Dogons e Sirius

Sirius é a estrela mais brilhante no céu nocturno, e encontra-se a cerca de 8,6 anos-luz de distância da Terra.
Na verdade é uma estrela dupla: duas estrelas que se orbitam mutuamente.

Sirius A é a estrela que se vê. É uma estrela branco-azulada, 2 vezes mais massiva e 23 vezes mais brilhante que o Sol.

Sirius B é uma anã branca. Na verdade foi a 1ª anã branca a ser descoberta. Foi descoberta em 1862, após ser prevista em 1844. Esta estrela invisível a olho nú a partir da Terra, tem uma massa similar à do Sol mas tem um diâmetro menor que o da Terra, o que leva a que seja bastante densa.

A órbita do sistema demora 50 anos.

Têm sido detectadas irregularidades no sistema, que podem indicar a presença de outro corpo (um planeta gigante, uma anã castanha, ou uma anã vermelha), mas todas as pesquisas até hoje não encontraram mais nenhum objecto no sistema.

Sendo uma estrela bastante brilhante, os misticismos de várias culturas davam bastante importância a esta “estrela do cão”, como por exemplo, os Egípcios, os Gregos, os Polinésios, etc.

Robert Temple no seu livro The Sirius Mystery, publicado em 1975, diz que a tribo dos Dogons do Mali já sabiam da estrela Sirius B muitos antes da descoberta feita na Europa, ou seja, já sabiam que existiam massivas anãs brancas antes delas serem descobertas. Temple também afirma que eles sabem de uma estrela Sirius C, que até pode ser um planeta.
Segundo Temple, os Dogons explicam esta sabedoria nos seus mitos, que foram transmitidos aos antropólogos franceses Marcel Griaule e Germaine Dieterlen por volta do ano 1945. O mito Dogon diz que este conhecimento foi-lhes transmitido por seres, chamados Nommo, anfíbios, meio homem e meio peixe, que apareceram vindo dos céus numa nave, sendo originários do sistema de Sirius. Quando chegaram à Terra, os Nommo criaram um reservatório de água para onde entraram, já que era esse o seu ambiente.
Segundo os Dogons, os Nommo não transmitiram só conhecimento sobre Sirius, mas também sobre agricultura, arte, etc, que foram ensinamentos cruciais que levaram depois ao desenvolvimento de sociedades como as dos Egípcios, Gregos, etc.

Pessoalmente, adoro o livro do Temple.
Mas, tal como os livros do Daniken, é preciso não esquecer que todo o livro é baseado em fantasias.

Na verdade, basta uma leitura atenta das datas, para perceber que o conhecimento da Sirius B, afinal não era tão místico assim…

Sirius B foi descoberta em 1862.
Após esta data existiram inúmeros exploradores e missionários europeus a visitarem e viverem no continente Africano, incluindo na zona dos Dogons. Não me parece assim surpreendente que esses exploradores e missionários europeus tivessem levado esta informação, que já era conhecimento europeu, para os Africanos. Era uma informação fantástica, motivadora, e uma evidência do conhecimento europeu: “Estão a ver aquela estrela? Não é uma estrela, mas são sim duas estrelas, sendo que a sua companheira é invisível a olho nú, e muito mais densa do que aquela que vemos”.
Esta informação teve quase 100 anos para ser incorporada no “conhecimento” Dogon.
Quando os antropólogos franceses lá chegaram, os Dogons já tinham assim a informação sobre a anã branca. E realmente, essa informação foi-lhes transmitida por uma “sociedade muito mais avançada” que a deles; mas era uma sociedade terrestre, neste caso, europeia.

“Mistério” resolvido…

Deixo aqui excertos deste artigo escrito por Kentaro Mori:

“Um dos primeiros a divulgar amplamente a idéia de que podemos ter mantido contato com civilizações extraterrestres na Antiguidade foi curiosamente um dos mais conhecidos céticos. No livro “Vida Inteligente no Universo” (1966) o astrônomo Carl Sagan, em colaboração com o colega soviético Iosif Shklovsky dedica um capítulo inteiro para defender seriamente a possibilidade de um contato em eras passadas.
Já então a dupla indicou um possível deus astronauta: o enigmático personagem da mitologia suméria, Oannes. Quimera metade peixe, diz a lenda que a criatura surgiu no Golfo Pérsico por volta de 4.000AC e ensinou várias artes e ciências aos homens. Seriam os ecos longínquos do contato com um alienígena benevolente?
Talvez, apenas talvez. A dupla de cientistas foi sóbria e cautelosa ao deixar claro que eram apenas especulações sem comprovação. E é aqui que reside a diferença entre especulação e a enganação. Logo depois um hoteleiro suíço (Daniken) venderia exatamente as mesmas idéias como se fossem fatos comprovados, e o resto, como dizem, é história. Ou melhor, ficção vendida como história.
(…) Fiquemos então com a que, segundo o próprio cético Sagan seria uma das melhores evidências concretas de contatos na antiguidade.
São os rituais e lendas do povo Dogon na África. Coincidência ou não, esta tribo distante também fala da chegada de uma quimera peixe-serpente, chamada Nummo, vinda diretamente do sistema estelar de Sírio. Não apenas o mito faz referência astronômica ao sistema estelar, ele inclui alguns detalhes que só foram confirmados pela ciência no século passado. A especulação se torna subitamente sólida quando as “lendas” possuem elementos que apenas grandes telescópios – ou viajantes extraterrestres – poderiam conhecer. Seria este o caso perfeito? Pelo menos é o que enganadores vendem.
O que nunca contam é que a história não pára aí. Há algo muito estranho quando descobrimos que os Dogon acreditam que o Nummo foi crucificado (!) e ressuscitou, e que deve retornar uma segunda vez à Terra. Soa familiar? Demasiadamente familiar. Em verdade as lendas astronômicas Dogon mais extraordinárias têm uma única fonte, o antropólogo Marcel Griaule que manteve contato com a tribo nos anos 1930 e 40. Outros antropólogos em contato com a mesma tribo antes e depois falharam em confirmar as extraordinárias lendas.
Não se suspeita que Griaule inventou as histórias, mas é revelador que os supostos mitos ancestrais espelhem os mitos e conhecimentos do próprio europeu. Os supostos conhecimentos astronômicos Dogon também contêm alguns erros, idênticos aos da astronomia europeia no início do século passado. Pelo visto a tribo Dogon não devia estar tão isolada dos europeus, e como Sagan notou, a civilização alienígena com conhecimentos astronômicos sofisticados em contato com os Dogon que o antropólogo descobriu era… sua própria civilização. (…)”

Leiam também este artigo, escrito originalmente por Javier Garrido B., e traduzido pelo Ceticismo Aberto:

“Uma etnia relativamente primitiva da África ocidental parece possuir dentro de sua sabedoria tradicional conhecimentos astronômicos muito precisos sobre o sistema estelar de Sírio, que só são possíveis de obter utilizando refinados recursos tecnológicos. Nos referimos, obviamente, aos Dogon.
Os mitos deste povo conteriam referencias claras à companheira invisível de Sírio, uma anã branca que foi predita pela ciência em 1844 e descoberta em 1862. Mais que isso, a descreveriam com detalhes tão exatos quanto surpreendentes, considerando-a como muito pequena e formada pelo metal mais pesado do mundo, e com um período orbital de 50 anos, virtualmente idêntico ao calculado pela astronomia ocidental.
À primeira vista, isto parece impossível. Os Dogon só podem ter recebido um conhecimento desta classe de uma civilização cientificamente avançada. Extraterrestre? Atlante? Ou quem sabe simplesmente da civilização tecnológica geograficamente mais próxima deles, a Ocidental?
(…)
Uma linha de argumentação muito mais sóbria foi oferecida por Ian Ridpath e Carl Sagan (entre outros), na polêmica que surgiu na publicação de The Sirius Mistery. Sagan e Ridpath sugeriram que os conceitos astronômicos modernos incluidos dentro da mitologia Dogon poderiam ter sido assimilados por esta em uma época muito recente, possivelmente pouco antes que esses mitos fossem registrados por Griaule e sua equipe nos anos trinta e quarenta. Para apoiar esta hipótese notaram que nessa época todos os conhecimentos astronômicos atribuídos aos Dogon (incluindo um certo número de erros óbvios) já estavam estabelecidos na astronomia moderna já há um bom tempo. Por exemplo, a companheira de Sírio era conhecida desde 1862. É claro que os Dogon não poderiam ter adquirido essa informação sem ter mantido contato com uma civilização tecnologicamente avançada; entretanto de acordo com a proposta de Sagan e Ridpath, essa civilização muito provavelmente foi terrestre e não extraterrestre. Os Dogon poderiam ter recebido esses conhecimentos de viajantes, exploradores, comerciantes ou missionários, integrando-os sem grandes conflitos em seus mitos tradicionais. Também podem tê-los recebidos através de escolas francesas locais, ou talvez os membros da etnia que lutaram com o exército francês durante a I Guerra Mundial os ouviram.
(…)
Sagan considera muito mais provável um contato recente dos Dogon com a astronomia ocidental que com hipotéticos alienígenas em um passado remoto, e imagina desta forma o encontro: “Vejo com os olhos de minha imaginação um visitante francês que no começo deste século [XX] chega ao território Dogon, no que então era a África Ocidental francesa. Quem sabe fosse um diplomata, um explorador, um aventureiro ou um pioneiro dos estudos antropológicos. […] A conversação começou a girar em torno do tema astronômico. Sírio é a estrela mais brilhante do céu. O povo Dogon obsequiou o visitante com sua mitologia sobre a estrela. Logo, com um sorriso, cheios de expectativa, talvez tenham perguntado ao visitante pelo seu mito sobre Sírio […] E é também bem possível que, antes de responder, o viajante consultasse um carcomido livro que levasse em seu equipamento pessoal. Dado que então a obscura companheira de Sírio era uma sensação astronômica da moda, o viajante intercambiou com os Dogons o espetacular mito por uma explicação rotineira. Uma vez abandonada a tribo, sua explicação permaneceu viva na recordação, foi reelaborada e muito possivelmente, incorporada à sua maneira no corpo mitológico Dogon, ou no mínimo, em um de seus ramos colaterais. […] Quando Marcel Griaule realizou suas investigações mitológicas nas décadas de 30 e 40, se encontrou anotando uma versão elaborada de seu próprio mito europeu sobre a estrela Sírio.”
(…)
Sagan também lembra que nas primeiras décadas do século “a peculiar natureza de Sírio B foi amplamente difundida em livros, revistas e periódicos”, em um debate que “impregnou a imprensa científica da época e pôde alcançar toda pessoa medianamente inteligente e culta”. O tema estava, então, em foco na época, antes que Griaule iniciasse suas investigações. Os crédulos julgam inverossímil ou absurda a possibilidade de integração dentro de uma mitologia de um conhecimento exógeno procedente de outra cultura terrestre em um lapso de tempo muito curto (ah claro!, e como conseqüência é muito mais “lógico” e plausível que ela provenha de seres anfíbios de Sírios…). Mas Sagan ressalta que esse processo já ocorreu outras vezes, que está bem documentado, e cita diversos exemplos, em especial as experiências do Dr. Carleton Gajdusek com os habitantes de Nova Guiné.
(…)
A penetração colonial francesa no território do atual Mali começou já em 1850; em 1880 a zona já havia se tornado um protetorado, e sua conquista se completou em 1898. Desde 1907 havia escolas francesas na área geográfica dos Dogon, e há referência de membros da tribo servindo ao exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Em seus contatos com os Dogon, Griaule utilizou intérpretes locais, incluindo alguns que trabalharam para o governo colonial francês (só falta aqui que alguém sugira que o domínio da língua francesa também é parte do legado milenar dos Nommos alienígenas).
(…)
Outro detalhe interessante é que não existe nenhum registro dessa “extraordinária sabedoria” astronômica anterior aos anos trinta, ou seja, antes dos trabalhos de Griaule e sua equipe. Nem sequer há uma nota de algum dos viajantes e exploradores ocidentais que atravessaram a região desde os fins do século XVIII. Isto apoia a ideia de uma inclusão muito recente de dados astronômicos modernos dentro de uma cosmogonia antiga. Sigamos rumo a outro dado ainda mais surpreendente: da mesma maneira que não existem registros anteriores a Griaule de que os Dogon tinham inexplicáveis conhecimentos astronômicos, tampouco outros antropólogos que trabalharam sobre o terreno depois dele conseguiram confirmar tais descobrimentos.
(…)
Por outro lado, as alegadas afirmações dos Dogon a respeito do sistema estelar de Sírio são chocantemente similares às especulações dos astrônomos europeus da década de vinte, incluindo vários erros que hoje são bem óbvios. Por exemplo, os astrônomos dessa época sabiam, devido aos seus efeitos gravitacionais e sua escala de magnitude, que a companheira de Sírio era extremamente pesada, com uma densidade ao redor de 60.000 vezes superiores à da água. De fato, foi a primeira anã branca descoberta; nos anos vinte isto causou sensação, já que não se tinha notícia de nenhum outro objeto similar. No suposto mito Dogon, isto se refletiria na descrição que eles fazem de Digitaria, ao considerá-la como a coisa mais pesada do universo. Muitas outras estrelas anãs são tão ou mais pesadas que Sírio B, por exemplo, as estrelas de nêutrons. Só que os astrônomos da época não conheciam este dado, nem tampouco devemos dizer, os sacerdotes Dogon. Pelo visto, os conhecimentos astronômicos dos “Nommos”, apesar de dominarem a viagem interestelar, não estavam muito além do que sabiam os astrônomos terrestres nas primeiras décadas do século XX. O mesmo pode ser dito da teórica segunda companheira de Sírio, Sírio C, tão generosamente identificada como Emme Ya.
(…)
Outros erros são muito mais grosseiros, como a extraordinária notícia de que Digitaria ocupava em outra época a atual posição do Sol. Se passarmos do espaço interestelar ao sistema solar, o panorama é ainda mais desalentador: tratam-se de conhecimentos superados não na década de vinte, mas em muitos casos em um século ou mais. Saturno é identificado erroneamente como o planeta mais distante do sistema solar, deixando de lado Urano, descoberto em 1781 por Herschel, e Netuno, predito por Leverrier em 1846 e identificado por Galle no mesmo ano. Este dado por si já põe em dúvida que a fonte original dos conhecimentos Dogon sejam sábios extraterrestres, já que eles não teriam ignorado dois planetas tão consideráveis. Da mesma forma, só se mencionam as quatro luas galileanas de Júpiter, quando na realidade esse planeta tem pelo menos 67 satélites [corrigi agora eu]. Algumas outras omissões são também curiosas: mencionam-se os anéis de Saturno, mas não se diz uma palavra sobre os que circundam outros planetas maiores. Por exemplo, os anéis de Urano foram descobertos em 1977. Seria uma observação demasiadamente detalhista? Na verdade, é certo que os anéis de Saturno são consideravelmente mais conspícuos que os de seus companheiros, mas também é certo que o que se está julgando aqui é verossimilhança de um conhecimento revelado aos humanos por nada menos que uma super-raça extraterrestres tecnologicamente avançada; com uma fonte desse porte devemos ser exigentes e reclamar por precisão nos detalhes. E resulta bastante contraditório que o nível de detalhe que nos é oferecido pelos Dogon, no que se refere ao sistema solar, seja equivalente ao nível que a astronomia moderna tinha em meados do século XVIII, ou que poderia ser obtido por um pequeno telescópio levado junto do equipamento de um explorador de finais do século XIX e começo do século XX.
(…)
o próprio Robert Temple nos oferece (inadvertidamente) o que pode ser uma evidência bastante óbvia de assimilação de uma crença exógena por parte da mitologia Dogon. O personagem a quem se refere (apesar de denominado “Nummo”) é facilmente reconhecível: “O Nummo foi crucificado e ressuscitou, e no futuro retornará para visitar a Terra, desta vez na forma humana”. Um Nummo crucificado que logo ressuscita? Essa não parece muito a classe de informação que seria de se esperar de alienígenas que dominam a técnica da viagem interestelar, mas sim o catecismo de algum pregador cristão (com uma Segunda Vinda incluída). Também existem outros exemplos de histórias bíblicas que os Dogon assimilaram em seus mitos, como a arca de Noé que aparece no Gênesis, e que eles consideram como uma lenda própria.
(…)
Outra “prova” material que sempre é trazida à tona neste ponto é um diagrama simbólico que os Dogon identificam como “o ovo do mundo”. Segundo os divulgadores, trata-se de um “preciso diagrama orbital”, no qual Sírio A se encontraria em um dos focos da elipse. Robert Temple já chegou a afirmar a respeito que “a analogia é tão surpreendente que até mesmo o mais leigo está em condições de constatar a identidade das duas configurações até os mínimos detalhes”. Soa impressionante, mas a impressão dura só até que invistamos uma olhada (que seja com um olho inexperiente) ao desenho citado. A primeira coisa que se observa é que há um excesso de corpos “estelares” dentro do “sistema”: nada menos que nove. Por que tantos? Só deveriam haver dois: Sigu tolo e Po tolo. Por pressuposto, Emme Ya (“o sol das mulheres”) e seu satélite não tinham por que aparecer, uma vez que já nos foi advertido que recorrem em sua trajetória a uma distância muito maior que Digitaria. Qualquer pessoa diria que o “preciso diagrama orbital” não é de nenhuma forma tão preciso. Uma segunda olhada descobre outra anomalia: na realidade se trata de um diagrama orbital muito estranho, já que na suposta órbita não há nenhum corpo. A estrela que deveria estar sobre a órbita (Po tolo) na realidade se encontra dentro dela. Pelo visto, o que realmente surpreende não é a analogia (inexistente) entre o “ovo do mundo” e um diagrama orbital, mas sim que alguém possa fingir que exista uma “identidade das duas configurações, até nos mais mínimos detalhes”. Outra vez, o que se apresenta como “prova” de uma afirmação extraordinária cai muito abaixo de qualquer nível de exigência, em especial quando nos é oferecido primores de precisão que não aparecem em parte alguma.
(…)
É muito pouco estimulante o fato de que virtualmente todos os extraordinários conhecimentos cosmológicos atribuídos aos Dogon já estavam firmemente assentados dentro da astronomia moderna antes que os antropólogos franceses visitassem esse povo. Por exemplo, se dentro dessa suposta “sabedoria tradicional” existisse referência a algum dado obscuro, só descoberto muito recentemente, (como os anéis de Júpiter, que eram desconhecidos antes da exploração da Voyager 1) o “mistério” poderia ser considerado como quase que insolúvel de uma perspectiva mundana.
E segundo nos dizem os divulgadores do “mistério de Sírio”, com Robert Temple à frente, essa é exatamente a situação. Um descobrimento bombástico veio a demonstrar que os conhecimentos astronômicos dos Dogon estavam à frente da ciência ocidental. Concretamente, estamos falando do “descobrimento” de Sírio C. Na primeira edição de seu livro, Temple fez esta significativa “profecia”: “Se Sírio C chegar a ser descoberta, e se constatarmos que é uma anã vermelha, eu concluirei que a informação dos Dogon foi completamente validada”.
Recordemos que os Dogon não descrevem Sírio como um sistema binário (Sírio A – Sírio B), mas sim parecem falar de um sistema muito mais complexo, um sistema estelar no mínimo triplo (no momento vamos nos abstrair dos outros elementos): Sigu tolo, Po tolo e Emme Ya. É um dado bem conhecido desde a metade do século XIX que Sírio é um sistema binário, mas só em 1995 foi encontrada evidência de que haveria um terceiro componente. Nesse ano, os astrônomos franceses Daniel Benest e J.L. Duvent publicaram em “astronomy and Astrophysics” um artigo entitulado Is Sirius a triple star?, no qual baseando-se na análise orbital da binária Sírio A-B, e com a ajuda de uma simulação numérica, apoiam a ideia da triplicidade de Sírio. Deve-se notar aqui que no citado artigo Benest e Duvent não pretendem “ter descoberto” que Sírio é tripla, mas sim que consideram altamente provável que assim seja. De acordo com seus cálculos, a teórica Sírio C seria uma pequena anã vermelha que descreveria sua órbita ao redor de Sírio A em uns 6 anos. Até agora, não foi possível confirmar visualmente esse descobrimento.
O certo é que, confirmada ou não, aos divulgadores a “descoberta” de Benest e Duvent caiu como uma luva, e eles não deixaram de tirar proveito dela desde o primeiro instante, apresentando-a como uma clamorosa confirmação da conexão entre o povo Dogon e os antigos visitantes do espaço exterior. E como seria de se esperar, antes de tudo, o próprio Robert Temple aproveitou para lançar uma nova edição de seu livro. Curiosamente, o fato de que a suposta “Emme Ya” dos Dogon tem poucas características em comum com a estrela anã de Benest e Duvent não parece incomodá-los. Por exemplo, o suposto período orbital de Emme Ya seria de 50 anos, consideravelmente maior que os seis anos que estimam Benest e Duvent para sua anã vermelha. Sem falar que caso essa estrela exista, teríamos que demonstrar que tem ao seu redor um sistema planetário, e que neste sistema há condições para que evolua a vida e uma civilização tecnológica como a dos fantásticos “Nummos” da lenda (e isto, na realidade, é muito pouco provável).
(…)
(…) parece que a proposta aparição no cenário de Sírio C joga por terra a possibilidade de que os Dogon adquiriram seus conhecimentos astronômicos de uma fonte terrestre e moderna. Mas novamente, não é assim, pela simples razão de que a ideia de que Sírio é um sistema triplo não apareceu pela primeira vez em 1995 com Benest e Duvent, mas muito antes. Na verdade, a ideia da provável triplicidade de Sírio tem uma história singularmente antiga. Tão cedo quanto 1894 (sim, 1894) já se observaram irregularidades no movimento de Sírio B, o que levou à suspeita de existência de um terceiro corpo estelar. Posteriormente, entre 1920 e 1930, surgiram ao redor de vinte relatos de observadores que acreditavam ter visto uma pequena estrela adicional no sistema. O primeiro desses relatos foi de Phillip Fox em 1920, quem informou que a imagem de Sírio B parecia ser dupla. Fox realizou esta observação utilizando o mesmo telescópio refrator com que Alvan Clark havia descoberto Sírio B em 1862. Outros informes similares foram apresentados posteriormente por Robert Thorburn Ayton Innes e por Willem H. van den Bos. Um pouco depois, em 1933, Voronov, baseando-se na análise da velocidade radial de Sírio A entre 1899 e 1926, postulou a hipótese da duplicidade de Sírio A, estimando um período orbital de 4,5 anos para acompanhante. O interesse pelo teórico terceiro componente de Sírio não decaiu drasticamente antes de 1973, quando um detalhado estudo de Irving W. Lindenblad (o mesmo astrônomo que fotografou pela primeira vez Sírio B) realizado ao longo de quase sete anos não conseguiu encontrar nenhum dado que apoiasse sua existência.
A questão aqui é que de novo nos encontramos com o fato de que um desses extraordinários conhecimentos que Griaule atribui aos Dogon já havia sido previamente discutido pelos astrônomos dos anos vinte. Se os supostos avistamentos de Sírio C na década de vinte foram reais ou não (e muito provavelmente não foram) não tem aqui a menor relevância: o importante é que essa informação, errada ou não, existia e circulava antes que Griaule partisse com suas expedições à África e muito antes que os sacerdotes Dogon aceitassem “iniciá-lo” em seus mais profundos segredos (em 1946!). Se algum viajante ocidental interessado pela astronomia, digamos na década de vinte ou trinta, levou aos Dogon a informação maravilhosa acerca de Sírio B, pode também ter levado a da suposta Sírio C. Neste sentido, e contra o que pretendem os divulgadores, uma eventual confirmação da existência de Sírio C não demonstraria em absoluto que os Dogon receberam na antiguidade informações de primeira mão por visitantes extraterrestres. Caso contrário entretanto, se Sírio C não existir, isto favoreceria a ideia de que o que os Dogon receberam foram informações contemporâneas e erradas de algum visitante muito mais terreno.
(…)
(…) a fonte original (e única!) empregada por Robert Temple, Eric Guerrier e outros divulgadores do “Mistério de Sírio” é o trabalho de Marcel Griaule e sua equipe realizado nas décadas de trinta e quarenta. Mas Griaule só se refere aos conhecimentos astronômicos dos Dogon em seu artigo Un Système Soudanais de Sirius, publicado em 1950, e em Le Renard Pâle, que Germaine Dieterlen publicou em 1965, quando Griaule já havia falecido. No resto de suas obras, incluindo a fundamental Dieu d’eau, os ignoram.
Relembremos o fato de que a investigação original de Griaule é a única fonte que nos refere que os Dogon possuem um conhecimento secreto e estranho sobre Sírio. Aquí cabe perguntar: podemos confiar de forma absoluta nessa fonte?
Antes de mais nada, recordemos que Marcel Griaule foi um antropólogo eminente e respeitado, não um traficante de mistérios ao estilo de von Daniken ou Zecharia Sitchin (ou mesmo Robert Temple, apesar de suas credenciais acadêmicas). Ele teve uma pudorosa reticência ao especular sobre a possível origem do suposto mito Dogon sobre Sírio (nada de atlantes nem de alienígenas procedentes do espaço exterior). Mas isso não implica que suas afirmações e métodos não possam ser submetidos a revisão e questionamento.
De fato, a metodologia de Griaule foi submetida a críticas há muitos anos. Começando por sua declarada intenção de “redimir o pensamento africano”, que pode tê-lo levado a importantes erros de observador. Ele foi criticado em seu método de obter informação a partir de um único informante através de um intérprete, assim como na ausência total de textos em idioma Dogon. No que isto implica é claro: não ouvimos o que os Dogon sabem ou ignoram a respeito de Sírio, mas sim a Griaule (e a Dieterlen) interpretando-os.
Em 1991 o antropólogo belga Walter E.A. van Beek, de Utrech, depois de estudar os Dogon ao longo de onze anos (desde 1979 até 1990) publicou em Current Anthropology um artigo intitulado Dogon Restudies. A Field Evaluation of the Work of Marcel Griaule. Nesse artigo, Van Beek nota, em primeiro lugar, o fato (realmente surpreendente) de que os dados originais de Griaule e Dieterlen são únicos; nenhum outro antropólogo, trabalhando sobre o mesmo terreno, conseguiu reproduzi-los. Em outras palavras, não existiu nenhuma verificação independente de suas afirmações. Ele também atenta que durante seus anos de investigação com os Dogon, tampouco ele pôde encontrar o menor rastro do detalhado saber sobre Sírio que Griaule lhes atribui.
A intenção inicial de van Beek era encontrar evidência das afirmações de Griaule; mas ele finalmente teve que aceitar que existiam graves problemas a respeito. Van Beek falou com os informantes de Griaule, incluindo seu intérprete-compilador, Ambara, (Innekouzou, o sacerdote responsável pelo “saber sobre Sírio” havia falecido em 1951). Van Beek descobriu que “nenhum Dogon fora do círculo dos informantes de Griaule jamais havia ouvido de Sigu tolo ou Po tolo… Ainda mais importante, ninguém, mesmo dentro do círculo dos informantes de Griaule havia ouvido ou entendido que Sírio era uma estrela dupla”. Além disso, descobriu que mesmo quando esses informantes sabiam de Sigu tolo, não eram capazes de chegar a um acordo a respeito de qual estrela esse termo se referia: “para alguns, é uma estrela invisível cuja ascensão anuncia a festa Sigui, para outro é Vênus que em uma posição determinada aparece como Sigu tolo. Todos concordam porém que eles aprenderam acerca da estrela de Griaule”.
Obviamente os Dogon conhecem Sírio (é a estrela mais brilhante do céu), mas segundo van Beek não lhe dão o nome de Sigu tolo, e sim o de Dana tolo. Além do mais, pontualiza que (contra o informado por Griaule) “O conhecimento das estrelas não é importante [para os Dogon] nem na vida diária nem em seus rituais”, resultando para eles muito mais cruciais outros fenômenos celestes, como a posição do sol e as fases lunares.
(…) É muito provável que neste processo Griaule reinterpretou as informações de seu tradutor de acordo com seus próprios conhecimentos (Griaule se interessava pela astronomia e a havia estudado em uma época; sem dúvida conhecia a polêmica sobre a natureza de Sírio B, e é muito provável que estivesse a par dos avistamentos não confirmados de Sírio C na década de 20, tudo isso ocorreu antes que iniciasse suas investigações na África). (…) Neste cenário, a informação sobre Sírio B teria partido do próprio Griaule, quem talvez pode ter interpretado mal alguma referencia relativa a uma estrela visível e pouco conspícua próxima de Sírio como um reconhecimento de sua companheira invisível.
(…)
Se as afirmações de Griaule são únicas, não se pode dizer o mesmo das de van Beek; outros antropólogos, como Jacky Boujou, com 10 anos de experiência entre os Dogon, e Paul Lane, trabalhando também sobre o terreno, coincidem em suas conclusões. Naturalmente, Dieterlen (que faleceu em 1999) e a filha de Griaule, Genevieve Griaule-Calame defenderam a obra dele; esta última chegou a qualificar a crítica de van Beek como “especulação desenfreada”.
Outros críticos encontraram mais falhas nos “descobrimentos” de Griaule. Como Peter James e Nick Thorpe, em seu livro Ancient Mysteries (1999). (…) notam sérias divergências entre a interpretação que Griaule faz e o que ele mesmo relata que lhes informaram os Dogon. Assim, a interpretação de Griaule assume que Po tolo é Sírio B, mesmo que a informação original seja muito diferente: “Quando Digitaria (Po tolo) está próxima de Sírio, esta última se faz mais brilhante; quando está mais longe de Sírio, Digitaria emite uma luz oscilante, sugerindo várias estrelas ao observador”. Dificilmente pode-se dizer que isto sugere uma acompanhante invisível de Sírio. James e Thorpe também consideram suspeito o antigo interesse de Griaule pela astronomia, e sugerem que ele reinterpretou as respostas de seus informantes de acordo com seus próprios conhecimentos e ao que desejava ouvir.
(…)
Podemos resumir (…) nos seguintes pontos:
– Nenhum dos “extraordinários” conhecimentos astronômicos que esses visitantes alienígenas deixaram ao povo Dogon eram desconhecidos da astronomia moderna antes que seus mitos fossem registrados nos anos trinta e quarenta. Nisto se incluem vários erros óbvios, que parece muito pouco provável que tenham vindo de uma civilização tecnologicamente avançada.
– Não existe nenhum registro prévio aos anos trinta e quarenta desse extraordinário saber astronômico.
– A evidência material a respeito desse extraordinário saber é ambígua e sujeita a interpretações arbitrárias, como o famoso “ovo do mundo”, transformado em um “diagrama orbital”.
– Existem explicações alternativas verossímeis, como a de Carl Sagan, baseada em processos de assimilação cultural que já foram observados entre outras culturas.
– Mais importante todavia: toda a lenda do saber secreto sobre Sírio do povo Dogon se baseia em uma única fonte (Griaule), e as afirmações dessa única fonte não puderam ser confirmadas por outros investigadores trabalhando sobre o mesmo terreno. Dito de outra forma, não houve uma verificação independente dos dados.
– Os dados e os métodos empregados pela fonte original foram questionados e criticados.
– E não é só uma questão dos dados originais não terem sido verificados independentemente: a investigação de Walter van Beek aponta evidências contra a ideia de que alguma vez existiu entre o povo Dogon um estranho, detalhado e preciso conhecimento astronômico, fora das possibilidades reais de uma sociedade pré-tecnológica.
(…)
Para concluir, e só como um dado curioso: Robert Temple não repara no trabalho de van Beek na reedição de seu livro The Sirius Mystery. (…) A cronologia o permitia (Dogon Restudies é de 1991, e a reedição de The Sirius Mystery de 1998), mas muito provavelmente faz sentido se entendermos que essa classe de referências o faria perder uma boa fábula.”

2 comentários

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  1. É preciso ter sempre muita cautela quando se interpretam supostos conhecimentos científicos de povos que viveram noutras eras e que chegam até nós através de hiróglifos, simbolos gravados na rocha ou outros. Ainda mais reservas e cuidado se deve ter com conhecimentos científicos incorporados na mitologia e nas tradições de povos que se pensa estarem isolados e que se baseiam na transmissão oral.

    O perigo não reside apenas na possibilidade de contaminação da informação neste caso. Pode também haver um “ajustamento” na interpretação das palavras ou dos símbolos, por forma a que eles adquiram um significado para o investigador. Pode não ser voluntário ou consciente, mas na verdade o investigador não parte para o trabalho com a mente vazia. Traz consigo todo um conjunto de conmhecimentos que podem, inadvertidamente contaminar o seu trabalho de interpretação e análise.

    1. Pois… parece que foi isso que aconteceu :S

  1. […] Disparates Virais. Barulhos estranhos. Extraterrestres Antigos. Desmistificar. Erich von Däniken. Dogons. Anel Negro. Dois Sóis. Alinhamento planetário sobre Pirâmides de Gizé. Sismos e eclipses. […]

  2. […] artigo sobre os Dogons do Mali, já deixamos aqui este excerto, escrito pelo Kentaro […]

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