Hotel de Hilbert: Universo Infinito Expande-se?

Se tudo o que existe é Universo e o Universo é infinito, então não há nada de fora para se expandir; para onde se expande o todo infinito? Como é que algo que é infinito se pode expandir?
Realmente faz pouco sentido, e terá sido este tipo de perguntas que me levou a gostar de astronomia quando eu era miúdo.

Para responder, vou recorrer ao matemático alemão David Hilbert.
Hilbert, que, uma vez, disse: “O infinito! Nenhum outro conceito estimulou tão profundamente o espírito humano; nenhuma outra ideia estimulou o intelecto de modo tão frutífero, e no entanto nenhum outro conceito precisa ser mais esclarecido do que a ideia do infinito.”

Para explicar o conceito de infinito, Hilbert criou um exemplo conhecido como o Hotel de Hilbert.

hilberts_hotel

Existe um Hotel que é infinito – com um infinito número de quartos.
O Hotel está cheio – todos os quartos ocupados.
Chega um novo hóspede. Será que ele tem lugar no hotel?

Se pensarmos de forma regular, então se o hotel está cheio, o novo hóspede não tem lugar.
No entanto, como o Hotel tem um número infinito de quartos, o gerente do hotel pede a todos os hóspedes para se mudarem para o quarto adjacente um número acima: o hóspede no quarto 1 muda-se para o 2, o que estava no 2 muda-se para o 3, e assim sucessivamente.
Assim, o novo hóspede cabe no quarto 1.
Todos os que estavam no Hotel continuam hospedados. E o novo hóspede também fica agora com um quarto.
Ou seja, apesar do Hotel estar cheio, ao mesmo tempo cabe sempre mais um.
Matematicamente, isto quer dizer que infinito mais um é igual a infinito!

Agora suponhamos que no dia seguinte chega um número infinito de hóspedes.
O gerente pede a todos os hóspedes que se mudem para o quarto que tenha o dobro do número do seu: o hóspede do quarto 1 muda-se para o quarto 2, o do quarto 2 muda-se para o 4, e assim sucessivamente.
Ou seja, passa a haver um número infinito de quartos (com números ímpares) vagos para os novos hóspedes.
Todos os que estavam no Hotel continuam hospedados. E os novos hóspedes também ficam agora com quartos.
Ou seja, apesar do Hotel estar cheio, ao mesmo tempo cabe sempre mais um número infinito.
Matematicamente, isto quer dizer que o dobro de infinito é igual a infinito!

new vacancy

Leiam mais sobre isto, em português, na wikipedia, e pelo professor Osley Leandro de Carvalho.

Ou como explica este site: “Infinity is not a number or a thing, but the idea behind many notions”

O Hotel “infinito” de Hilbert é excelentemente explicado também na ficção científica, como por exemplo no livro Transcendent – de Stephen Baxter -, ou na história Ripples in the Dirac Sea – de Geoffrey Landis.
Há um pequeno filme de Amanda Boyle, chamado Hotel Infinity, que também explica o mesmo, e que tem por slogan “We’re always full, but we always have room for you”.

Ou seja, é sempre possível que um Universo infinito se expanda – e continue a ser infinito.

O contrário, tal como explica este site, é que seria contraditório.
Como imaginar um Universo finito? Se o Universo é tudo, então como pode ter limites? Limites separam dois lados – o que pressupõe que do outro lado haveriam mais coisas. Mas não podem haver limites, porque o Universo é tudo.
A única resolução deste paradoxo é pensar no Universo como a Terra. Poderiamos andar sobre a sua superficie para sempre – infinitamente – que não encontraríamos limites. Mas a Terra é finita. Não encontravamos limites mas voltavamos ao ponto de partida.
O mesmo se poderia passar no Universo.

Mas todas as observações apontam para um Universo infinito.
E tal como no caso do Hotel, podemos andar pelo Universo inteiro, e multiplicar depois essa distância por 2, e assim sucessivamente, que continuariamos num universo infinito.
Da mesma forma que podemos multiplicar o tamanho do Universo por 2, que continuaremos num Universo infinito.

Ou seja, na prática, o ser infinito é só uma descrição simples do Universo, que diz que ele não tem limites, e que diz que mesmo que ele cresça, continuará a ser infinito – a descrição do seu tamanho não modifica (o mesmo aconteceu no caso do Hotel).
Mas o que funciona como descrição matemática, pode não ser mesmo a realidade – aquilo que podemos ver como uma experiência humana.

Por outro lado, a forma como vemos a expansão pode levar a más interpretações.
Como explica este site, o pensarmos que o Universo se expande não é uma boa imagem mental. O que se passa na realidade é que o espaço entre grupos de galáxias se expande, mas o Universo continua com o mesmo tamanho – infinito – por isso não precisa de se expandir para lado nenhum.

Para complicar a coisa, note-se que o que observamos é somente o Universo Observável (a nossa observação é finita) – tudo o resto são especulações a partir daquilo que observamos e conhecemos.
Daí que com novas observações, pode ser que as especulações se modifiquem…

Oiçam este excelente astronomy podcast sobre o assunto.

infinite-universe

Sobre este tema, Alberto Fernando escreveu sobre Fernando Pessoa:

No dia 13 de Junho de 2008, completaram-se 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa.
O jornal “PÚBLICO” dedicou-lhe duas páginas e distribuiu um facsimile de um poema inédito, atribuído ao heterónimo Alberto Caeiro.
Nunca tinha relacionado Pessoa com os temas do tempo ou do espaço.
Foi uma surpresa, sobretudo pela abordagem firme: “Não creio no infinito; o tempo tem um principio e terá um fim; antes e depois disso não havia tempo; falso é falar de infinitos”.
É minha opinião que os infinitos não são mais do que uma limitação da nossa linguagem. Acho que isso se aplica também aos infinitos matemáticos que mais não serão que uma deficiência da linguagem matemática, a qual, embora poderosa, está longe de ser suficiente e perfeita.
Fernando Pessoa ficou ainda mais o meu poeta.”

Este é o poema em causa:

“Gosto do céu porque não creio que ele seja infinito.
Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.

Creio que o espaço começa algures e algures acaba.
E que longe e atrás disso há absolutamente nada.

Creio que o tempo tem um principio e terá um fim.
E que antes e depois disso não havia tempo.

Porque há-de ser isto falso? Falso é falar de infinitos.
Como se soubessemos o que são de os podermos entender.
Não: tudo é uma quantidade de cousas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é cousas.”

Infinity_Symbol-1

14 comentários

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  1. Interessante texto sobre um interessante assunto :)!
    Deixo um vídeo sobre o “Hotel do Infinito” de David Hilbert: http://dererummundi.blogspot.pt/2012/01/o-hotel-do-infinito.html
    Abraço.

  2. De onde poderia surgir mais hóspedes?

    • Paula Carneiro on 17/11/2011 at 20:51
    • Responder

    O infinito é aceitável por mim desde a minha adolescência. Pelo menos matematicamente o conceito de infinito é facilmente aceite. No que concerne ao universo, se aceitarmos que este está em expansão, de acordo com as evidências científicas, então será muito fácil aceitarmos que este é infinito. Por isso, acredito no universo infinito… mas será único? Recentemente li que muitos cientistas acreditam na existência de “universos infinitos”.

    1. Olá,

      Quanto ao Multiverso (vários Universos), temos vários artigos sobre isso, aqui:
      http://www.astropt.org/category/cosmologia/multiverso/
      🙂

      abraços

  3. Video bacana sobre o assunto também: http://www.youtube.com/watch?v=pjOVHzy_DVU

  4. O infinito não é um subterfúgio. Está no próprio âmago da matemática. Sem infinito, a matemática “não existe”.

    O infinito está em todas as equações que lidam com os números reais e está implícito na teoria dos conjuntos.

    Na realidade, não conseguimos mesmo tirar o infinito da matemática.

    Mesmo que quiséssemos colocar o infinito de lado da matemática e desprezar a maior parte dos números reais, considerando só números inteiros, ele acabaria por impor-se naturalmente não só no facto de haver um número infinito de inteiros como apareceria nos problemas mais básicos, como por exemplo no cálculo da hipotenusa de um triângulo rectângulo de lados iguais a 1 (teorema de pitágoras, que daria como hipotenusa a raíz quadrada de 2 que é um número com infinitas casas decimais). Ou no cálculo da área de um círculo onde aparece o famoso número Pi com infinitas casas decimais.

    A matemática não é apenas uma coisa inventada por nós. A natureza segue leis matemáticas. Na realidade, o infinito tem diversas subtilezas, mas é algo que é possível estudar e tirar conclusões válidas. Quanto à possibilidade de o Universo ser infinito, é algo que ainda não se sabe.

    @Ana GP: O infinito, pelo menos o matemático, não é assim uma ideia tão indefinida e somente abstracta como a maior parte das pessoas pensa. É usado na prática científica diária e para cálculos faz todo o sentido e tem aplicações muito importantes na matemática, mas eu percebo o que queres dizer. Tal como eu disse atrás, não era possível fazer praticamente nenhum cálculo sem o conceito de infinito.

    Eu pessoalmente não acho o conceito complicado. Na realidade, para infinito, considero-o até bastante compreensível.. 🙂

    • Ana Guerreiro Pereira on 07/06/2011 at 16:29
    • Responder

    O infinito é um conceito que a mente humana tem dificuldade em abarcar 🙂

      • Ana Guerreiro Pereira on 07/06/2011 at 16:39
      • Responder

      Mas, concordo 🙂 o infinito é somente uma ideia abstracta e um conceito sem contornos definidos para explicar algo de que ainda não temos bem noção. É um pouco como chamar “energia” ou “força” ou “materia escura” (LOL) às coisas que ainda não se compreendem mto bem.

      Sempre imaginei o universo como um enorme circulo 🙂 se bem q a teoria dos multiversos me agrade bastante 😀

      1. Ana, também sou daquelas que prefere a teoria dos multiuniversos à infinitude do universo, muito embora, os dois sejam possibilidades, aparentemente excludentes. 😀

  5. Caro Agostinho,

    Obrigado pelas suas palavras!
    😀

    abraço!

    • Agostinho Magalhães on 19/08/2010 at 02:13
    • Responder

    Carlos,
    Li muita coisa do que me enviaste e na verdade não fiquei surpreendido pelos temas pois já tinha lido muitos artigos na Astro.pt iguais ou do género! Mas há uma coisa que me surpreende e surpreenderá sempre! A amabilidade, a tua amabilidade! De facto, o Universo é pequeno, comparado com a emoção provocada! Com a dádiva, a amizade, o amor, a alegria… O Universo está cheio de factos, matéria, caos… Mas o que me deixa feliz, é nele existirem pessoas como tu! O infinito/finito só é importante se existirem homens com novos entendimentos semânticos…
    Obrigado
    Abraços

      • Ana Guerreiro Pereira on 07/06/2011 at 16:24
      • Responder

      Agostinho, deixe-me roubar-lhe as palavras sobre o Carlos e juntar a minha voz à sua. 🙂 E como eu haverão outros a querer o mesmo. 🙂 O Carlos é um excelente comunicador e professor, que foge totalmente ao rótulo de cromo arrogante que sabemos que alguns académicos ou “adiantados mentais” têm… 🙂 E, assim, realmente, apreendem-se admiráveis mundos novos 🙂

      Parabéns ao Carlos e ao Astropt!!!

      E fica a minha ameaça: se o astropt desaparece, vão ter de me aturar a queixar-me disso até ao fim dos tempos!!! :DDDD

  6. Luana,

    Já lhe expliquei no outro post que a sua experiência do dia-a-dia é indiferente para estes conceitos.

    A Luana não engorda quando corre, mas Einstein previu isso.

    A Luana não fica "mais nova" quando corre, mas Einstein previu isso. (obviamente a velocidades maiores)

    O seu gato não está morto e vivo simultaneamente, mas o gato de Schrodinger "estava".

    Este post foi já discutido e melhor explicado na nossa lista – proponho-lhe que entre na nossa lista de discussão e discuta lá estes conceitos

    😉

  7. Olá Carlos

    Estive a ler o seu post e gostaria de dizer que fiquei mais tranquila, mas na verdade ´não fiquei. Isto porquê, pois embora a teoria do Hotel de Hilbert faça sentido e tenha lógica, apenas consegue provar o infinito através da outra única coisa infinita que existe actualmente a matemática.

    O que realmente me faz confusão é como é que é possível haver alguma coisa infinita. O ser infinito faz parte do extraterrestre pois não existe nada na natureza nosso mundo e ate no universo, para além do universo que seja infinito.

    E a matemática neste caso não conta, pois é coisa do homem e como por enquanto, sabemos não foi o homem que criou o universo. Falo por mim e até posso estar a ser muito ignorante, mas na verdade acerdito que nada é unico ou reuna em si qualidades únicas. Portanto creio que até encontrar algo que tambem seja infinito não posso crêr que o universo o seja.

    Como já deve ter reparado a minha única ligação à astronomia ou física é exclusivamente no campo da curiosidade, nunca estudei esses temas, apenas os vou pensando, com as ferramentas que ao longo do tempo tenho vindo a adquirir.

    E é claro que quando não se estuda, facilmente uma pessoa pode perceber as coisas mal, e eu provavelmente também esta devo tê-la percebido mal, pois em conversa ouvi dizer que através de um teorema tinham conseguido determinar o centro do universo, ou seja mais uma vez referem se ao universo através de medidas e limites e eu contino então sem perceber como é que uma coisa que não tem limites pode ser medida….

    Não faz sentido.

    Como sempre fico a aguardar resposta. 🙂

  1. […] Curioso que a partir daí usaram a matemática para explicar o Hotel de Hilbert. […]

  2. […] contra-intuitivas. Na década de 20 do século passado, Hilbert deu-nos a conhecer o seu Hotel: o Hotel que, apesar de não ter vagas, consegue sempre acomodar mais pessoas, até mesmo um […]

  3. […] do Hotel de Hilbert, que lida com a ideia de […]

  4. […] do Universo em 10 minutos. Tamanho. Universo mais velho e com mais matéria. 250 vezes maior. Infinito. Relatividade. Anel de Einstein. Dimensões. Multiverso. Unificar. Mundo Quântico. Fractais. […]

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