Na décima aula do Crash Course de Filosofia discutem-se os argumentos que Aquino apresentou como provas da existência de Deus:
Tomás de Aquino (1225-1274) foi um frade italiano que teve uma forte influência na Filosofia Escolástica.
Aquino discordou dos argumentos propostos por Anselmo para a existência de Deus, mas propôs cinco novos argumentos que, segundo ele, provavam a existência de Deus.
(O leitor também pode concordar com a conclusão de que Deus existe e, ainda assim, pode discordar destes e de outros argumentos a favor da sua existência, claro. O importante aqui é compreender porquê.)
Esta aula foca-se nos primeiros quatro argumentos de Aquino, os chamados Argumentos Cosmológicos. Têm esta denominação por serem baseados em observações do mundo natural. Passemos a conhecê-los.
Argumento a partir do Movimento
Todos podemos constatar que tudo se move neste mundo. Para que algo se mova é preciso que outra coisa a ponha em movimento. De facto, para que uma coisa X coloque outra coisa Y em movimento é preciso que a coisa X se mova. Isto significa que tem que haver uma outra coisa W que coloque a X em movimento. Ou seja, há como que uma cadeia de movimentos em que todos os movimentos que observamos são consequência de outros movimentos, onde o movimento de qualquer coisa num dado instante é consequência de outro movimento anterior. De forma a evitar uma regressão infinita de movimentos é necessário que tenha havido uma coisa inicial que tenha colocado tudo em movimento. Este “primeiro motor imóvel”, a “coisa” que coloca tudo em movimento sem que o seu movimento seja causado por outra coisa é Deus.
Concorda com este argumento de Aquino? Que falhas consegue identificar?
Argumento a partir da Causalidade
Todos os fenómenos que observamos no mundo são causados por outra coisa. Um efeito é causado por algo, esse algo é por sua vez um efeito de outra coisa que foi causada por outra… Para evitar uma regressão infinita de causas… Deus, a primeira causa não causada.
Sim, este argumento é praticamente igual ao de cima. O argumento do movimento pode ser encarado como um caso particular deste argumento, onde o efeito em causa é o movimento.
Argumento a partir de Contingência
Em Filosofia definem-se “seres necessários” e “seres contingentes”. Um ser necessário é algo que sempre existiu, sempre existirá e que não pode não existir. Um ser contingente é o contrário: algo que poderia não existir. Por exemplo, nenhum de nós é necessário. Se eu não tivesse nascido, o universo estaria cá na mesma. Mais importante que isso (para a definição), é que um ser contingente é um ser que depende de outras coisas. Por exemplo, a minha existência dependeu da existência dos meus pais. De acordo com Aquino, tudo o que observamos no mundo é contingente na existência de outras coisas, as quais por sua vez são contingentes noutras. Em suma, estamos de volta ao mesmo argumento: para evitar uma regressão infinita de coisas contingentes noutras e para evitar, portanto, a possibilidade de que tudo poderia não existir, é necessária a existência do ser necessário: Deus.
Depois de três argumentos quase iguais, é natural ponderar se o quarto é mais uma variante do mesmo. Não é:
Argumento a partir de graus de comparação
Para que tudo seja qualificável de “bom”, “mau”, “belo”, “feio”, etc., é necessário que exista algo perfeito que sirva como o “fim” da escala de medida. Esse algo perfeito é Deus.
O que acha deste argumento?
Falhas nos Argumentos Cosmológicos de Aquino
Antes de mais nada, mesmo que possamos assumir que os argumentos têm mérito, devemos constatar que os argumentos não estabelecem a existência de nenhum Deus em particular. Nestes argumentos, Deus é “apenas” algo que causou o universo e que é perfeito, mas não é necessariamente o Deus definido na Bíblia ou noutro livro. Pode até nem ser um ser pensante. Mais ainda, pode-se dizer que os argumentos tentam estabelecer a existência de pelo menos um Deus, mas nada impede que possam existir mais deuses.
Os três primeiros argumentos baseiam-se na impossibilidade de existir uma regressão infinita. Porque não? É concebível pensar que o universo teria sempre existido e que de facto houvesse uma regressão infinita. Mas mesmo que aceitemos que tenha que existir um início, porque é que esse início tem que ser “Deus”? Por outro lado, como é que Aquino pode provar que existe mesmo uma “regressão”? A observação de que há coisas causadas por outras não implica que tudo tenha uma causa. Não quero com isto dizer que não seja uma boa suposição. É uma excelente suposição, mas é uma suposição, o que só por si implica que o argumento estaria incompleto. Pode-se dizer que a Ciência actual usa a mesma suposição e que também suporta a não existência de uma regressão infinita. A diferença está no facto de que a Ciência não postula Deus como causa e/ou criador do universo.
O quarto argumento parece-me um pouco idiota… Porquê assumir que tem de haver um ser perfeito para que possamos estabelecer qualificações subjectivas do que é bom ou belo? Se fosse necessário um ponto de referência, porque não definir antes o pior possível? Deste ponto de vista, a definição de Deus como “perfeito” parece ser arbitrária.
5 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
1 – o que colocou deus em movimento?
2 – qual foi a causa de deus?
3 – Deus é um ser contingente. Eu sou um ser necessário. Este argumento vale tanto como o de Aquino 😛
4 – Eu sou perfeito. Este argumento é melhor do que o de Aquino, porque pelo menos eu existo 😛
5 – “se substituirmos “Deus” por, digamos, unicórnios” —- ADOREI!!! Tens lido os meus posts 😀 ehehehehehe 😀 só faltou completar dizendo que são unicórnios invisíveis 😛
abraço!
Author
1-4: Em suma, o Aquino atribui características ao seu Deus para convenientemente resolver os problemas que ele pensa existir.
5: Tenho? :p Por acaso não sei a que post te referes (infelizmente não tenho grande tempo para acompanhar). Nota que eu já publiquei este artigo no meu blogue em Janeiro. 🙂
Abraço,
Marinho
Carlos e Marinho, essa do unicórnio – invisível – me remeteu ao “dragão de minha garagem”. Quer dizer, da minha não, de Carl Sagan. Um dragão que ninguém vê por ser invisível, ninguém vê sua chama porque esta também é invisível, ninguém sente seu calor porque ela é fria, e ninguém sente frio porque nos Estados Unidos, onde esse conto de Sagan foi criado, o clima é temperado (ou seja, a temperatura da “invisível chama fria” se confunde com a temperatura ambiente.
Excelente menção: ao dragão invisível de Sagan 😉
Olá Jonathan,
Sim, o Sagan estava basicamente a apresentar a mesma analogia do John Wisdom, a “Parábola do Jardineiro Invisível”, que referi no final do artigo anterior:
https://www.astropt.org/2023/02/07/a-existencia-de-deus-o-argumento-de-anselmo-cc-9/
Abraço,
Marinho