Lua e Vénus sobre a Praia do Guincho, em Cascais, a 25 de Fevereiro de 2012.
Crédito: Sérgio Paulino.
Já não é a primeira vez que recebemos comentários sobre este estranho fenómeno na Lua. Aparentemente, a companheira da Terra tem aparecido nos céus a norte do equador a formar um U sobre a paisagem! Enfim… isto só pode parecer estranho a quem nunca olhou para a Lua.
Após uma pequena pesquisa no Google percebe-se que estas preocupações têm origem em mentiras compiladas em Março por vários blogs de qualidade duvidosa. Nesses textos afirma-se que esta suposta anomalia é uma prova de que “algo está diferente na órbita da Terra ou com a da Lua ou talvez com ambas”. Antes de me deter nesta patetice sem sentido, vou explicar primeiro como é possível observar um crescente lunar perfeitamente paralelo ao horizonte em locais tão longínquos do equador como Cuba ou o Rio de Janeiro.
Quem já olhou para a Lua mais que uma vez na vida apercebeu-se certamente de mudanças cíclicas na sua aparência. Conhecidas por fases lunares, estas mudanças não são mais que um truque de luz produzido pela gradual mudança do ângulo de incidência dos raios solares sobre a orbe lunar. O período compreendido entre duas Luas Novas consecutivas define um ciclo lunar completo (também denominado lunação), e tem como duração média cerca de 29,53 dias.
Simulação do aspecto da Lua visto numa posição geocêntrica ao longo do ano de 2012. Reparem que durante toda a animação a Lua não apresenta exactamente a mesma face. Na verdade, a Lua parece oscilar em períodos ligeiramente mais curtos que o de cada lunação. Essas oscilações denominam-se librações e são um produto do movimento orbital da Lua. Na animação são visíveis dois tipos de libração: a libração em longitude e a libração em latitude. A primeira resulta da excentricidade da órbita lunar, enquanto que a segunda é uma consequência da inclinação do eixo de rotação da Lua em relação ao plano definido pela sua órbita em redor da Terra (existe ainda um terceiro tipo de libração, conhecido por libração diurna ou paraláctica, que resulta da mudança de perspectiva induzida pela rotação da Terra).
No vídeo é ainda visível um segundo movimento mais subtil. Se observarem com atenção vão verificar que a Lua vai aparentemente alterando o seu tamanho. Este fenómeno ocorre ao longo de cada revolução orbital e é produzido pelo movimento da Lua entre os dois pontos extremos da sua órbita: o perigeu, o ponto em que está mais próxima do nosso planeta, e o apogeu, o ponto em que se encontra mais distante.
Crédito: NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio.
Diariamente, a Lua aparenta progredir numa trajectória no céu de leste para oeste. Esta trajectória não é mais que uma ilusão criada pela rotação da Terra. Na verdade, a Lua move-se no sentido contrário, numa órbita excêntrica com um período de 27,32 dias (ligeiramente mais curto que o período de uma lunação), o que explica a sua deslocação para leste em noites consecutivas relativamente à abóbada celeste. Para além da sua excentricidade, a órbita da Lua apresenta ainda uma inclinação de 5,1º relativamente à elíptica, a que corresponde uma inclinação de 18,3 a 28,6° em relação ao equador terrestre dependendo da estação do ano na Terra. Ora, na prática, o que isto quer dizer é que em algumas lunações pode surgir um crescente lunar numa posição perfeitamente paralela ao horizonte em latitudes até 28º distantes do equador (por exemplo, Havana, a capital de Cuba, está 23º a norte do equador). Ou seja, nada disto é anómalo!
Para darem alguma consistência a este disparate, os autores dos blogs que tomam este fenómeno como insólito argumentam que “alguns cientistas também detectaram a anomalia lunar”. Para justificar esta afirmação, acenam com este artigo de um suposto investigador da Cornell University.
Em primeiro lugar, Lorenzo Iorio não é um cientista da Cornell University; é sim um funcionário do Ministério da Educação, das Universidades e da Investigação de Itália. Depois, é preciso ler com alguma atenção o seu artigo para o perceber de forma correcta. Através do que parece uma sequência de complicadas equações, Iorio expõe no seu artigo a detecção de um aumento na excentricidade orbital da Lua em (9 ± 3) × 10−12/ano, em dados recolhidos entre 1970 e 2008. Aparentemente, este aumento não é explicado pelos actuais modelos de interacção gravitacional entre a Lua e a Terra ou qualquer outro objecto conhecido no Sistema Solar.
Em que é que se traduzem estes valores na realidade? Traduzem-se num desvio de apenas 3,5 mm por ano nos extremos da órbita da Lua. Ou seja, de acordo com este artigo de Iorio, dentro de 100 milhões de anos, o perigeu e o apogeu lunares estarão deslocados em cerca de 350 km, cerca de 1/10 do diâmetro equatorial da Lua! Obviamente, este desvio nunca seria perceptível para um observador na Terra mesmo após 100 milhões de anos!
Claro que o artigo de Iorio fascina os profetas da desgraça não tanto pela sua possível importância na descrição da órbita da Lua, mas sim pelas especulações lançadas pelo autor para explicar a pequena anomalia na excentricidade orbital. Segundo Iorio, a discrepância por si descoberta poderia ser produto da perturbação gravitacional de um planeta com a massa da Terra numa órbita a 30 UA de distância do Sol, ou de um gigante com a massa de Júpiter situado um pouco mais distante, a 200 UA. No entanto, mesmo ele deixa transparecer o óbvio: um hipotético planeta com essas características já teria sido descoberto há muito tempo pelos astrónomos!!
Enfim… mais um chorrilho de disparates que só servem para vender as mesmas tretas de sempre do fim do mundo.
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