Nas últimas cheias de Lisboa, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (que me parece competente, racional e respeitador da ciência), pensou estar a defender a ciência, quando na verdade estava a responsabilizar a ciência por algo que não é da sua competência.
Dizer que as cheias em Lisboa são responsabilidade das “mudanças climáticas”, é um absurdo.
Obviamente, o objetivo dele era dar relevância ao fenómeno das alterações climáticas, mas utilizar um exemplo que nada tem a ver com isso, é péssimo para quem quer comunicar eficazmente o que são as alterações climáticas: é o chamado “tiro no pé”.
Claro que as alterações climáticas provocam mais eventos extremos.
Mas nem é o caso destas chuvas: estas chuvas têm existido repetidamente em Lisboa, como lembrou – e bem – Ricardo Araújo Pereira, aqui (entre os 12 e os 20 minutos). Estes não são eventos graves recentes.
Como é que alguém pode responsabilizar as alterações climáticas por ter chovido em Dezembro, durante o inverno no Hemisfério Norte?
Pelo contrário: este é um exemplo de que o Inverno continua a ser normal.
A responsabilidade por Lisboa continuar a ter cheias é do poder político.
Em primeiro lugar, é um problema social: muita gente a viver junta faz com que eventos naturais (e normais) se tornem muito mais prejudiciais para os Humanos.
Em segundo lugar, é um problema de planeamento de construção: as cidades não foram feitas para absorverem tanta água da chuva. Deveriam ter sido planeadas nesse sentido, mas não o foram.
Em terceiro lugar, é um problema de localização: a chamada Cidade das 7 Colinas está rodeada por colinas. A gravidade ensina-nos que os objetos que estejam mais acima, tendem a cair para baixo. Assim, a água não sobe as colinas, mas desce as colinas. Por isso, é normal que quando chove bastante, além da água natural das nascentes, ainda existam carradas de água da chuva pelas colinas abaixo que vão dar a Lisboa.
Em quarto lugar, é um problema de mudanças artificiais: quando se construiu a cidade, os cursos naturais de vários rios foram alterados. Isso leva obrigatoriamente a algum stress nas infraestruturas, que quando chove bastante, não conseguem comportar tanta água.
Em quinto lugar, é um problema de drenagem: como as cheias são cíclicas, há já várias décadas que os políticos prometem enormes túneis de drenagem da água. Mas nunca foram feitos. Por isso, o problema mantém-se.
Nada disto tem a ver com alterações climáticas!
Como diz, no Público, João Miguel Tavares, aqui:
“As alterações climáticas são a nova bala de prata, que explica todos os males do mundo. Se não chove nada, é das alterações climáticas. Se chove muito, é das alterações climáticas. E quando alterna entre não chover nada e chover muito, é dos “fenómenos extremos” provocados pelas alterações climáticas. Ora, eu acho óptimo que se discuta o clima, que nos preocupemos com o clima, e que façamos o que for possível para melhorar o clima, mas não podemos permitir que tudo o que é falha, atraso ou má gestão de intempéries passe agora a esconder-se atrás do biombo das “alterações climáticas”. (…) Não, não é das alterações climáticas – é das alterações urbanísticas (…) ”
Em vez das alterações climáticas serem tratadas de forma séria e científica, o termo está a ser utilizado politicamente para esconder a péssima gestão no ordenamento do território citadino.
Ao confundirem as pessoas com as alterações climáticas, os políticos – em vez de incentivarem o estudo científico – só dão armas aos negacionistas: quando tudo é alterações climáticas, nada é alterações climáticas.
1 comentário
É, pelo vistos alguns políticos também sofrem de – e com – iliteracia científica.