Fui ver este filme ontem ao cinema. Recomendo vivamente este filme!
É um filme surpreendentemente científico.
Contagion – em português deve ser distribuído como Contágio – é um filme sobre um vírus que se espalha pelo planeta e mata muita gente.
Pensei que fosse ser um filme a disseminar paranoias de fim do mundo. Mas não é. Na verdade, é um filme bastante sóbrio e realista, que recomendo a toda a gente.
Não é um típico “filme de Hollywood”, com muita ação e coisas a acontecer, mas é sobretudo um filme que deixa várias situações em aberto, que não mostra várias coisas, e que sobretudo nos faz pensar.
Um novo vírus letal (baseado no vírus Nipah), bastante contagioso e transmitido pelo contacto com pessoas infetadas ou com objetos que estas tenham tocado, espalha-se rapidamente pelo planeta.
As pessoas começam a ficar doentes (com febre, tosse, suores frios, etc), até morrerem.
A comunidade científica tenta descobrir uma possível cura.
No entanto, enquanto os cientistas procuram a cura, a sociedade torna-se cada vez mais vulnerável à epidemia. A pandemia leva à desordem social.
Os cientistas trabalham em “contra-relógio” para criarem uma vacina para travar a pandemia.
Claro que não poderia faltar a paranoia da epidemia ser uma arma biológica colocada em prática por alguma seita terrorista.
Mas não. A verdade é que a “terrorista” é a natureza. Neste caso foi um vírus que passou de morcegos para porcos. Depois esse vírus híbrido sofre uma mutação quando é transmitido aos humanos.
Devido à desflorestação (que leva ao extermínio de diversos habitats, que os Humanos querem invadir), um homem conduz um bulldozer, deitando abaixo uma árvore. Nessa árvore existia um ninho de morcegos. Um dos morcegos voa mas deixa cair um pedaço de banana no local onde os porcos comem. Os porcos comem o pedaço de banana. Os porcos são mortos e levados para os wet markets (mercados ao ar livre, de animais vivos e mortos) na China (mais precisamente, em Kowloon, em Hong-Kong). No dia seguinte, cozinheiros chineses preparam uma grande festança no casino com esses porcos. Um dos cozinheiros, que está a preparar um porco infetado, sai da cozinha para cumprimentar uma mulher. Essa mulher fica infetada e torna-se o paciente 0 do vírus MEV-1.
No final, 26 milhões de pessoas morrem, antes de serem vacinadas.
Uma das grandes mensagens do filme é que estamos todos ligados.
Não só o facto de os humanos estarem ligados, e o contágio acontecer por toque ou ao respirar, em poucos dias em várias cidades do mundo – devido a milhares de pessoas viajarem todos os dias.
Mas sobretudo estamos todos ligados, em termos de vida na Terra, por isso algo pode passar de bananas, para morcegos, para porcos, e depois para nós.
Como é dito no filme, não é preciso haver terroristas, porque os próprios animais podem inadvertidamente criar e passar algo que nos pode matar a todos.
O filme obviamente reflete diversas paranoias.
Por exemplo, as pessoas deixaram de querer relacionar-se com outras – o contacto passou a ser “proibido”. Até o cumprimento (aperto) de mão passa a ser evitado!
As pessoas não podem estar umas com as outras. A única coisa que funciona é o distanciamento social!
Daí que igrejas, ginásios, shoppings, aeroportos, ruas, etc, estão todas vazias, estando muitas fechadas. Nem funerais se podem fazer: os mortos são colocados em valas comuns ou são cremados.
As pessoas também não querem tocar em nada (seja na sua própria cara, seja em corrimões, botões de elevador, etc), porque pode ter sido tocado por alguém infetado.
A maioria das pessoas passam a usar máscaras e viseiras. E estão frequentemente a lavar as mãos com sabonete e desinfetante. Há uma corrida aos supermercados, por máscaras e desinfetantes.
Por outro lado, devido ao pânico, o crime aumentou, e muitas pessoas passaram a comportar-se como animais.
Uma das personagens principais do filme é um jornalista freelancer que tem um blog onde expõe as ideias dele em vídeos do YouTube.
Os conspiradores vão ver nesta personagem o “herói”.
Ele retrata a mentalidade pseudo, conspiradora, que é contra o poder, que ataca poderes obscuros (como as farmacêuticas) com argumentos monetários, e que desconfia dos especialistas.
O que faz dele um herói para os conspiradores é que ele desmascarou um dos cientistas: o cientista tinha avisado a pessoa amada da epidemia dias antes do anúncio oficial ter sido dado a toda a população.
A verdade é que as mentes racionais interpretam este jornalista e os cientistas de forma diferente.
Os cientistas fazem de tudo, incluindo pondo a sua própria vida em risco (uma cientista até morre com a doença), para tentarem arranjar uma cura para salvar milhões de pessoas. Quanto ao cientista que supostamente foi “desmascarado”, é certo que ele não devia ter dito nada, mas a razão era só para não fomentar o pânico em toda a população – afinal, para pôr toda a logística em ordem demorava alguns dias.
Já o jornalista freelancer só diz disparates sem qualquer evidência, fomenta o pânico na população, e sobretudo só divulga mentiras. Ele diz que teve a doença e que a conseguiu curar com um produto normal (homeopatia). Põe esses vídeos na web, e milhões de pessoas acreditam nele. Assim, quando ele lhes diz que a vacina feita pelos cientistas é tudo uma grande conspiração, os milhões de crentes que o seguem não irão tomar a vacina. A verdade é que ele nunca teve a doença, e por isso também não a curou com qualquer produto normal. Simplesmente criou vídeos a dizer isso, para ter milhões de seguidores crentes sedentos em conspirações, e com isso fez milhões de dólares. Curiosamente, o vigarista afirma que são os cientistas (as farmacêuticas) que querem ganhar dinheiro, quando na verdade é o próprio vigarista que está a lucrar com a desgraça e o desespero das pessoas, dando-lhes falsas esperanças baseadas em “medicamentos” fraudulentos. Tal como em outras conspirações (anti-vacinas, cometa Elenin, 2012, ida à Lua, fim do mundo, etc), os conspiradores mentem, inventam cenários em que o “bicho-papão” são os especialistas (só porque têm mais conhecimento que os conspiradores), e com isso os conspiradores afectam milhões de pessoas que acreditam cegamente neles. Aqueles que disseminam conspirações fazem o que em psicologia se chama projecção: mentem, imaginando que todos os outros estão a mentir-lhes a eles. É uma paranóia que destrói vidas.
Isto é o que os crentes em conspirações não percebem: que estão a ser enganados na sua própria conspiração.
Esta para mim é a parte mais interessante do filme.
Porque mostra os conspiradores pelo que são: mentirosos que afectam milhões de pessoas que neles crêem. Muitas vezes são até criminosos que, com as suas mentiras, fazem com que pessoas morram.
E mostra os cientistas pelo que são: sempre a tentar salvar pessoas e a melhorar o nível de vida delas. E a verdade é que milhões de pessoas são salvas devido aos cientistas criarem as necessárias vacinas.
Curiosamente, a sociedade está eticamente invertida: no filme (e na realidade seria o mesmo), quem é chamado à responsabilidade é o cientista porque avisou a esposa antes da comunicação à sociedade em geral; já o vigarista que fez milhões de dólares ao enganar as pessoas, e indiretamente pode ter levado à morte de milhares de pessoas com “receitas” fraudulentas, ficou completamente livre para continuar a disseminar desinformação por estar protegido pela liberdade de expressão… enfim.
O documentário Last Days on Earth também fala de uma epidemia que pode devastar a Humanidade.
3 comentários
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Este filme é de 2011, mas curiosamente mostra quase literalmente o que está a acontecer agora, em 2020.
Duas outras características que vi no filme são:
O vigarista fomentou o “medicamento” fraudulento Forsythia.
Fez-me lembrar Trump a promover a Cloroquina, quando esta não faz efeito ou tem efeitos negativos.
Isto pode querer dizer que Trump também só promoveu este “medicamento falso” para os seus amigos poderem receber milhões de dólares com estas promoções…
No filme, o R0 é de 4, o que é muito superior ao vírus responsável pela atual COVID-19.
https://en.wikipedia.org/wiki/Basic_reproduction_number
Daí no filme terem morrido 2,5 milhões de pessoas só nos EUA.
Curiosamente, na realidade, o Trump diz que as primeiras estimativas mostravam que iam morrer mais de 2 milhões de pessoas nos EUA. Será que ele diz isto porque viu o filme e baseia-se nos números deste filme?
Ola!
Sei que o post já é antigo, mas “vim cá parar” agora…e vi o filme há um par de semana.
Eu gostei e partilho em grande parte da tua opinião.
No entanto, quem me acompanhava achou que o vendedor de banha da cobra saiu demasiado ileso da história. Quiçá se devesse ter dado ainda mais ênfase à sua trafulhice.
Ainda assim, sendo um filme de Hollywood, achei que se sairam bastante bem.
Quiçá até demasiado próximo à realidade que vivemos não faz muito tempo e onde as teorias da conspiração foram mais que abundantes (embora eu confesse que a histeria também foi um pouquito muita).
🙂
Lembro-me do “Outbreak” com o Dustin Hoffman e o Donald Sutherland…
[…] a Humanidade, ameaçando a nossa existência, é realista. Neste sentido, faz lembrar os filmes Contágio e 12 […]