Texto da autoria de Paulo Santos:
Depois de cerca de 3 semanas para preparar um encontro, eis que chegou o momento de carregar a mala do carro e fazermo-nos à estrada.
Aproveitando uma noite de Lua Nova e na esperança de termos ainda um Setembro de Verão já que este veio mais tarde, organizou-se um encontro na Serra da Freita, Município de Arouca, no dia 8 de Setembro de 2007.
A Serra da Freita está situada na região montanhosa de Entre Douro e Vouga e estende-se numa vasta paisagem salpicada de blocos graníticos com vegetação rasteira e alguns pinheiros. A pouca densidade populacional e a muito reduzida iluminação pública faz prever noites de céus bastante escuros para a zona onde nos encontramos.
Dada a sua imensidão, são vários os locais possíveis para uma noite de observação pelo que uma visita prévia é necessária para escolher o melhor possível, tendo em conta o campo de visão, a iluminação pública, os acessos, se as condições atmosféricas são propícias ou não aos tão desagradáveis ventos, etc.
O inicio desta aventura será dado com um jantar mesmo à entrada da Freita, no restaurante “Refúgio da Freita”, junto ao parque de campismo, entre as 7h/7h30 para termos tempo de chegar ao local ainda com alguma luminosidade. Às 9h já será de noite.
Quanto ao local em si, esta semana resolvi dar uma volta por lá e tenho-vos a dizer que sítios não faltam. Numa aventura de quase 5 horas, percorri praticamente toda a serra e difícil, difícil é escolher.
Sítios fantásticos suficientemente amplos para albergar vários carros e equipamentos, com campos de visão de sonho, suficientemente afastados da luz pública. No entanto, o ideal seria num local o mais próximo possível do ponto de encontro pelo que provavelmente será numa zona árida que fica na via à esquerda do restaurante. Resta saber se o vento não será um incómodo. A tarde era já por si de algum vento como tem sido normal nestes últimos dias e de facto ele fazia-se sentir na serra, mas nada de extraordinário.
Deixo-vos aqui um testemunho muito optimista de quem já teve oportunidade de observar na Serra da Freita e possivelmente será mais um a acompanhar-nos:
“(…)Em relação à serra da Freita devo dizer-te que foi o melhor lugar onde já observei. Melhor mesmo que no Alentejo. Pode ter sido uma noite de sorte mas já observei desde miranda do douro passando pelo alentejo, até Lagoa(algarve) e nunca vi melhor(…)”
De Israel Fernandes, autor do blog Carrocel Estelar.
As previsões não eram as mais favoráveis. Cá pelo norte algumas nuvens aliadas a uma intensa neblina previam o pior cenário. No entanto fomos na esperança de conseguir alguns bons momentos por entre os intervalos das nuvens altas que esperávamos encontrar na Serra da Freita.
O Paulo Aguiar foi o primeiro a chegar ao local, já com a intenção de vaguear pela serra para avaliar os pontos previamente seleccionados e também ele procurar por alternativas que lhe parecessem mais favoráveis. Eram perto das 16h quando entramos em contacto e me referiu que o céu estava essencialmente limpo, apenas com algumas nuvens altas e uma neblina no horizonte que em nada comprometia as observações. Um bom prenúncio, sem dúvida.
Por volta das 17h30, já com a mala carregada e depois de passar por casa do meu primo Emanuel, fiz-me finalmente à estrada a caminho da serra. Cheguei ao restaurante 45 minutos depois, com tempo suficiente para também eu dar mais uma vista de olhos por zonas que ainda não tinha explorado. Tentei contactar o Paulo Aguiar para saber por onde andava mas as dificuldades de comunicação que previa eram reais. Resolvi avançar para a costa este da serra e uns km depois não foi difícil chegar à conclusão que o melhor local era sem dúvida o ponto 1, na costa sul:
De regresso ao restaurante, já perto das 19h, encontrei o Rogério e a namorada Marta. Éramos já 4, o grupo começava a formar-se. As dificuldades de comunicação mantinham-se pelo que resolvemos literalmente ir à procura de rede uma vez que estava pessoal na estrada que não sabia o caminho para a serra. Consegui finalmente contactar com o Paulo Aguiar. Tinha tido um problema com o carro pelo que ia chegar atrasado. Entretanto o Bernardo estava quase a chegar ao restaurante onde o Cláudio já estava à nossa espera. Pouco tempo depois chegou o Miguel Lopes e a esposa Sónia. Com a ajuda do GPS não tiveram qualquer dificuldade em chegar. Trouxeram uma boa notícia: João Cruz vinha a caminho com o seu C11. Com o problema do carro resolvido, o Paulo lá chegou também a tempo de uma boa refeição. O Bruno Novo chegou a tempo ainda de um café e dois dedos de conversa.
Eis o registo fotográfico do jantar:
Da esquerda para a direita: Eu e o Rogério
O Bruno e o Miguel Lopes
Marta, namorada do Rogério e Sónia, a esposa do Miguel Lopes
Paulo Aguiar
Pouco antes das 21h, de barriga cheia, resolvemos partir para o que realmente interessava. A noite já se fazia notar pelo que nos aguardava a difícil tarefa de montar e alinhar os equipamentos à luz das lanternas vermelhas. De comum acordo, partimos todos em direcção ao ponto 1 numa caravana de 7 carros, onde chegamos cerca de 10 minutos depois.
O primeiro impacto foi muito bom: se bem que ainda não tínhamos uma visão totalmente adaptada para a noite, o céu aparentava ser bastante escuro com a Via Láctea bem visível, um campo de visão fantástico e, muito importante, espaço para todos. No entanto, quando saímos dos carros deparamo-nos com bastante vento vindo de norte e frio, muito frio. Como qualquer bom astrónomo, toda a gente vinha preparada para o efeito. Os casacos foram portanto o primeiro “equipamento” a ser usado. Conseguiu-se estimar um céu com magnitude superior a 6, um seeing de 5 em 10 e o ar estava muito seco, completamente sem humidade. Alguma neblina a poente limitava um pouco a observação dos objectos abaixo de 30º. De resto, as nuvens altas eram escassas e não comprometeram as observações.
Colocados os carros estrategicamente lado a lado, de frente para o sentido do vento e com a mala aberta, conseguimos uma protecção eficiente e um excelente abrigo para montar os telescópios. Chegava a hora da sempre difícil mas compensadora tarefa de montar os equipamentos, fazer os alinhamentos, etc. Com a vantagem de possuir um dobsoniano, fui o primeiro a estar pronto para as tão desejadas observações. Curiosamente não foi sequer necessário fazer qualquer colimação. As lentes estavam com um alinhamento quase perfeito. Que alívio, pensei eu. Sem um colimador laser, a tarefa não ia ser fácil pelo que resolvi nem tentar melhorar. Entretanto o telemóvel toca: era o João Cruz. Já estava perto mas precisava das coordenadas certas para vir ao nosso encontro. Mais um GPS em serviço.
Lembro-me de ter olhado para o relógio e serem 21h30 quando a grande maioria dos telescópios já estava em devido funcionamento.
Cláudio com o seu ETX70.
Infelizmente o Cláudio não conseguiu alinhar correctamente a montagem do seu equipamento pelo que se limitou a observar sem o auxílio do GoTo. Teve a oportunidade de ver alguns objectos impossíveis nos céus da zona onde vive (arredores de Guimarães) com este “little guy”. Mais uma prova que a qualidade do céu conta muito. Sempre que podia, fazia uma ronda pelos outros equipamentos.
Bernardo e o seu Newton Vixen de 114mm.
Mais uma prova que os céus escuros marcam toda a diferença. O telescópio do amigo Bernardo debitou uma excelente imagem de M17, a Nebulosa do Cisne, apesar de este objecto na altura se encontrar relativamente baixo e no meio de alguma neblina.
Paulo Aguiar com o seu Mak Skywatcher de 127mm.
No meio da caça aos objectos, sempre que queríamos observar Júpiter só tínhamos que nos deslocar até este telescópio. O Paulo montou, alinhou e apontou para o grande planeta e deixou o tracking a funcionar enquanto fazia a ronda pelos outros equipamentos. Impressionante a credibilidade deste sistema. Talvez uma hora se passou no intervalo das duas ocasiões que observei pelo seu Mak e o planeta continuou bem no centro da ocular sem ser preciso nenhuma correcção. Muito bom. Só foi pena ter-se sentido alguma turbulência atmosférica na altura em que Júpiter estava num ponto mais favorável, o que impediu grandes aumentos.
O Rogério de volta da montagem da sua mais recente aquisição, o C8, com o auxílio da Marta.
O Rogério teve azar. Um problema na montagem limitou-lhe a noite. Bem equipado com o seu portátil, estava preparado para fazer alguns registos fotográficos. Infelizmente ficou-se pela observação. Para a próxima prometeu levar o dobson de 12″.
Aqui estou eu com o meu canhão XTi 10″
Uma boa abertura aliada à simplicidade da montagem e à qualidade de um céu com magnitude superior a 6 só podia resultar numa noite em cheio. Vários “fuzzies” foram observados com a ajuda de um buscador EZfinder expressamente comprado para a ocasião, uma vez que o buscador Telrad e o Skyatlas não iam chegar a tempo. Foi uma aposta em cheio. Com um buscador típico 9×50 de ângulo recto, o starhoping é, na minha opinião, muito mais complicado. Com o Ezfinder é quase que uma brincadeira. Consegui inclusive detectar a M17 numa situação de fraca visibilidade das estrelas de referência, já que Sagitário estava relativamente baixo no horizonte, mergulhado ainda na neblina que se fazia sentir. Com o Telrad e o Skyatlas prevejo ainda mais facilidades. Recomendo qualquer buscador do tipo red point.
O Miguel Lopes e a mala do seu carro carregado com o C6.
Infelizmente não consegui uma foto com o Miguel e o seu equipamento montado. Facto irrelevante. O equipamento esteve na verdade muito activo e à disposição de todos. Apesar de uma abertura mais limitada, o C6 proporcionou sempre excelentes imagens, muitas vezes puxadas ao máximo, como a dupla dupla de Lyra. Os enxames e várias nebulosas completaram o cardápio.
O meu primo Emanuel junto ao meu equipamento.
Há uns dias atrás encontrei o Emanuel num bar aqui em Paços. Na ocasião tinha acabado de tirar a melhor foto que consegui à Lua e como estava com a máquina resolvi mostrar-lhe. Foi o início de uma longa conversa sobre esta nossa actividade. Mostrou-se bastante interessado e por isso convidei-o para vir a este encontro. Passou a noite a observar nos vários telescópios, sempre com os meus binóculos ao pescoço e a fazer as perguntas normais de um comum curioso. Teve inclusive a oportunidade de manusear o meu dobson. Não se saiu nada mal.
A dada altura senti que faltava qualquer coisa… Tantos carros e tão poucos equipamentos… Pois, faltava um: o do Bruno. Rapidamente a situação foi esclarecida: esquecera-se dos pesos para a montagem do seu C6 newtoniano. Que grande galo! Foi realmente uma pena e não dá para imaginar a enorme frustração que deve ter sentido. Mas concerteza chegou rapidamente à conclusão que a noite não estava de maneira alguma perdida. A quantidade, variedade e qualidade dos equipamentos à disposição proporcionaram uma experiência única e inesquecível.
O C11 do João entretanto lá chegou. Que monstro. Era difícil não ser o centro das atenções.
É realmente uma experiência única observar por um canhão estelar. A qualidade, nitidez e brilho das imagens, aliadas à fiabilidade da montagem, tornam bem empregue todos os euritos que este setup vale. Um sonho para muitos que ali estavam presentes, garanto. Foram vários os objectos observados com a ajuda de um GoTo apuradíssimo. Faziam-se filas para se ter a oportunidade de observar objectos como muitos nunca viram.
No decorrer da noite o vento abrandou até se tornar praticamente nulo, o que fez atenuar um pouco o frio que se fazia sentir. Infelizmente não ficamos tão longe da estrada como parecia e de facto havia algum trânsito a mais para o local que era. Como não havia qualquer iluminação pública evidentemente que os carros transitavam com os máximos ligados, o suficiente para prejudicar a adaptação dos olhos ao escuro. Lá nos fomos habituando a essa intempérie até que um carro se aproximou invulgarmente de nós. Será um intruso? Ou um simples curioso? As dúvidas foram imediatamente dissipadas a partir do momento em que desligou as luzes à medida que se aproximava cada vez mais do nosso grupo. Afinal, faltavam ainda 2 elementos que tinham confirmado a presença e que ainda não tinham dado sinal. Era um deles, o Rui Santos do Grupo Polaris, acompanhado do amigo Paulo Marques. À lista dos equipamentos em serviço juntou-se um Meade LXD55 de 8″.
O Rui com o LXD5 8″ e a prova de que realmente estava muito frio.
O Rui foi o último a chegar mas em contrapartida foi dos últimos a sair, juntamente com o amigo Paulo. Dedicaram-se essencialmente à astrofotografia em piggyback. De resto foi bom ver um equipamento igual a um que já possuí a trabalhar como deve ser.
E assim estávamos nós a aproveitar cada momento para trocar experiências, equipamentos e acessórios e ao mesmo tempo a desfrutar de um céu bastante bom. Enquanto uns observavam e outros conversavam, o João, com a ajuda de um laser verde, deu uma pequena aula ao Emanuel mostrando algumas constelações visíveis na ocasião, bem como os nomes das principais estrelas e outros objectos de interesse. Fez um verdadeiro roteiro pelo céu.
Depois de cerca de 4h de intensa actividade e com a neblina a apertar, estava na hora da parte mais difícil: arrumar tudo novamente na mala do carro. Mas como disse e bem o amigo Bernardo, já faz parte. E depois de uma noite tão agradável, os equipamentos eram arrumados com um enorme sorriso de satisfação.
Era então tempo da foto do grupo. Peço desculpa pela má qualidade mas na altura não tive a percepção que as fotos iam sair assim tão más. As meninas entretanto ficaram no quentinho dos seus carros.
Da esquerda para a direita: João Cruz, Paulo Aguiar, Emanuel Santos, Rogério Crespo, Cláudio Ribeiro, Paulo Santos, Bruno Novo, Rui Santos, Paulo Marques, Miguel Lopes e Bernardo de Andrade.
Tivemos assim um total de 13 participantes (um número que por sinal deu sorte) com 8 telescópios em funcionamento: Etx 70, Newton Vixen 114, Mak Skywatcher 127, C6, C8, LXD55 8″, XTi 10″ e C11.
Chamo a especial atenção pelo esforço do Bernardo que veio de Cascais e do João Cruz que veio de Leiria. Ambos se sujeitaram a uma longa viagem para se juntarem a nós. Uma verdadeira prova do quão importante é para eles esta actividade e é por esta mostra de dedicação que vale a pena continuar e repetir este tipo de experiências. Obrigado pela vossa contribuição no encontro.
E assim terminou mais um encontro de astrónomos amadores com a agradável sensação que tudo correu pelo melhor e que valeu a pena todo o esforço e tempo dispensado. Resta-nos agora esperar por uma nova oportunidade. Espero também que toda a organização tenha sido eficiente e que não haja nada a apontar.
Para finalizar em grande, já a caminho de casa o meu primo confessou-se: “Já estou viciado. Adorei. Espectacular”. Resultado: passei a viagem a explicar-lhe os passos a tomar até comprar um telescópio.
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Foi com elevado pesar que a equipa do astroPT ficou a saber que o Paulo Santos faleceu poucos dias após escrever este relato.
Era nosso colaborador e uma pessoa verdadeiramente entusiástica. Sempre disposto a ajudar, sempre disposto a participar.
Não se foi um cometa, que esses são passageiros… Foi uma estrela que passou na Terra para nos aproximar mais ainda da astronomia.
Adeus, Paulo Santos.
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[…] – Falecimentos: Paulo Santos. Arthur C. Clarke. […]