Duilia de Mello é um dos nomes mais populares da ciência brasileira no Exterior. Graduada em Astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1985, é professora de Física e Astronomia na Universidade Católica de Washington. Autora do livro Vivendo com as Estrelas, publicado pela Editora Panda Books, e de mais de 100 artigos científicos, Duilia também é pesquisadora associada do Goddard Space Flight Center, da NASA. Entre suas principais descobertas estão as Bolhas Azuis, em 2008, e a maior galáxia espiral descoberta, anunciada em 2013.
Nesta entrevista, Duilia fala sobre o futuro da astronomia, energia escura, a necessidade de maiores investimentos na ciência, entre outros assuntos.
AstroPT: Como é sua rotina de trabalho?
Duilia de Mello: Dependendo do dia da semana posso estar dando aula, fazendo pesquisa, conversando com colaboradores, escrevendo ou lendo artigo científicos, escrevendo ou avaliando projetos ou preparando palestras.
AstroPT: Ao longo dos últimos 50 anos, o homem visitou a Lua, construiu telescópios capazes de registrar galáxias há bilhões de anos-luz, entre outras conquistas. O que a senhora acredita que os próximos 50 anos podem reservar à astronomia? Quais são os principais desafios?
Duilia de Mello: Já no final desta década teremos o James Webb Telescope que vai observar o universo profundo e ver as primeiras galáxias e, quem sabe, até as primeiras estrelas se formando. E logo depois estarão prontos também os telescópios gigantes, de mais de 30 metros de diâmetro. Além do universo distante estaremos também observando planetas ao redor de outras estrelas. Já sabemos que há muitos, mas sabemos bem pouco sobre eles porque além deles serem muito pequenos, estão muito próximos da estrela. Precisamos destes telescópios gigantescos e de satélites especializados para entender se há planetas com as mesmas condições de vida que a Terra.
AstroPT: Em entrevista ao site Exame, a senhora afirmou: “O grande enigma da astrofísica em geral é encontrar a evidência de energia escura e descobrir quais componentes formam esse material”. Até que ponto essa descoberta abriria caminho para a compreensão de aspectos como formação e futuro do Universo?
Duilia de Mello: As teorias e medições que temos hoje indicam que o universo está acelerando e que 73% do universo é feito de energia escura e 23% de matéria escura. Isto é muito interessante, mas de uma certa forma um pouco preocupante, porque tudo que vemos não passa de 4%. Mas, para explicar que a aceleração detectada é verdadeira, temos que supor que há energia escura e que o universo é plano. Se o universo continuar a acelerar, veremos tudo se distanciando de nós. Continuaremos dentro da Via Láctea que é ligada pela gravidade, mas as outras galáxias não serão mais visíveis. Claro que estamos falando de muitos bilhões de anos e não devemos nos preocupar com isto.
AstroPT: O episódio em Chelybinsk é uma prova da vulnerabilidade de nosso planeta quanto a choques de asteroides, meteoros e cometas. Além da detecção destes corpos potencialmente perigosos, o que tem sido desenvolvido para buscar mecanismos de defesa?
Duilia de Mello: Infelizmente estamos engatinhando neste campo. Acho uma pena não dedicarmos mais recursos a isto porque afinal é apenas uma questão de tempo até sermos atingidos por uma pedra espacial ou cometa que causará catástrofes. Mas o Chelybinsk foi um bom alerta e começamos a discutir o assunto. Inclusive a NASA está fazendo estudos sobre possíveis missões de intercepção.
AstroPT: A senhora fez parte da equipe que, recentemente, identificou NGC 6872 como a maior galáxia espiral do universo. Quanto tempo levou a pesquisa e o que exatamente procuravam?
Duilia de Mello: Trabalhamos neste projeto por volta de um ano e estávamos procurando entender porque esta galáxia é tão azul.
AstroPT: NGC 6872 está em interação com uma galáxia menor, IC 4970, espalhando estrelas. É a primeira vez que este padrão é detectado?
Duilia de Mello: Galáxias em colisão são bem comuns. A própria via Láctea está engolindo uma, a Anã Sagitário, e interage com a Grande Nuvem de Magalhães.
AstroPT: Algumas das principais descobertas científicas ocorreram quando pessoas encontraram uma resposta satisfatória a uma situação, porém diferente do que pesquisavam, diferente daquilo que pensavam ser o “ideal”. Geralmente, essa situação é classificada por alguns, inclusive jornalistas, como uma descoberta “sem querer”, “por acidente”. O que pensa sobre isso? Esses termos incomodam?
Duilia de Mello: Este tipo de descoberta é tão importante quanto qualquer outra. Encontrar algo que não se espera faz parte do dia a dia do cientista. Seria chatíssimo encontrar tudo como foi previsto antes.
AstroPT: Embora seja a sexta maior economia do mundo, o Brasil é apenas o 24º colocado entre países no ranking de depósitos de patentes. Especialistas afirmam que esse número revela a dificuldade para transformar conhecimento científico em tecnologia no país. O que pensa sobre esse cenário?
Duilia de Mello: Acho que é só uma questão de tempo. Estamos um pouco atrasados porque investimos pouco em ciência básica e só quem investe em ciência básica consegue transformar ciência em tecnologia.
AstroPT: Acredita que o sucesso de profissionais brasileiros no Exterior, como a senhora, pode ajudar a popularizar a astronomia do País e, consequentemente, atrair maiores investimentos públicos?
Duilia de Mello: Espero que sim. Tenho mantido bastante contato com a comunidade astronômica brasileira e vejo o crescimento nos últimos anos.
AstroPT: Esqueçamos distância, temperatura e demais fatores envolvidos em uma viagem espacial. Se pudesse conhecer algum canto do Universo, algum astro, qual seria seu primeiro destino? Por quê?
Duilia de Mello: Não tenho muita vontade de sair da Terra. Acho o nosso planeta maravilhoso, mas precisamos tratá-lo bem porque é o único que temos.
6 comentários
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Sou leiga neste assunto, mas gostei muito da entrevista e vi também outro entrevista muito boa hoje na Globo News, programa MilenioGnews
Adorei a entrevista! Pessoas assim são inspiradoras!
Sou brasileiro confeso que com um pouco de vergonha porque o Brasil não é o país da astronomia, ciência, tecnologia ou mesmo dese inútil futbol x-(
Excelente entrevista com nossa conterrânea. O Brasil tem bons valores na ciência, mas nosso governo só pensa em desviar verbas. O
Concordo com vc Jose Luiz =/
È uma triste realidade do nosso Brasil, màs, acredito que um dia nosso país vai sair dessa.
Parabéns.
Uma excelente entrevista, Rafael. Nós, leitores, agradecemos. 🙂