Karen contra Deus

O canal de televisão norte-americano TLC começou por ser The Learning Channel – era um canal dedicado ao ensino: as pessoas iriam aprender.
Entretanto, ao longo dos anos, deixou de o ser. Agora, TLC quer dizer Travel & Living Channel, passando a ter programas de viagens, reality shows, e do chamado lifestyle.

Um dos programas de maior sucesso do canal (e dos EUA) é o “90 Days Fiancé“, nas suas mais variadas versões.
A premissa conta-se rapidamente: cidadãos norte-americanos apaixonam-se (através da internet) por cidadãos estrangeiros que vivem noutros países. Se quiserem viver juntos nos EUA, o estrangeiro tem de viver 90 dias seguidos nos EUA e no final desses 90 dias ambos têm de decidir se casam ou se tudo foi um erro.

Um dia destes, ao fazer zapping pelos canais, dei com esse programa.
Estive a ver um pouco, porque havia uma situação ridícula que deu numa enorme discussão entre um casal, e por isso fiquei logo interessado na estupidez da discussão.
Imediatamente a seguir, apareceu outro casal. Esse casal era sobre uma norte-americana que se apaixonou por um israelita chamado Nicola.

Crédito: Starcasm

Nicola é super-religioso, virgem, com 46 anos de idade, que se recusa a entrar em discotecas ou noutras festas, porque considera serem uma expressão do demónio. Devido às suas crenças religiosas, Nicola não pode ter relações sexuais antes de casar, e mesmo tocar numa mulher (dar a mão, por exemplo), já não o faz há 16 anos. A única mulher da vida dele é a mãe, que só aceita uma mulher para Nicola se ela fôr virgem.
A norte-americana chama-se Meisha Johnson. Ela tem 43 anos de idade.

Porque fiquei interessado nesta história?

Porque a linda Meisha admitiu que sempre foi muito livre em termos de relações. Teve vários parceiros, incluindo alguns que conhecia em festas. No entanto, também teve relações de sucesso, em que casou, teve 2 filhas, trabalhava como jornalista (incluindo na CBS e FOX), e viajava em aviões e helicópteros privados. Atualmente, ela é divorciada.
Em 2010, um ano após pedir o divórcio, Meisha teve um “renascer espiritual”, enquanto estava a aspirar a casa: ela olhou pela janela e viu dois enormes sóis suspensos no céu.
Nessa altura, sentiu uma mão invisível a empurrá-la para baixo, a fazê-la ajoelhar, enquanto uma voz na sua cabeça lhe dizia para rezar e para ler a Bíblia.
Depois de ler a Bíblia e muito rezar, deixou de ir a festas, e considera-se atualmente virgem.

Meisha e Nicola conheceram-se num grupo de Facebook para Cristãos à procura de parceiro/a.
Eles namoraram online durante 7 anos, antes de finalmente Meisha ir ter com Nicola a Israel.

Eu não desejo mal a ninguém, por isso espero que este casal dê certo.
Apesar de ser altamente improvável isso acontecer.

Independentemente disso, trouxe esta reflexão aqui devido à minha faceta de bullshit slayer (assassino de tretas).
Meisha “viu dois sóis” que mais ninguém viu, ouviu “vozes na sua cabeça”, etc, e a sua interpretação é que é uma coisa espiritual?
Obviamente, a atitude racional a ter seria consultar um especialista em psiquiatria.

É incrivelmente problemático existirem interpretações diferentes para situações idênticas.
Se alguém disser que ouve Napoleão a dar-lhe ordens na cabeça, é internado num hospital psiquiátrico.
Mas se disser que a voz vem de “deuses invisíveis”, então já é credível.
Isto é absolutamente inaceitável em termos lógico-racionais.


Mas há mais: o “renascer espiritual” não teve só vozes na cabeça.
Ela tirou uma foto dos dois sóis e enviou para uma amiga. Mas, sem surpresa, nem Meisha nem a amiga têm as fotos.
Segundo Meisha, isso faz parte do plano de Deus: ambas terem apagado a foto.
Pelos vistos, Deus não quer evidências…

Nesse mesmo dia, Meisha foi buscar as filhas à escola.
Quando ia a conduzir, à sua frente ia uma senhora a conduzir um carro muito devagar.
Meisha passou esse carro. Mas depois teve que parar o seu carro num cruzamento com STOP. Nessa altura, o carro atrás de si (conduzido pela tal mulher) travou de repente, essa mulher saiu do carro e começou a discutir com Meisha. A mulher chegou-se ao seu carro, Meisha abriu a janela, e a mulher começou aos gritos numa língua estrangeira. Meisha fechou a janela, mas a outra mulher tentou abrir a porta à força. Meisha carregou no acelerador e foi-se embora, enquanto a mulher tentava pontapear o carro. A mulher foi então para o seu carro, e perseguiu Meisha. Enquanto conduzia, Meisha telefonou para a polícia. Mas Meisha conseguiu despistar a mulher, e por isso chegou em segurança à escola das filhas.

Qualquer outra pessoa interpretaria este incidente como sendo a habitual raiva na estrada (road rage).
Mas Meisha teve outra interpretação: se os dois sóis eram um sinal de Deus, então este incidente foi obra do diabo. Ela diz que a mulher se chamava Karen, era um demónio, e falava numa língua antiga própria do diabo. As forças do mal queriam desviá-la do caminho do Paraíso.


No meu entender, esta pessoa, Meisha, devia ser ajudada mentalmente. Não devia ser exposta na televisão a dizer estas coisas…

Fontes: Starcasm, The Catholic Spirit (6 de Abril de 2023, página 10).

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 10/10/2023 at 13:48
    • Responder

    E a pobre mulher desconhecida não poderia ser estrangeira? Não poderia estar falando uma língua que Meisha não domine? Até mesmo uma hebreia dando-lhe uma bronca em hebraico, por exemplo? Não! Para religiosos, tudo que não diz respeito à sua fé é obra do demônio, do caipiroto, do coisa-ruim, … Depois esse povo não quer ser rotulado de fanático.
    Religiosos, entendam: o demônio não é ruim e não quer fazer mal a vocês, ele quer apenas apresentar seus passos de dança (quem conhece os memes da internet já sabe do quê estou falando).

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