Imagem obtida através de um microscópio electrónico de transmissão, mostrando veios de argila numa fina secção do meteorito MIL 090030.
Crédito: UHNAI.
Investigadores do Instituto de Astrobiologia da Universidade do Hawaii (UHNAI), em Manoa, descobriram elevadas concentrações de boro em depósitos de argila no interior de um meteorito marciano. Quando presente na sua forma oxidada (borato), o boro poderá ter sido um ingrediente essencial na formação do ácido ribonucleico (ARN), uma das moléculas chave no aparecimento da vida tal como a conhecemos.
Denominado MIL 090030, o meteorito usado neste estudo é um nacklito encontrado pela equipa do programa Antarctic Search for Meteorites, em Miller Range, na Antártida, durante a sua campanha de 2009-2010. A sua composição química e mineralógica denuncia com clareza a sua proveniência marciana.
Constituído por lavas basálticas cristalizadas há cerca de 1,3 mil milhões de anos, MIL 090030 esteve exposto subsequentemente a soluções aquosas, que produziram no seu interior veios contendo depósitos salinos, silicatos amorfos, óxidos de ferro e argilas do grupo das esmectites. Usando uma microssonda de iões, a equipa liderada por James Stephenson, determinou a abundância de boro nos veios argilosos do meteorito, e verificou que esta era 10 vezes superior à abundância deste elemento detectada em qualquer outro meteorito. Depois de excluir possíveis contaminações de origem terrestre, a equipa concluiu que as concentrações de boro medidas nos veios de MIL 090030 são um produto de processos secundários de alteração da matriz basáltica, ocorridos em Marte.
Meteorito MIL 090030.
Crédito: NASA.
As argilas, em particular as esmectites e as ilites, adsorvem com rapidez o boro, e são excelentes meios de catálise pré-biótica, polimerização e compartimentação de compostos fundamentais para a vida. Os boratos poderão ter sido essenciais para a química pré-biótica, devido à sua capacidade de estabilização da ribose, um componente crucial do ARN.
Os cientistas sugerem que o ARN deverá ter sido a primeira molécula a armazenar informação e a transmiti-la a novas gerações, um mecanismo crucial para a evolução. Apesar de existirem na actualidade mecanismos biológicos de síntese do ARN, as primeiras moléculas de ARN deverão ter sido geradas na Terra ancestral a partir de reacções pré-bióticas. Em experiências laboratoriais, um dos passos mais difíceis de concretizar na produção abiótica do ARN é, precisamente, a formação do seu componente principal, a ribose. Sem os boratos, a ribose degrada-se, reduzindo-se a apenas uma pequena quantidade dos produtos derivados da reacção de formose. Na presença dos boratos, a ribose é produzida e estabilizada de forma espontânea, e mantém-se intacta durante meses.
As implicações destes resultados vão além do seu significado no aparecimento e na evolução de uma biosfera no planeta vermelho (ler aqui e aqui sobre as fascinantes descobertas dos robots Curiosity e Opportunity na superfície marciana). “Marte e a Terra tiveram muito mais em comum no passado do que têm agora”, explicou a cosmoquímica Lydia Hallis ao gabinete de comunicação do Instituto de Astrobiologia da Universidade do Hawaii. “Com o passar do tempo, Marte perdeu grande parte da sua atmosfera e da sua água superficial, mas os meteoritos antigos preservaram delicadas argilas de períodos húmidos da história marciana. As argilas marcianas que estudámos têm mais de 700 milhões de anos. A reciclagem da crusta terrestre através da tectónica de placas apagou qualquer evidência da presença de argilas tão antigas no nosso planeta, pelo que as argilas marcianas poderão providenciar informações essenciais relativas às condições ambientais existentes na Terra ancestral.”
Podem ler mais sobre este trabalho aqui.
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Marte nos surpreendendo mais uma vez!
Ótimo texto!
[…] Rocha piramidal. Aranhas marcianas. Planeta vermelho e branco. Mirtilos. Meteoritos. ALH 84001. MIL 090030. Metano ausente. Passado frio e seco. Vales Subterrados. Fluídos hidrotermais. Água a fluir em […]