caso não tenhamos justificações. Por sua vez, os argumentos e/ou teorias parecem-me necessários para que possamos evoluir o conhecimento, para que possamos descobrir mais verdades. Além disto, se não tivermos uma justificação para algo, como é que podemos transmitir essa verdade a outras pessoas? Como é que podemos esperar que acreditem em nós? Não devemos assumir ser profetas da verdade. Aliás, como é que nós próprios podemos acreditar em nós mesmos se não tivermos justificações para aquilo em que acreditamos?
Será possível estar correcto sobre algo sem de facto tentar estar correcto?
Diria que esta questão se reduz mais ou menos à anterior. Para mim o “tentar” significa obter justificações. É possível estar-se correcto sobre algo, mas sem justificações é como se de facto não se tivesse conhecimento sobre esse algo. É um “saber” inócuo. É uma parede sem alicerce. É um acaso.
De seguida, o Hank (o “professor”) apresenta-nos algumas definições úteis:
- Asserção é um “acto linguístico” que tem um valor de verdade.
- Algo diz-se ter valor de verdade se puder ser considerado verdade, falso ou indeterminado. Frases declarativas sobre o passado ou presente são verdadeiras ou falsas. Algo sobre o futuro é indeterminado. “Você está sentado.” – Isto pode ser verdade ou falso, ainda que possa ser considerável indeterminável, uma vez que não está definido a quem me refiro com o “você”. Um outro exemplo: “Vou morrer.” – É uma asserção indeterminada, ainda que tenha uma crença sobre a sua veracidade. Nem tudo o que dizemos tem que ter um valor de verdade. Por exemplo, “amanhã chove, não é verdade?” – é uma questão, pelo que não é falsa, nem verdadeira, nem indeterminada.
- Uma proposição é o conteúdo de uma asserção, isto é, trata-se daquilo que queremos dizer quando dizemos algo assertivo. Esta distinção entre asserção e proposição é útil porque a comunicação é por vezes subtil. Uma mesma proposição pode ser expressa de diversas formas, sendo que algumas podem ser mais claras que outras. Assim, se duas asserções expressam a mesma proposição, então as duas asserções têm o mesmo valor de verdade.
- Atitude proposicional refere-se à crença que temos quando expressamos uma proposição. Podemos acreditar em algo, podemos duvidar de algo, podemos negar algo, entre outras. Este conceito é útil, por exemplo, para distinguir o valor de verdade da nossa atitude proposicional: podemos ter crenças falsas.
- Conhecimento pode ser definido como sendo uma crença verdadeira justificada. (Ou não: muitos filósofos discordariam desta definição.)
- Justificação traduz-se em evidências que suportem uma crença.
- Evidências são provas. Um exemplo é a nossa observação pessoal. Podemos acreditar em algo porque vimos algo que justifica a nossa crença sobre esse algo. Será que podemos confiar nos nossos sentidos? Um outro exemplo de provas são os testemunhos. Grande parte do conhecimento que consideramos ter, provém de testemunhos: coisas que aprendemos ao ouvir os nossos professores na escola, ao lermos algo escrito num livro, ao vermos uma notícia no telejornal… De certa forma são observações secundárias no sentido em que depositamos a nossa crença nas observações de outras pessoas. Estamos a assumir que a observação de outros é fiável e que são testemunhas honestas. O grau de fiabilidade de uma evidência parece crescer com o número de testemunhos que exista a ser favor, ainda que, curiosamente, devamos ter cuidado com este tipo de lógica! (Recorde o Paradoxo da Unanimidade aqui.)
De acordo com a definição de conhecimento de cima, é possível termos crenças falsas, mas não podemos ter conhecimento falso. O leitor concorda?
Imagino que a maioria dos cientistas discorde. Por exemplo, no passado os astrónomos conheciam e acreditavam no sistema Geocêntrico de Ptolemeu (90-168). Como o geocentrismo não era verdade, então não era conhecimento? Será talvez bom recordar que o sistema Heliocêntrico já tinha sido proposto por Aristarco de Samos (310 a.C. – 230 a.C.), mas dada a falta de evidências que o suportassem, era natural assumir que Ptolemeu é que estava correcto.
Neste momento a Ciência “acredita” de forma justificada em imensas coisas que provavelmente irão ser refutadas mais tarde. Isto significa que a Ciência contém “não-conhecimento”? Pior: como não podemos ter a certeza absoluta sobre a veracidade de nada, isto implica que não podemos considerar ter conhecimento algum?
Do meu ponto de vista é útil pensar em conhecimento com alguma nuance, caso contrário o conceito perde a sua utilidade prática. Se quisermos afirmar que a Ciência é constituída de conhecimento, então teremos que aceitar que aquilo que hoje é conhecimento não o será necessariamente amanhã. Assim, eu diria que conhecimento é uma crença justificada que aparenta ser verdade de acordo com todas as evidências disponíveis nesse momento.
Como referido na aula, o filósofo norte-americano Edmund L. Gettier (1927-2021) disputou a definição de conhecimento de uma outra forma: é possível ter uma crença verdadeira através de uma falsa justificação e, como tal, tal crença não deve ser julgada como sendo conhecimento. Por exemplo, eu poderia acreditar que a Lua se está a afastar da Terra porque os outros planetas estão a “puxá-la” com mais força que a Terra, contudo, a verdadeira justificação reside no efeito de maré. Assim, não seria correcto afirmar que eu teria conhecimento sobre o fenómeno da Lua se estar a afastar da Terra, porque teria esta noção com base numa justificação falsa. Isto é, seria errado afirmar que um idiota tem conhecimento sobre uma dada coisa só porque calhou a afirmar algo correcto sobre essa coisa.
26 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
Boa tarde, Carlos!
Li sua última resposta ao Marinho, posso te garantir que o sistema analógico não foi abandonado de todo. Quer um exemplo? Alguns instrumentos aviônicos ainda são inteiramente analógicos pois parte dos procedimentos de funcionamento de uma aeronave passa pelo sinal analógico ANTES de chegar ao sinal digital. Mais outro exemplo: Transmissões de rádio. Em alguns locais muito longínquos da civilização, e muito em parte devido a alguns satélites de captação/retransmissão de sinais, as transmissões, retransmissões e recepções de rádio-amador ainda usam maciçamente o sinal analógico. Como na Floresta Amazônica, por exemplo.
Abraço!
Oi Jonathan,
Sim, um dos meus argumentos foi que algumas coisas ainda se usam.
Dei os exemplos de Newton e do geocentrismo.
O sinal analógico, que você explicou, é mais um exemplo 🙂
abraço!
Author
Olá Jonathan,
Exactamente, era a isso que me referia quando dizia que o analógico é um mau exemplo de algo obsoleto, porque não é, nem me parece que possa vir a ser, dado que em muitos casos o sinal digital tem que vir necessariamente de um sinal analógico. Não é bem propriamente equivalente aos exemplos de Newton e/ou o do geocentrismo. (Ou se quisermos pode ser equivalente em certos aspectos, mas de novo caímos numa discussão semântica desnecessária. :p )
Mas bom, o Carlos estaria provavelmente a pensar em certas aplicações específicas onde antigamente se usava o sinal analógico directamente, mas onde hoje usamos o digital. Nesses casos específicos, o digital é de facto uma evolução do analógico.
Abraço,
Marinho
Olá Marinho,
Eu responderia desta forma às 3 perguntas:
– Ter conhecimento de algo é o mesmo que estar correcto sobre esse algo?
Não. Para mim, o exemplo claro disso é aquele que referes: geocentrismo. Tínhamos conhecimento sobre os céus, criamos o modelo geocêntrico, mas que se veio a mostrar incorreto.
– Se acreditas que algo é verdade e é de facto verdade, será que importa que a tua crença seja justificada?
Não. Até pelo que já referi noutro comentário: existem estudos que mostram que não é possível através da lógica e das evidências convencer um crente fanático de algo (porque ele não dá valor às evidências, às justificações). Para esse crente, a crença é emocional. Assim, não é necessário justificar a crença (independentemente de ser verdade ou mentira).
– Será possível estar correcto sobre algo sem de facto tentar estar correcto?
Sim. Há a célebre expressão de um relógio parado estar correto duas vezes ao dia. Ou seja, não está a tentar estar correto, mas está correto de vez em quando.
No resto do post, não me parece que a Ciência contenha não-conhecimento. Muito menos implica que não tenha conhecimento algum.
Eu repito o que já disse em alguns posts: eu posso não saber a resposta correta, mas posso saber um enorme número de respostas erradas. Isso é conhecimento.
Exemplo: eu não sei fazer de cabeça a conta: 3098449058549 x 9867876 x 5986702309239348 x 986759985675821000293. Mas sei que a resposta não é 1, nem 2, nem 3, nem 4, até a alguns biliões. Ou seja, eu não sei qual é a resposta certa, mas sei que mais de 1 bilião de respostas estão erradas. Isto é conhecimento 😉
Outro exemplo: sabemos já muito sobre a gravidade, mas não sabemos tudo. Não saber tudo, não quer dizer que sabemos nada.
Pensar-se que por não se saber algo, implica que não se sabe nada, além de ser errado e uma falácia lógica, promove pensamentos conspirativos (ou seja, é uma das falácias que se vê muito em sites conspirativos de ataque à ciência).
Ciência é feita de conhecimento acumulado.
Esse conhecimento pode ser básico, e não muda. Ou então pode estar nas “fringes” e esse vai sendo aperfeiçoado.
Imre Lakatos ao poder! 😀
Mas conhecimento nunca é crença ou acreditar em algo.
Pelo menos, na minha definição de crença 😉
abraço!
Author
Olá Carlos,
Quiseste ser controverso nas tuas respostas? 😀
“– Se acreditas que algo é verdade e é de facto verdade, será que importa que a tua crença seja justificada?
Não. Até pelo que já referi noutro comentário: existem estudos que mostram que não é possível através da lógica e das evidências convencer um crente fanático de algo (porque ele não dá valor às evidências, às justificações). Para esse crente, a crença é emocional. Assim, não é necessário justificar a crença (independentemente de ser verdade ou mentira).”
Não?! O facto de pessoa X não conseguir convencer pessoa Y sobre a matéria A não implica que não seja relevante para a própria pessoa X saber o porquê da matéria A ser como é. Além disso, mesmo que não consiga convencer a pessoa Y, poderá ser capaz de convencer a pessoa Z que nada sabia sobre o assunto e que quer aprender. Como nem todas as pessoas são crentes fanáticas, não me parece que o teu argumento seja plausível.
“– Será possível estar correcto sobre algo sem de facto tentar estar correcto?
Sim. Há a célebre expressão de um relógio parado estar correto duas vezes ao dia. Ou seja, não está a tentar estar correto, mas está correto de vez em quando.”
Sim, não discordo disso. No artigo e na aula estava-se mais a pensar no “estar correcto” no sentido de ter conhecimento sobre algo. Talvez não tenha traduzido da melhor forma esta parte. Mas a ideia é a mesma.
“No resto do post, não me parece que a Ciência contenha não-conhecimento.” – Depende de como defines conhecimento. Estarás a usar a mesma definição que é apresentada no artigo/aula?
“Eu repito o que já disse em alguns posts: eu posso não saber a resposta correta, mas posso saber um enorme número de respostas erradas. Isso é conhecimento.” – Em que parte é que é dito o contrário? É claro que concordo que isso é conhecimento.
“Outro exemplo: sabemos já muito sobre a gravidade, mas não sabemos tudo. Não saber tudo, não quer dizer que sabemos nada.” – O ponto em causa no artigo é mais o facto de que partes daquilo que pensamos que sabemos podem estar erradas (talvez não sobre a gravidade, mas sobre outras coisas, claro). Tal como o Geocentrismo foi parte do nosso conhecimento e estava errado.
“Ciência é feita de conhecimento acumulado.” – E também de conhecimento errado que é depois revisto e corrigido.
“Esse conhecimento pode ser básico, e não muda.” – É natural assumirmos a existência de conhecimento “básico”, isto é, de conhecimento mais sólido que dificilmente será rejeitado, não obstante, não há forma de definir o que é “básico” e o que é “fringe” – acaba por ser uma questão probabilística com base no acumular de evidências. A História da Ciência mostra-nos que as revoluções científicas tendem a abalar esse conhecimento que julgávamos básico. Para mim, o único conhecimento básico está na Matemática.
Abraço,
Marinho
Olá Marinho,
Eu gosto de ser controverso 😛
Quanto ao facto de justificar as crenças, realmente penso que não.
Mas parece-me que é uma questão de definição de crença: eu defino-a como te disse.
Se eu acreditar em deus, é uma crença pessoal. Não a preciso de justificar para os outros. É uma questão de sentir, e não de justificação lógica.
O Geocentrismo continua a fazer parte de nós, quer em termos de linguagem (ex: pôr-do-Sol), quer nos nossos pensamentos (ex: sobre ETs), quer na pseudociência (ex: astrologia, mediunidade, etc).
Hoje sabemos que está errado.
Mas na altura serviu um propósito. Era baseado em observações e o modelo geocêntrico estava certo para o que as pessoas queriam fazer (colheitas). Com o desenvolvimento da sociedade, foram necessárias outras ferramentas, e por isso evoluiu-se também em termos de modelo.
Para mim, é mais um evoluir gradual, e não tanto um: “aquilo estava errado, e passa-se para este”.
Não concordo com Thomas Kuhn. Incluindo nisso das “revoluções”.
Como disse, prefiro Lakatos. 😉
abraço!
Author
Olá Carlos,
“Quanto ao facto de justificar as crenças, realmente penso que não.
Mas parece-me que é uma questão de definição de crença: eu defino-a como te disse.
Se eu acreditar em deus, é uma crença pessoal. Não a preciso de justificar para os outros. É uma questão de sentir, e não de justificação lógica.”
Ok, estamos a discutir o sexo dos anjos… :p É inconsequente discutir a definição dos termos. 🙂 Para ti não há “crenças justificadas”, porque não queres atribuir o conceito de “crença” a algo científico, pois assumo que tu, tal como eu, veja algum perigo nesse tipo de atribuição, em particular no contexto de divulgação científica onde se tem que lidar por vezes com quem não saiba distinguir o valor de justificações baseadas em evidências. Não obstante, no nosso “confiar” há uma “crença” implícita (ou explícita) em tudo o que está envolvido no processo científico, que é o que é afirmado no texto e na “aula”. Isto vai de encontro às “suposições da humanidade” (isto é, da Ciência) que discuti neste artigo: https://www.astropt.org/2021/07/06/as-suposicoes-da-humanidade/
A Ciência é um empreendimento social onde cada sujeito tem que acreditar até dado ponto nas evidências que lhe são apresentadas (por escrito, por exemplo), pois não é possível começarmos tudo de novo sempre que queremos compreender ou fazer Ciência… É um bom senso justificado. Mesmo que alguém não o quisesse fazer e tivesse tempo e meios para verificar tudo, ainda assim teria que acreditar na sua própria memória…
“Para mim, é mais um evoluir gradual, e não tanto um: “aquilo estava errado, e passa-se para este”.”
Seja ou não gradual*, a questão estava no facto de que pelo menos em retrospectiva conseguimos identificar aspectos errados que são desnecessários para o conhecimento actual. Em livros de Ciência é comum vermos o conhecimento filtrado de tal forma a parecer que tudo se construiu bloco a bloco e que todos os blocos eram necessários, mas a realidade é bastante mais sinuosa: experimentam-se blocos, constroem-se divisões, deita-se abaixo uma parede, volta-se a construir… Querer afirmar que todos os caminhos tomados eram necessários para o estado actual do conhecimento parece-me algo rebuscado (se bem me recordo, o “Image and Logic” do Peter Galison apresenta alguns exemplos de caminhos sinuosos na Física de Partículas, mas há muitos outros exemplos, claro).
*Parece-me difícil defender em muitos casos que seja “gradual”… Quão “drástico” teria que ser um “passo” para que pudesses aceitar que nem sempre é contínuo? O trabalho de cada cientista é sempre discreto, ainda que normalmente cada coisa que é feita seja um passo tão minúsculo que aparente ser gradual. O ser “normalmente” não implica que seja sempre assim. Será que os passos de Einstein foram graduais? Em certos campos ele nem sabia bem o estado da arte e acabou por trazer inovação talvez em parte por isso mesmo…
No que toca ao Thomas Kuhn, também não concordo com muito do que ele afirma, mas isso é outra conversa. 🙂
Abraço,
Marinho
“mas a realidade é bastante mais sinuosa: experimentam-se blocos, constroem-se divisões, deita-se abaixo uma parede, volta-se a construir…”
True. Daí ser gradual e não existirem erros.
É o processo normal da ciência.
Quando falas de Einstein, penso que te referes à Relatividade.
Apesar do “todo” ter sido, e bem, atribuído a Einstein, a verdade é que o caminho foi gradual, em que algumas coisas foram descobertas até Einstein chegar ao que pensou.
“Quão “drástico” teria que ser um “passo” para que pudesses aceitar que nem sempre é contínuo?”
Não conheço nenhum exemplo que tenha sido “drástico”.
Como te disse, o Geocentrismo continua aí… de muitas formas (na mente das pessoas).
E o Geocentrismo não foi um erro, no sentido em que funcionou perfeitamente durante milénios para as tarefas que a Humanidade realizava na altura.
Foi simplesmente o processo normal da ciência… 😉
É assim que vejo o evoluir da ciência, do conhecimento acumulado.
abraço!
Author
“Daí ser gradual e não existirem erros.
É o processo normal da ciência.”
O processo normal da ciência é errar e continuar a testar para corrigir esses erros. Parece um pouco fatalista assumir que todos os erros eram necessários. Bom, a menos que queiramos colocar as coisas do ponto de vista do universo ser provavelmente determinista na sua génese (ainda que manifeste aleatoriedade no mundo quântico), o que implica que tudo está a seguir um “destino” pré-definido. Ou, por outro lado, também há o facto de provavelmente não existir livre arbítrio e, como tal, qualquer construção humana é de certa forma uma fatalidade. :p
Sim, na Relatividade e não só, Einstein não estava imensamente bem informado sobre o estado da arte (não havia google scholar) e não obstante ter trabalhado nos ombros de gigantes, parte do trabalho também foi ignorar alguns gigantes, assim como parte da investigação “fringe” da altura.
Sim, o Geocentrismo continua aí e continuará, porque é uma excelente aproximação daquilo que vemos no dia-a-dia. Estava mais a pensar em teorias do magnetismo que foram desenvolvidas há alguns séculos atrás e que foram abandonadas e que hoje em dia nem aparecem nos livros. Ou, olhando para a História das Neurociências, vemos imensas teorias erradas que hoje não fazem parte de currículos e não servem para nada. Suponho que isto só não aconteça na Matemática (excepto se considerarmos a parte de desenvolvimento de metodologias matemáticas que tem evoluído de forma semelhante ao que vemos nas ciências). Será que as teorias erradas foram necessárias na altura? Não necessariamente, porque houve outras teorias em paralelo que já existiam e que sobreviveram de forma aparentemente independente. Será que as que sobreviveram precisavam da “competição” com as que desapareceram? Em parte talvez sim, mas a competição poderia ter sido com outras ideias alternativas, não necessariamente aquelas que morreram.
Abraço,
Marinho
Para mim, a ciência não erra. Porque se esse é o processo da ciência (um contínuo melhorar do que foi feito), então faz parte dela: o que está para trás não é um erro.
Da mesma forma que o sinal analógico não foi um erro. Apesar de agora todos utilizarmos o digital 😉
Da mesma forma que Newton não foi um erro. Apesar de, posteriormente, Einstein “melhorar a Gravidade”.
Não estou a ser fatalista. Simplesmente, assumo que faz parte da natureza da ciência ser um processo gradual que vai melhorando. 😉
O que chamas de teorias erradas e que atualmente nem fazem parte dos livros, para mim foram necessárias nesse processo gradual e contínuo de se chegar cada vez mais próximo da “verdade”.
Se algum dia se chegar a saber tudo correto (coisa que não acredito – crença), então a ciência deixará de existir, e a sociedade estagnará: como os Q, em Star Trek.
Assim, respondendo às tuas perguntas: não sei se forem necessárias, mas existiram e fizeram parte do processo gradual que levou às teorias mais robustas.
Por exemplo, sabemos hoje que a ideia dos 4 elementos, que perdurou vários séculos, não está correta.
Mas, tal como o geocentrismo, funcionou naquela altura. Não foi um erro para a altura. Tal como o Analógico não foi um erro. 😉
Para mim não é um erro, já que leva sempre a uma aprendizagem em que se melhora. E que faz parte do processo.
Se calhar, mais uma vez, estamos a discutir semântica 😛 😛 😛
abraço!
Author
“Para mim, a ciência não erra. Porque se esse é o processo da ciência (um contínuo melhorar do que foi feito), então faz parte dela: o que está para trás não é um erro.”
Para mim, estás a contradizer-te. 😛 Ao dizeres que “melhora” é porque algo não estava bem. Ao dizeres “então faz parte dela”, parece que estás a dizer que o “erro” faz parte da Ciência e, portanto, estás a concordar que houve e vai havendo erros.
Acho os exemplos do sinal analógico e do Newton algo infelizes porque não são propriamente erros à luz da Ciência actual. Os sinais analógicos continuam a ser usados e não me parece que possam ser abandonados por completo. No que toca ao Newton, sabemos que para imensas aplicações a teoria da Gravitação de Newton continua correcta.
Talvez ainda no Newton seja possível encontrar alguns erros como seja na Teoria Corpuscular. Se bem me recordo, Newton tentou explicar certos fenómenos ondulatórios com a Teoria Corpuscular o que estava basicamente errado. Se não me estou a recordar bem, de certa forma não importa para o meu argumento, porque há muitos outros exemplos de Física que vinha em livros antigos que hoje sabemos que estava errada e que por isso já não aparece em livros modernos de Física. Em certos casos pode-se argumentar que esses erros contribuíram para encontrar o rumo certo, noutros casos é difícil (ou impossível) de fundamentar esse argumento. Esta pelo menos é a noção que tenho, pena que não me recorde de bons exemplos para suportar isto. 😛 Mas bom, imagino que não rejeites que haja muita Ciência do passado que não contribuiu necessariamente para o conhecimento actual. Isto é, foram como que ramos da Ciência que secaram, que não contribuíram para o tronco actual da Ciência e que acabaram esquecidos na História.
“Simplesmente, assumo que faz parte da natureza da ciência ser um processo gradual que vai melhorando.”
Não estou a colocar isso em causa aqui, ainda que questione o “gradual”.
“Assim, respondendo às tuas perguntas: não sei se forem necessárias, mas existiram e fizeram parte do processo gradual que levou às teorias mais robustas.”
Ou foram necessárias ou não o foram. Parece-me difícil de defender a noção de que todos os caminhos percorridos tenham sido necessários. Portanto assumindo que não foram necessários isso significa por definição que não levaram às teorias mais robustas, ainda que tenham feito parte do processo gradual (ou não) da Ciência.
“Por exemplo, sabemos hoje que a ideia dos 4 elementos, que perdurou vários séculos, não está correta.
Mas, tal como o geocentrismo, funcionou naquela altura. Não foi um erro para a altura.”
É claro que quando falo em “erros” refiro-me a erros em retrospectiva. Na altura era a Ciência, era o que se julgava correcto.
“Para mim não é um erro, já que leva sempre a uma aprendizagem em que se melhora.”
Tal como questiono o “necessário”, também questiono esse “sempre”. 😛
“Se calhar, mais uma vez, estamos a discutir semântica 😛 😛 😛”
Neste caso não me parece que seja bem uma questão de semântica, a menos que não concordemos na definição de “erro”. 😛 Mas bom, não temos que concordar em tudo. 😛
Abraço,
Marinho
Claro que não temos de concordar 😉
E admito que a minha explicação pode ser confusa.
No entanto, para mim, a Gravidade de Newton, o sinal analógico, o geocentrismo, ou a ideia dos 4 elementos, estão todos dentro da mesma categoria.
São tudo conceitos, ideias, teorias, tecnologias, obsoletas atualmente, mas que funcionaram perfeitamente no passado para o que os Humanos necessitaram (alguns deles ainda funcionam hoje, apesar de já existir algo melhor).
Vou dar-te um exemplo hipotético da matemática, para talvez ser mais fácil.
Tu hoje sabes que 2 + 2 = 4. Sabes hoje que se num exame, um aluno responder 5, está errado.
No entanto, vai a 100 mil anos atrás (supostamente). Existiam hominídeos que diziam que 2 + 2 = 3. Outros diziam que 2 + 2 = 5. Estavam errados? Para mim, não. Porque foi através deles, testando várias hipóteses, que se chegou mais perto da realidade (ao 4). Esse é o processo da ciência. Não é dar a resposta certa imediatamente. É gradualmente ir-se chegando mais perto do correto. Por isso, o 3 e o 5 não foram erros, porque fizeram parte desse processo e dessa aprendizagem.
Para mim, o 3 e o 5 foram simples resultados negativos. E resultados negativos fazem parte da ciência. Não são erros. São conhecimento.
E é a ciência que chega ao 4. E chega lá, mesmo que passe pelos outros números primeiro.
É a ciência que nos dá esse conhecimento, que se vai acumulando, com várias hipóteses que se vão testando.
Isto até se pode ligar à parte cultural.
O problema de mandar abaixo estátuas e exemplos similares, é porque estás a julgar o passado com os valores presentes. Mas se fizermos isso para tudo, então *ninguém* no passado será completamente “limpo” de julgamentos incorretos.
Tal como ninguém no presente sobreviverá ao julgamento com valores de pessoas que vivam daqui a 5000 anos.
Tal como no caso cultural, deve-se ter em conta o contexto da altura, também nos supostos erros do passado da ciência se deve ter em conta esse contexto e a própria estrutura processual da ciência.
Não sei se a hipótese do 5 era necessária. Se calhar chegava-se a 4, sem precisar de passar por ela.
Se calhar, noutro planeta, pensa-se na hipótese 7, e não na 5, e chega-se na mesma a 4.
Estamos a julgar o passado de acordo com o que aconteceu, a partir do nosso ponto de vista “determinístico”.
Um dos meus problemas com dizer-se que a ciência erra é levar os conspiracionistas a usarem precisamente esse argumento: “A ciência está sempre a errar, por isso não acredito em nada do que os cientistas dizem”.
Quando isto não é verdade, A ciência não tem errado. É a ciência que testa várias hipóteses e vai chegando ao conhecimento mais correto.
Escrevi sobre precisamente isto, neste post, do longínquo ano de 2011: 😉
https://www.astropt.org/2011/08/23/ciencia-nao-erra/
abraço!
Author
“… para mim, …, o sinal analógico … São tudo conceitos, ideias, teorias, tecnologias, obsoletas atualmente …”
O sinal analógico não está obsoleto, é uma parte integrante de qualquer sistema que transforma um sinal “externo” (analógico) num sinal digital, por exemplo.
“Vou dar-te um exemplo hipotético da matemática, para talvez ser mais fácil.
Tu hoje sabes que 2 + 2 = 4. Sabes hoje que se num exame, um aluno responder 5, está errado.
No entanto, vai a 100 mil anos atrás (supostamente). Existiam hominídeos que diziam que 2 + 2 = 3. Outros diziam que 2 + 2 = 5. Estavam errados? Para mim, não. Porque foi através deles, testando várias hipóteses, que se chegou mais perto da realidade (ao 4). Esse é o processo da ciência. Não é dar a resposta certa imediatamente. É gradualmente ir-se chegando mais perto do correto. Por isso, o 3 e o 5 não foram erros, porque fizeram parte desse processo e dessa aprendizagem.
Para mim, o 3 e o 5 foram simples resultados negativos. E resultados negativos fazem parte da ciência. Não são erros. São conhecimento.
E é a ciência que chega ao 4. E chega lá, mesmo que passe pelos outros números primeiro.”
Curioso, eu quando escrevi o meu comentário de cima no outro dia pensei em dar-te basicamente o mesmo exemplo!! 😀 (Só não o fiz porque pensei que já estaria claro.)
Deixa-me então expandir mais um pouco o teu exemplo para perceberes o meu ponto de vista. Esqueçamos os hominídeos, pensemos antes que a conta representa uma questão científica genérica.
Haverá gente a propor várias soluções: 3, 3.5, 9, 4.2, 4.1… Alguns dos métodos para chegar a estas respostas são passos na direcção certa para chegar à solução 4, enquanto que outros métodos são digressões completamente erradas (mas que na altura podem ter a aparência de estar certas). Muitos anos depois, escrevem-se livros sobre os métodos que conduziram à resposta certa da altura, digamos 4.1. Nesse processo há uma filtragem dos métodos que em retrospectiva se vê que não contribuíram para chegar ao 4.1. Esses métodos acabam esquecidos. Será que o método para chegar ao 9 ajudou em algo? Em retrospectiva consegue-se ver que não, que o método para chegar ao 4.1 vem do caminho científico que tinha levado ao 4.2 e antes ao 3.5… O 9 pode então ser considerado um erro em retrospectiva, um género de perda de tempo que afastou a Ciência de encontrar o 4.1 mais depressa. Que fez gente investir tempo num caminho que, em retrospectiva, não poderia conduzir à resposta correcta. Eventualmente, anos mais tarde, consegue-se chegar ao 4, sendo que nessa altura o método para chegar ao 9 está esquecido e não faz parte dos livros modernos. (E sim, estou a assumir que os cientistas que chegaram ao 4.2 e ao 4.1 não foram influenciados pelo método que conduzia ao 9.)
Deste ponto de vista, o “erro” é definido como algo que não contribui de forma positiva para chegar à resposta “certa” moderna e que acaba esquecido (que portanto não poderá ter um contributo futuro). Na Ciência “fringe” de hoje-em-dia é comum encontrar muitos potenciais exemplos disto (pelo menos eu em Matemática Aplicada, Física Computacional, Neurociências, Neurologia, e Psicologia via muitos casos que muito provavelmente iriam nesta direcção).
“Isto até se pode ligar à parte cultural.
O problema de mandar abaixo estátuas e exemplos similares, é porque estás a julgar o passado com os valores presentes.”
Bom, isso é uma questão muito diferente do meu ponto de vista, porque nesse caso existe a componente do que esses símbolos podem representar actualmente e de como podem ter um impacto na sociedade actual. Remover estátuas é em si uma forma simbólica de contestar o presente e não necessariamente só o passado. Dito isto, eu também acho ridículo julgar o passado com os valores presentes e o remover de estátuas talvez não seja a melhor forma de contestar os problemas do presente.
“Tal como no caso cultural, deve-se ter em conta o contexto da altura, também nos supostos erros do passado da ciência se deve ter em conta esse contexto e a própria estrutura processual da ciência.”
É claro que o contexto pode justificar o erro, mas isso não implica que não tenha sido um erro.
“Não sei se a hipótese do 5 era necessária. Se calhar chegava-se a 4, sem precisar de passar por ela.
Se calhar, noutro planeta, pensa-se na hipótese 7, e não na 5, e chega-se na mesma a 4.
Estamos a julgar o passado de acordo com o que aconteceu, a partir do nosso ponto de vista “determinístico”.”
Sim, não se trata se estamos a ser “justos” ou não com o passado. Não estou a dizer que se o cientista X contribuiu para um dado erro, então o cientista X era idiota. É claro que olhar e julgar em retrospectiva é “fácil” e “injusto”, mas não deixa de ser objectivo e correcto por causa disso.
“Um dos meus problemas com dizer-se que a ciência erra é levar os conspiracionistas a usarem precisamente esse argumento: “A ciência está sempre a errar, por isso não acredito em nada do que os cientistas dizem”.
Quando isto não é verdade, A ciência não tem errado. É a ciência que testa várias hipóteses e vai chegando ao conhecimento mais correto.”
Sim, eu compreendo que essa seja uma das tuas motivações e sei que é mais fácil defender a Ciência rejeitando que ela erre. Contudo, isso não é um argumento válido, é apenas algo conveniente em conversas com quem não sabe nada sobre a Ciência.
Para mim a resposta aos conspiracionistas é: “Sim, a Ciência está sempre a errar, mas é a melhor aproximação que temos da verdade. Se fores investigar o assunto em causa com os meios que temos disponíveis irás chegar à mesma conclusão. Caso não chegues, então poderás tentar publicar o teu estudo para este ser revisto por outros, para verificarem a sua validade. Se o teu estudo parecer estar certo, então sim, pode ele próprio contribuir para o evoluir da Ciência. Dito isto, é claro que para ser válido precisa de avaliar todas as evidências ao dispor.” E sim, também compreendo que esta resposta dá aso a outras discussões que parecem ser uma perda de tempo com os conspiracionistas (e que provavelmente são, ligando à questão levantada pelo Jonathan).
Abraço,
Marinho
Olá Marinho.
Obsoleto no sentido de ultrapassado: já existem coisas melhores para se usar, mas ainda se pode usar.
Este telemóvel está obsoleto, mas eu conheço duas pessoas na minha família que ainda o usam.
https://www.worten.pt/telemoveis-e-pacotes-tv/telemoveis-e-smartphones/alcatel/telemovel-alcatel-1066d-1-8-2g-preto-6565736
O mesmo para o sinal analógico, para o geocentrismo, para a gravidade de Newton (tal como ele a propôs), etc.
“Será que o método para chegar ao 9 ajudou em algo?”
– Sim, foi uma das hipóteses com resultado negativo. Essa não era a avenida correta. Mas que funcionou na altura. Como os 4 elementos. Ou o geocentrismo.
A homeopatia funciona? Não.
Isso é conhecimento? Sim.
É um erro pensar que a homeopatia funciona? Sim.
É um erro testar a homeopatia para ver se funciona? Não.
É um erro pensar que a astrologia funciona? Sim.
É um erro testar a astrologia para ver se funciona? Não.
Acreditar em astrologia foi um erro de alguns cientistas no passado? Não.
Galileu e Kepler tiveram motivos económicos para andarem a fazer cartas astrológicas.
E foi preciso a ciência testar essa treta para perceber que não funciona.
“Deste ponto de vista, o “erro” é definido como algo que não contribui de forma positiva para chegar à resposta “certa” moderna e que acaba esquecido (que portanto não poderá ter um contributo futuro).”
– Mais uma vez, pode ser uma questão de semântica. Mas eu não defino isso como erro. Porque a resposta negativa deu-nos conhecimento sobre o que não devíamos seguir.
Volto ao exemplo no meu comentário original: eu não sei fazer de cabeça a conta: 3098449058549 x 9867876 x 5986702309239348 x 986759985675821000293. Mas sei que a resposta não é 1, nem 2, nem 3, nem 4, até a alguns biliões. Ou seja, eu não sei qual é a resposta certa, mas sei que mais de 1 bilião de respostas estão erradas. Isto é conhecimento.
O método para chegar ao 9 pode não ter ajudado para chegar ao 4, mas ao menos mostrou que a avenida que levou ao 9 não era a correta.
Supondo que tu, amanhã, tentas aperfeiçoar a mesma experiência com outros métodos para chegar ao 4, já sabes de antemão que o método para chegar ao 9 é desnecessário. Escusas de o fazer de novo.
Isto é conhecimento. Conhecimento não é erro.
“Sim, a Ciência está sempre a errar”
– eu nunca poderia dizer isto, porque não concordo.
Em vez de lhe chamares erro, chama-lhe X (ou Y ou Z ou 3 ou 9). Vê isso como uma equação.
Se o processo da ciência é uma equação. Se aquilo a que chamas erro é o X da equação, é um dos fatores da equação, então não é um erro da equação, é parte integrante dela.
O geocentrismo, o sinal analógico, os 4 elementos, a astrologia, a gravidade de Newton, não foram erros, nem irão ser considerados erros no futuro, porque foram parte integrante do processo da ciência, para chegarmos hoje ao sinal digital, a Einstein, ao heliocentrismo, etc.
São conceitos atualmente obsoletos, que já foram melhorados, mas que funcionaram no passado e que continuam a ser utilizados de diferentes formas. Sobretudo, eles ajudaram a criar o conhecimento que temos atualmente (mesmo que seja só de forma negativa: do que não devemos fazer ou das avenidas que é escusado percorrer).
No teu comentário, disseste: “Não estou a dizer que se o cientista X contribuiu para um dado erro”.
Nota que eu não estou a dizer que os cientistas não erram. Todas as pessoas erram. Os cientistas são pessoas. Logo, os cientistas erram.
O que eu digo é que a ciência, o processo da ciência, não erra.
O cientista individual pode errar, a ciência no seu todo, no seu processo, não.
No meu artigo de 2011, penso que deixo isso bem claro, em vários exemplos.
https://www.astropt.org/2011/08/23/ciencia-nao-erra/
Por exemplo, no caso da natureza dos cometas, eu escrevi:
“Kepler determinou em 1609 que os planetas se movem em órbitas elípticas, mas achava que os cometas não.
Galileu dizia, tal como Aristóteles, em 1623, que os cometas eram miragens que se moviam na atmosfera superior da Terra.
Em 1680, Gottfried Kirch resolveu o assunto, sendo complementado em 1681 com as provas apresentadas por Georg Samuel Doerfel de que os cometas eram corpos celestes com órbitas elípticas.
Em 1687, Newton demonstrou a sua teoria da gravidade num cometa.
Em 1705, Halley aplicou o método de Newton ao cometa que tem o seu nome.”
Assim, Galileu errou, Kepler errou, Aristóteles errou, etc. Mas essas conclusões erradas fizeram parte de um processo que levou a sabermos muito sobre cometas atualmente. O processo da ciência funcionou. A ciência não errou, porque hoje temos muito mais conhecimento correto dos cometas. E foi sempre a ciência, através do seu processo, que nos deu esse conhecimento.
O cientista individual pode chegar a uma conclusão, mesmo errada, como Galileu pensou sobre cometas, e ficar satisfeito com isso.
A ciência não. A ciência no seu todo, como processo, vai continuar a estudar os assuntos até ter mais conhecimento sobre esse mesmo assunto. Estejam as respostas corretas ou não, a ciência vai continuar a investigar, para chegar a mais e mais conhecimento. O processo da ciência never stops.
abraço!
Author
Olá Carlos,
“Obsoleto no sentido de ultrapassado: já existem coisas melhores para se usar, mas ainda se pode usar.”
Não, o sinal analógico não está obsoleto nesse sentido. Em certas aplicações do sinal analógico, ele é a única opção. Não é “pode-se usar”, é “tem que se usar”. Noutras aplicações (as que tu deves estar a pensar), sim, está obsoleto. De forma genérica, não está…
““Será que o método para chegar ao 9 ajudou em algo?”
– Sim, foi uma das hipóteses com resultado negativo. Essa não era a avenida correta. Mas que funcionou na altura.”
Quando sabemos que a resposta certa é o 4 (ou 4.1, ou o que for), sabemos por definição que não é 9, nem 2, nem 10.
Começar a debitar um infinito número de respostas erradas não adiciona conhecimento porque tudo isso está implicitamente definido na resposta correcta. Ou seja, mesmo que na História não se tivesse perdido tempo a determinar que o 9 estaria errado, saber-se-ia depois que estava errado implicitamente. Portanto a investigação à volta do 9 foi um erro, não adicionou nada de positivo ao conhecimento (pelo contrário, fez com que se perdesse tempo por caminhos errados quando até já havia partes do caminho certo com o 3.5).
“Galileu e Kepler tiveram motivos económicos para andarem a fazer cartas astrológicas.”
De novo: o facto de haver justificações não implica que não se trate de um erro científico e de uma perda de tempo para a Ciência. Mas é claro que a Ciência não “vive” na sociedade humana de forma isolada e portanto é condicionada por outras coisas, como seja questões económicas, claro, que é e tem sido a maior condicionante de sempre.
“Mais uma vez, pode ser uma questão de semântica. Mas eu não defino isso como erro. Porque a resposta negativa deu-nos conhecimento sobre o que não devíamos seguir.”
No meu exemplo estou a definir isso como algo que de facto não nos deu conhecimento. O saber que o 9 não era a solução só veio depois, a partir dos caminhos científicos que de facto deram conhecimento “positivo”. Esses caminhos demonstraram tanto que o 9 não era solução, como o 8, 7, 1000, etc., que poderiam ter sido outras “teorias” possíveis do passado e que igualmente poderiam não ter contribuído. Faço de novo a ressalva de que as respostas erradas também podem ter um contributo positivo e que, como tal, não são propriamente uma perda de tempo. Mas não necessariamente.
“Volto ao exemplo no meu comentário original: eu não sei fazer de cabeça a conta: 3098449058549 x 9867876 x 5986702309239348 x 986759985675821000293. Mas sei que a resposta não é 1, nem 2, nem 3, nem 4, até a alguns biliões. Ou seja, eu não sei qual é a resposta certa, mas sei que mais de 1 bilião de respostas estão erradas. Isto é conhecimento.”
A forma de determinar que todas essas respostas estão erradas é conhecimento. Se propuseres que a resposta pode ser 1242305203953 e depois verificarmos que não é, isso não é necessariamente conhecimento, porque pode não estar a adicionar nada aos métodos que nos conduzam à resposta certa ou pelo menos aos métodos que nos dizem quais não podem ser as respostas certas. O teu método pode ser justificadamente esquecido que isso não será uma perda para a Ciência. Tudo o que é esquecido e que não teve um contributo para chegar à resposta “certa” é apenas uma perda de tempo.
“O método para chegar ao 9 pode não ter ajudado para chegar ao 4, mas ao menos mostrou que a avenida que levou ao 9 não era a correta.
Supondo que tu, amanhã, tentas aperfeiçoar a mesma experiência com outros métodos para chegar ao 4, já sabes de antemão que o método para chegar ao 9 é desnecessário. Escusas de o fazer de novo.
Isto é conhecimento. Conhecimento não é erro.”
Sim, isso seria conhecimento, mas estás a alterar o meu exemplo. No meu exemplo, o saber que não é o 9 não adiciona nada. Os cientistas que estudavam o “caminho científico” que levou ao 3.5 já sabiam que não era 9, nem 10, nem 20. A dúvida para eles poderia estar no intervalo de 3.5 a 4.5, por exemplo. Os que propuseram que era 9 apoiavam-se numa teoria que provavelmente refutava por completo aquela do 3.5.
“Em vez de lhe chamares erro, chama-lhe X (ou Y ou Z ou 3 ou 9). Vê isso como uma equação.
Se o processo da ciência é uma equação. Se aquilo a que chamas erro é o X da equação, é um dos fatores da equação, então não é um erro da equação, é parte integrante dela.”
Eu não tenho problemas em chamar as coisas pelo nome. 😀 Se tiver um erro num dos meus artigos científicos – digamos que me esqueci de um sinal negativo numa equação – é mesmo um erro. E pode ser um erro que conduz outros investigadores num caminho errado. Até se pode criar um novo ramo científico à volta desse erro. É uma perda de tempo para todos os que avancem nessa direcção.
“O geocentrismo, o sinal analógico, os 4 elementos, a astrologia, a gravidade de Newton, não foram erros, nem irão ser considerados erros no futuro, porque foram parte integrante do processo da ciência, para chegarmos hoje ao sinal digital, a Einstein, ao heliocentrismo, etc.”
Eu também não disse que isso eram exemplos daquilo que estou a falar. Esses não foram esquecidos e deram contributos relevantes.
“O que eu digo é que a ciência, o processo da ciência, não erra.
O cientista individual pode errar, a ciência no seu todo, no seu processo, não.”
O processo advém do que cada um faz e a propagação do erro individual não é garantido de se extinguir de imediato. Mas bom, se quiseres, a nossa discussão é de semântica a um nível de escala. Tu estás a pensar na Ciência a uma escala macroscópica, enquanto que eu estou a pensar a um nível mais microscópico. É claro que no seu todo, a Ciência vai sempre caminhando em média para um estado mais próximo da “verdade”, precisamente porque se vai corrigindo e melhorando. Eu vejo um tronco com muitos raminhos, alguns raminhos voltam ao tronco central para o reforçar, outros secam e caem (os erros). Se nos distanciarmos muito do tronco só vemos quase o tronco central e os ramos mais fortes que permanecem vivos.
Talvez seja mesmo tudo só semântica: o que tu queres dizer é que a Ciência tem funcionado sempre e com isso concordo. Mesmo quando errou estava a funcionar. :p Faz parte da exploração.
Abraço,
Marinho
Olá Marinho,
Acho que já estamos a repetir as coisas 🙂
E cada vez mais, me parece semântica: a definição de erro é diferente para ti e para mim, dentro da ciência. 😉
Sabemos que a resposta é o 4. O número 9 estava errado. A pessoa que o disse errou. A avenida que se levou para lá chegar estava errada. Mas o processo da ciência funcionou, e permitiu-nos chegar ao 4. A ciência não errou: chegou ao 4.
Para mim, a investigação à volta do 9 não foi uma perda de tempo. Mais uma vez digo, o resultado negativo, é positivo em ciência, porque nos dá o conhecimento do que não é (“a resposta negativa deu-nos conhecimento sobre o que não devíamos seguir”).
“No meu exemplo estou a definir isso como algo que de facto não nos deu conhecimento.”
– é aqui a nossa grande discordância, penso eu. Para mim, 2+2=9 dá-nos conhecimento do que está incorreto, mesmo que durante uns tempos assumíssemos como correto.
“Esses caminhos demonstraram tanto que o 9 não era solução, como o 8, 7, 1000, etc., que poderiam ter sido outras “teorias” possíveis do passado e que igualmente poderiam não ter contribuído.”
– para mim, todas essas possíveis soluções, se testadas e posteriormente vistas como negativas, são conhecimento.
Para mim, o conhecimento não provém só das respostas positivas, mas também das respostas negativas.
Por exemplo, eu sei que a homeopatia não funciona. Basta ler alguns artigos científicos, com testes independentes, double-blinded e peer-reviewed.
Isso, para mim, é conhecimento que eu tenho: saber o que está mal.
Mas não acho que saber isso seja um erro…
“Se propuseres que a resposta pode ser 1242305203953 e depois verificarmos que não é, isso não é necessariamente conhecimento, porque pode não estar a adicionar nada aos métodos que nos conduzam à resposta certa ou pelo menos aos métodos que nos dizem quais não podem ser as respostas certas.”
– mais uma vez, discordamos. Sabermos que aquilo não é, já é conhecimento. Não preciso de saber a resposta certa, para saber quais são as respostas erradas.
“No meu exemplo, o saber que não é o 9 não adiciona nada.”
– O sr. A sabe que não é o 9. O sr. B ainda não sabe nada, por isso não exclui qualquer número como resposta.
Qual achas que tem mais conhecimento? Achas que o conhecimento de ambos é igual?
“Os cientistas que estudavam o “caminho científico” que levou ao 3.5 já sabiam que não era 9, nem 10, nem 20.”
– ou seja, já tinham conhecimento, quando sabiam quais as avenidas que não deveriam seguir. E depois ainda incrementaram mais o seu conhecimento ao seguirem a avenida certa.
Já os cientistas Z e T, não tinham qualquer conhecimento inicial, e por isso decidiram seguir novamente avenidas com o 10 e o 20, para as testarem.
“Se tiver um erro num dos meus artigos científicos – digamos que me esqueci de um sinal negativo numa equação – é mesmo um erro.”
– sim, concordamos. É um erro. É um erro teu, e não da ciência.
“Esses não foram esquecidos e deram contributos relevantes.”
– Achas que os cometas serem miragens ou a geração espontânea para a origem da vida deram contributos relevantes para o conhecimento atual?
Para mim, deram. E estavam incorretas. Mas o processo da ciência não errou: continuou até chegar à resposta certa (no caso da vida, ainda continua).
“Tu estás a pensar na Ciência a uma escala macroscópica”
– sim, claro. Eu sempre disse o processo da ciência.
A ciência no seu todo não erra.
“Eu vejo um tronco com muitos raminhos, alguns raminhos voltam ao tronco central para o reforçar, outros secam e caem (os erros).”
– excelente comparação visual.
Para mim, a árvore é a ciência, o processo da ciência a desenvolver-se.
“o que tu queres dizer é que a Ciência tem funcionado sempre e com isso concordo.”
– sim 😉
“Mesmo quando errou estava a funcionar. :p ”
– Isto já és tu a provocar 😛
abraço! 🙂
Author
Olá Carlos,
Desculpa a demora. 🙂
Sim, acho que já ambos compreendemos a posição do outro e a divergência é em grande parte semântica.
Eu quando digo que a Ciência pode errar não é no sentido de que “falhou” como método/processo, mas antes que por vezes não funciona da melhor forma possível, que em retrospectiva conseguimos identificar. É como se a Ciência fosse um algoritmo genético de procura de soluções óptimas: por vezes “cai” em mínimos relativos que podem impedir o algoritmo de encontrar o mínimo absoluto mais cedo (a solução correcta). (Ou um mínimo relativo significativamente melhor…) Algumas destas soluções intermédias podem ser construtivas para encontrar melhores soluções, outras podem não “aquecer” nem “arrefecer”, outras podem ser negativas no sentido em que afastam o algoritmo de soluções melhores. “Cair” num mínimo relativo não é um erro do algoritmo, mas pode ser um infelicidade substancial na procura semi-estocástica. Deste ponto de vista podemos mover os erros para os cientistas, se preferires, que nesta comparação são o gerador de novas soluções possíveis.
“Mais uma vez digo, o resultado negativo, é positivo em ciência, porque nos dá o conhecimento do que não é (“a resposta negativa deu-nos conhecimento sobre o que não devíamos seguir”).”
E mais uma vez repito: sim, o resultado negativo é positivo, mas nem todos os resultados negativos têm que dar nova informação. É àqueles que não dão que me refiro como perdas de tempo. Se a teoria A já nos diz que as respostas X, Y, Z estão erradas, de pouco vale que venha a teoria B afirmar que Y está certo, para depois se vir a verificar que de facto não, a teoria A já nos tinha dado a informação correcta sobre Y estar errado. Como o processo científico não é uma linha recta, não é impossível que a teoria B seja posterior à A e também não é impossível que a teoria C, melhor que a A e a B, se foque apenas em melhorar a teoria A. Ao recontarmos a História da Ciência, também não é impossível que em retrospectiva consideremos que a teoria B não deu qualquer proveito positivo e portanto podemos esquecê-la. Mais importante que isso, pode-se de facto verificar que a teoria B não terá tido influência no surgir da teoria C (quem desenvolveu a teoria C até poderia desconhecer por completo a teoria B). Enfim, como disse, não há uma inevitabilidade em tudo o que os cientistas fazem e, consequentemente, há caminhos desnecessários na Ciência. É claro que quem os percorreu julgava que eram necessários.
Por exemplo, para mim é bastante óbvio que hoje em dia se publicam carradas de estudos que não servem para nada. Se eu tivesse uma máquina do tempo e pudesse ir ao passado eliminar meia dúzia de artigos será que isso constituiria uma perda para a Ciência? Será que todos os artigos que citaram os artigos eliminados seriam impossíveis de realizar? Não me parece (até porque muitas citações vêm através do viés da confirmação e não por o artigo citado ser de facto uma fonte de inspiração). Mas mesmo dando o benefício da dúvida às citações, poderia então eliminar apenas artigos sem citações e sem visualizações (fazia um hack ao journal para ter acesso às estatísticas :p ).
Também imagino que concordes que não seja fácil delimitar as fronteiras daquilo que podemos considerar como fazendo parte do processo científico. Por exemplo, há bons artigos em revistas sem peer-review e que contribuem para a Ciência e também há muito lixo com peer-review que dificilmente se pode considerar científico… Há também as burlas científicas na Ciência moderna que em certos casos tiveram consequências positivas noutras potencialmente negativas para a área científica em causa… Mas bom, já me estou a afastar do tema.
“… para mim, todas essas possíveis soluções, se testadas e posteriormente vistas como negativas, são conhecimento.”
Sim, para mim também, claro. Mas eu não preciso de criar uma nova teoria errada sobre 2+2 ser 9 para já sabermos que não é.
““Se propuseres que a resposta pode ser 1242305203953 e depois verificarmos que não é, isso não é necessariamente conhecimento, porque pode não estar a adicionar nada aos métodos que nos conduzam à resposta certa ou pelo menos aos métodos que nos dizem quais não podem ser as respostas certas.”
– mais uma vez, discordamos. Sabermos que aquilo não é, já é conhecimento. Não preciso de saber a resposta certa, para saber quais são as respostas erradas.”
Como disse: pode não adicionar caso já se soubesse por outros métodos anteriores que o 1242305203953 não era solução. “Então, mas se já se sabia que não era, porque é que propuseram depois que era?” Porque nem sempre as coisas são tão simples que possamos ter certezas absolutas sobre o conhecimento que pensamos dispor num dado momento. A Ciência avança em parte com o questionar do conhecimento que pensamos ter agora. Talvez aquilo que não estejas a reconhecer é que o sabermos agora que algo não é X, não implica que de facto não seja X. Se quisermos ver a Ciência como estritamente incremental, como tu queres, então é necessário reconhecer que alguns desses incrementos refutam incrementos anteriores. A refutação pode dar-se de forma activa ou passiva, dependendo se há uma tentativa directa de comparar com essa teoria errada.
“O sr. A sabe que não é o 9. O sr. B ainda não sabe nada, por isso não exclui qualquer número como resposta.
Qual achas que tem mais conhecimento? Achas que o conhecimento de ambos é igual?”
É claro que o A sabe mais, não coloquei isso em causa. No meu exemplo trata-se mais de ter o sr. A a conhecer o estado da arte na sua Ciência e portanto sabe que o 9 é supostamente a melhor aproximação da solução. Já o sr. B não saber nada acaba por ser uma vantagem para ele e por isso pode ter maior facilidade em chegar ao 4.
“ou seja, já tinham conhecimento, quando sabiam quais as avenidas que não deveriam seguir. E depois ainda incrementaram mais o seu conhecimento ao seguirem a avenida certa.
Já os cientistas Z e T, não tinham qualquer conhecimento inicial, e por isso decidiram seguir novamente avenidas com o 10 e o 20, para as testarem.”
Pois, o problema, como indiquei em cima, é caso não se possa confiar no suposto conhecimento “actual”.
““Se tiver um erro num dos meus artigos científicos – digamos que me esqueci de um sinal negativo numa equação – é mesmo um erro.”
– sim, concordamos. É um erro. É um erro teu, e não da ciência.”
A Ciência emerge daquilo que os cientistas fazem.
“Achas que os cometas serem miragens ou a geração espontânea para a origem da vida deram contributos relevantes para o conhecimento atual?
Para mim, deram. E estavam incorretas.”
Não sei se deram ou não, ter-se-ia que analisar a forma como essas ideias influenciaram (e influenciam e como podem ainda influenciar) as ideias e hipóteses de outros cientistas. Um dos pontos relevantes no que tenho escrito está na suposição de que certas ideias e/ou teorias não tiveram impacto no desenvolver do conhecimento. Para mim parece-me uma hipótese muito plausível, para ti talvez não.
Abraço,
Marinho
Olá Marinho,
Concordo com o resto 😉
“Se eu tivesse uma máquina do tempo e pudesse ir ao passado eliminar meia dúzia de artigos será que isso constituiria uma perda para a Ciência?”
Seria uma perda de tempo para ti, mas não para a ciência 😛
“poderia então eliminar apenas artigos sem citações e sem visualizações (fazia um hack ao journal para ter acesso às estatísticas :p ).
Eliminavas então o artigo científico de Einstein, que não tinha citações e teve poucas visualizações inicialmente 😛
“Também imagino que concordes que não seja fácil delimitar as fronteiras daquilo que podemos considerar como fazendo parte do processo científico.”
Penso que muitas vezes, esse critério/interpretação é subjetivo.
Mas, para mim, é fácil: aplico os critérios científicos, e, se houver dúvidas, aplico o meu gut-feeling, como diria Bush 😛
“A Ciência avança em parte com o questionar do conhecimento que pensamos ter agora. Talvez aquilo que não estejas a reconhecer é que o sabermos agora que algo não é X, não implica que de facto não seja X. Se quisermos ver a Ciência como estritamente incremental, como tu queres, então é necessário reconhecer que alguns desses incrementos refutam incrementos anteriores. A refutação pode dar-se de forma activa ou passiva, dependendo se há uma tentativa directa de comparar com essa teoria errada.”
De acordo. Esse é o processo da ciência. Não é erro. Mas é ter cada vez mais conhecimento sobre o tema 😉
Veio-me à ideia do exemplo de Aristarchos de Samos: sabia que o geocentrismo estava errado. Acharam – por motivos religiosos – que ele estava errado. Mas afinal estava certo. Só se soube isso muitos séculos depois.
“Pois, o problema, como indiquei em cima, é caso não se possa confiar no suposto conhecimento “actual”.”
Para isso, tens Lakatos 😛
“A Ciência emerge daquilo que os cientistas fazem.”
Sim, mas um erro do cientista, é um erro.
Um suposto erro da ciência não é erro, porque faz parte do processo da ciência ir incrementando esse conhecimento e “apagando” esses “erros”.
Eu separo os erros individuais do que é a estrutura do empreendimento. 😉
“Um dos pontos relevantes no que tenho escrito está na suposição de que certas ideias e/ou teorias não tiveram impacto no desenvolver do conhecimento. Para mim parece-me uma hipótese muito plausível, para ti talvez não.”
Eu considero uma opinião plausível. Senão nem a discutia. Os teus argumentos fazem sentido. Para mim, tem valor.
Só não concordo. Tenho uma opinião diferente 😉
abraço!
Author
“Eliminavas então o artigo científico de Einstein, que não tinha citações e teve poucas visualizações inicialmente”
Dava jeito que fosse um artigo já com uns anos. :p A verdade é que hoje em dia publica-se tanto e tanto lixo, pelo que de certo acontece com frequência ciência sólida perder-se no meio do lixo. Digamos que o topo da árvore tem hoje muitos mais raminhos do que tinha no tempo do Einstein e muitos mais secam não necessariamente por falta de qualidade, mas por falta de atenção. É por isso que eu sou a favor de uma reforma completa da forma como se publica hoje ciência: o escrutínio deveria ser muito superior, com verificações de qualidade muito mais escrupulosas. Assim existiria menos “ruído”… Menos raminhos que estão necessariamente secos à nascença.
Concordamos então em discordar. 🙂
Abraço,
Marinho
Olá Marinho,
Não concordo com os argumentos que apresentaste nos comentários 😉
Talvez por uma questão de semântica.
Concordo com o Peter de que a filosofia, por demasiadas vezes, “enrola demasiado as coisas”.
Apesar de ter tido bons professores de filosofia da ciência… e de discutirmos isto nas aulas.
O método científico (a ideia que se tem dele) não falha.
O que falha são… as pessoas.
Eu não acredito na ciência ou no método científico.
Eu confio na ciência e no método científico.
Crença é, para mim, algo pessoal (subjetivo), em que eu acredito em algo só porque sim, independentemente das evidências.
Eu posso continuar a acreditar que é o Sol que anda à-volta da Terra ou que a Terra é plana. Isso é uma crença minha.
Já olhando para as evidências, perceber que a Terra é redonda (tal como Aristóteles percebeu) ou que o geocentrismo está errado como Galileu percebeu, então isso é confiar nas evidências.
abraço!
“O método científico (a ideia que se tem dele) não falha.
O que falha são… as pessoas.
Eu não acredito na ciência ou no método científico.
Eu confio na ciência e no método científico.”
Exatamente! Eu completo: “Eu não acredito na Ciência, eu simplesmente entendo como ela funciona.” Por isso não é crença, é saber (se me permite parafrasear Carl Sagan).
Author
Olá Carlos,
Sim, talvez seja uma questão de semântica.
A Filosofia quando bem feita deve assemelhar-se à Matemática. O problema é que para ser bem-feita precisa de uma linguagem clara como a da Matemática e para a alcançar pode dar a aparência de estar a “enrolar”. Ou, pior, por vezes os filósofos podem falhar nessa tentativa de clarificar. Assim, do meu ponto de vista, o importante é reconhecer que isso é uma falha de execução, não uma falha na essência da Filosofia.
“O método científico (a ideia que se tem dele) não falha.” – Depende do que se entenda por falhar. É um método que assume as suas falhas e que por isso se define de forma iterativa. Nunca está completo e por isso nunca se pode definir se de facto “falhou”. Ou por outras palavras, uma falha é apenas parte do percurso necessário.
Em relação à distinção entre “acreditar” e “confiar”, eu também costumo usar esses conceitos dessa forma. Não obstante, para ter uma conversa coerente convém definir os termos que usamos de forma precisa. É isso que fazem na “aula” do crash course e por isso também o escrevi no artigo. Ou seja, é como que definir um sistema de coordenadas para definirmos nele um conjunto de vectores. O importante é a definição dos vectores relativamente ao sistema e não o sistema arbitrário de coordenadas que decidimos escolher.
Em suma, sim, isto é apenas uma questão de semântica, pois imagino que também reconheças que “confiar” é uma forma de “crença” (neste caso justificada, como indiquei no texto e nos comentários).
Abraço,
Marinho
A Filosofia enrola demais as coisas.
A ciência trabalha com método científico , evidências factuais e estatística, por isso funciona.
A palavra “conhecimento” deve ser só atribuída a fatos comprovados.
Saber de uma informação qualquer, um factoide, por exemplo, de uma noticia de celebridade, não significaria conhecimento, e sim informação, que pode estar errada, ou com viés, se for algo religioso ou político, por exemplo.
Então saber que a Terra orbita o Sol é conhecimento.
Não seria conhecimento dizer que fez um curso e aprendeu tudo sobre PNL, pois é pseudociência, um monte de baboseiras.
Author
Olá Peter,
Desculpe a demora em aprovar o seu comentário.
“A Filosofia enrola demais as coisas.” – Discordo. Há maus filósofos e há maus professores de Filosofia que o podem conduzir a essa conclusão errónea, mas o objectivo da Filosofia não é enrolar, é clarificar tudo com base em lógica.
“A ciência trabalha com método científico , evidências factuais e estatística, por isso funciona.” – Claro que funciona e também falha muitas vezes, tal como é expectável e até inevitável. É importante pensar (filosofar) nos métodos da ciência para discernir as condições necessárias para que o método funcione. É possível e provável que haja condições adicionais que possamos descobrir e implementar de forma a tornar o método científico mais eficiente (na minha experiência como cientista, posso garantir que é extremamente ineficiente pelo menos em algumas áreas).
Na definição que dei, o conhecimento é uma “crença verdadeira justificada”. Logo informação de carácter religioso ou político não pode ser considerado conhecimento por não ser verdadeiro e/ou justificado. Informação de carácter ético também não é conhecimento porque não é qualificável de verdadeiro ou falso. Mas sim, o conhecimento é uma “crença” na medida em que “acreditamos” nele. Isto não implica que seja uma crença cega que não permita ser revista. O “verdadeiro” é a nossa melhor aproximação da verdade num dado instante e com o tempo vamos encontrando novas justificações que podem conduzir a novas “verdades”.
“Então saber que a Terra orbita o Sol é conhecimento.” – É conhecimento e portanto é algo em que acreditamos com base em imensas evidências. Antes do Renascimento, o conhecimento é que a Terra era o centro do universo, porque a esmagadora maioria das evidências da altura apontavam para isso. Assim, o conhecimento evoluí e espera-se que com o tempo se vá aproximando cada vez mais da verdade inerente ao universo.
“Não seria conhecimento dizer que fez um curso e aprendeu tudo sobre PNL, pois é pseudociência, um monte de baboseiras.” – Claro, ninguém disse o contrário. Não é nem verdadeiro nem justificado.
Abraço,
Marinho
O meu conceito:
Conhecimento é somente aquilo de que se dispõe de uma certa quantidade de evidências falseáveis, o resto, denomino como crença. Por evidências falseáveis, me refiro àquelas quais se pode aplicar revisão por pares; esta revisão por pares o fará através de observações e experimentações devidamente apropriadas; vale lembrar que as tais observações e experimentações devem sempre ser pautadas pela Lógica e pelo Método Científico, por razões inteiramente ligadas à honestidade intelectual.
De pronto, ninguém está proibido de ter crença alguma, qualquer que seja, nem tampouco de propor hipóteses para testar, porém a já mencionada honestidade intelectual, quando bem arquitetada e utilizada, nos permite perceber que uma crença por si só não é a descrição da realidade em nenhum momento, é apenas crença e deve obrigatoriamente ser assumida como tal. Me desculpo com antecedência caso não tenha conseguido me fazer entendido e caso alguém sinta meu comentário como “cagação de regras”, não foi essa a intenção, quis apenas expor minha perspectiva sobre o assunto pro debate fluir.
Abraços tupiniquins!
Author
Olá Jonathan,
Desculpe pela demora em aprovar o seu comentário.
Em geral não discordo do que diz, embora haja um ponto importante a acrescentar: a parte sociológica da ciência. Um estudo ter tido revisão por pares não implica de imediato que faça parte do conhecimento humano. Para tal é preciso que seja reproduzido por outros muitas vezes e de formas diferentes, de tal forma que a generalidade da comunidade científica aceite as conclusões do estudo. Assim, aquilo que encaramos como conhecimento científico é aquilo que a comunidade científica acredita ser verdade com base no método científico – é uma crença justificada, mas continua a ser uma crença, porque há imensas suposições implícitas em tudo isto. E é em parte por isso que a ciência se está sempre a rever.
Abraço,
Marinho