(Integral, o observatório de raios gama da ESA. Crédito: ESA)
O maior desafio da física moderna consiste na unificação da teoria da relatividade geral com a mecânica quântica. A relatividade geral descreve a gravidade não como uma força convencional mas antes através da forma como corpos com massa afectam a geometria do espaço-tempo – gravidade é geometria. Esta teoria assume que o espaço-tempo é contínuo e sem estrutura, independentemente da escala em que é observado. Quando tentamos incorporar as ideias da mecânica quântica na relatividade geral, esta ideia de espaço-tempo contínuo e sem estrutura é problemática. A mecânica quântica diz-nos que o vácuo está repleto de actividade com pares partícula-antipartícula virtuais que aparecem e desaparecem rapidamente mas não sem antes influenciarem o comportamento das partículas observáveis. Isto não é ficção científica, foi demonstrado vezes sem conta em laboratório, por vezes de forma espectacular como no caso do efeito de Casimir.
É assim natural constatar que algumas das teorias actuais que tentam unificar a relatividade geral e a mecânica quântica, por exemplo, variantes da teoria das cordas (string theory) e da teoria de gravitação quântica em laços (loop quantum gravity), genericamente designadas de teorias de gravitação quântica, prevêem também que o espaço-tempo deve ter alguma granularidade a uma escala designada de “comprimento de Planck”, cerca de 10-35 metros. Trata-se de um valor extremamente pequeno, muito menor, por exemplo, do que o raio do protão, o qual foi estimado experimentalmente em cerca de 1 fentometro (10-15 metros). O ponto interessante nestas considerações é que estas teorias não se limitam a prever esta granularidade do espaço-tempo, ela tem consequências passíveis de serem verificadas por observações astronómicas. De facto, algumas das teorias referidas prevêem que as ondas electromagnéticas com energia mais elevada e comprimento de onda mais curto interagem com esta estrutura granular do espaço-tempo, resultando numa ligeira alteração da sua polarização (a direcção preferencial de vibração das ondas). Este efeito seria muito menor para fotões menos energéticos. O efeito é acumulativo pelo que, para tentarmos detectar este efeito, o ideal seria observarmos fotões de elevada energia emitidos de uma fonte distante por forma a aumentar a contribuição do vácuo nas variações na polarização durante o percurso dos fotões até à Terra.
(Formação de um feixe energético de radiação ao longo dos pólos de um buraco negro criado no colapso gravitacional de uma estrela. A explosão de raios gama resulta da colisão deste feixe com as camadas externas da estrela, aquecendo o plasma a temperaturas elevadíssimas e provocando a emissão copiosa de radiação gama. Crédito: NASA/Dana Berry.)
Recentemente, uma equipa de cientistas liderada por Philippe Laurent do Commissariat à l’Énergie Atomique em Saclay, analisou observações da explosão de raios gama GRB041219A, detectada em 19 de Dezembro de 2004, realizadas pelo observatório Integral da ESA. Esta foi uma das explosões de raios gama mais energéticas jamais detectadas (entre as 1% mais energéticas). O evento teve origem no colapso gravitacional de uma estrela, resultando na formação de um buraco negro, numa galáxia a pelo menos 300 milhões de anos-luz (o que é óptimo pois existe muito vácuo entre nós e a origem dos raios gama). A equipa tentou detectar diferenças na polarização entre os raios gama de energias mais elevadas e os de energias mais baixas, mas sem sucesso. Os resultados são tão precisos que os cientistas puderam estimar que, a existir alguma granularidade no espaço-tempo, esta terá de manifestar-se a escalas bem menores que o comprimento de Planck, na ordem dos 10-48 metros. A confirmar-se esta análise, esta observação servirá para eliminar várias variantes das teorias de gravidade quântica actualmente propostas. Trata-se também de um ponto interessante no desenvolvimento destas teorias uma vez que, pela primeira vez, elas começam a realizar previsões passíveis de verificação experimental.
(A explosão de raios gama GRB041219A numa das bandas de energia observadas pelo observatório Swift, da NASA. Crédito: Missão Swift.)
Estas observações confirmam, e refinam consideravelmente, resultados preliminares obtidos pelo observatório de raios gama Fermi, da NASA, que não detectou variações na velocidade dos fotões gama de diferentes energias. As teorias prevêem também que os fotões de mais alta energia são ligeiramente mais lentos que os demais devido à sua interacção com a estrutura granular do espaço-tempo.
É verdadeiramente notável que observações de fenómenos a distâncias cosmológicas possam dar-nos informação sobre a estrutura do Universo em escalas inimaginavelmente pequenas. Podem ver a notícia original aqui.
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