Capitão Tyson na Enterprise da imaginação

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Vi o primeiro episódio do novo Cosmos.

A série começa com Tyson no mesmo penhasco onde Sagan iniciou a original.

Tal como em 1980, somos imediatamente convidados a embarcar na nave da imaginação: visitamos o passado e o futuro da Terra, a Lua, Mercúrio, Sol, Marte, Vénus, Júpiter, Úrano, Neptuno, os planetoides e asteroides que delimitam as fronteiras do Sistema Solar, incluindo Plutão; a Via Láctea, a galáxia vizinha Andrómeda, o Grupo Local de galáxias e por aí fora, em passagens breves até termos um vislumbre de todo o Universo Observável.

O segundo segmento é quase todo animação, com Seth MacFarlane a fornecer pelo menos algumas das vozes.

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Revisitamos o percurso de Giordano Bruno, o monge que a Inquisição condenou à fogueira por defender a visão segundo a qual a Terra era um planeta como outros orbitando uma estrela como outras. Em termos de conteúdo, é o melhor que o episódio tem para nos dar – e também o mais criativo.

Os membros da Igreja são caracterizados como sinistros vilões de BD, mas funcionam mais como símbolos da mentalidade tacanha, dogmática e geocêntrica própria também dos cientistas dessa época. Nem por um segundo a fé é colocada em causa: «O vosso Deus é demasiado pequeno», desafia o crente Bruno, incapaz de convencer os que o perseguem e hostilizam de que um Deus infinito dera origem a Universo infinito.

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O terceiro segmento é o Calendário Cósmico – outro festim para os olhos.

13.700 milhões de história estão concentrados em 12 meses: Tyson mostra-nos o Big Bang, o nascimento das primeiras estrelas e galáxias, a formação do Sistema Solar, as colisões catastróficas que deram origem aos planetas e apresenta-nos a origem da vida como um dos grandes mistérios científicos de todos os tempos.

Uma sequência mostra Tyson numa praia, à beira-mar, enquanto ao lado o primeiro anfíbio se aventura lentamente do mar para a terra, «como se estivesse a explorar um planeta extra-terrestre».

Quando Tyson aponta no Calendário Cósmico a nossa presença insignificante no vasto contexto do Espaço-Tempo, as suas palavras evocam o célebre capítulo do livro Pale Blue Dot, de Sagan.

O episódio termina onde começou: nos penhascos à beira-mar que Sagan pisou há quase 35 anos. Tendo em conta que estamos a falar do melhor comunicador de Ciência que já existiu, é fácil esquecer que também foi um cientista com obra feita: o programa recorda brevemente as suas maiores realizações.

Numa nota mais pessoal – é um grande momento de Tyson no episódio – é-nos recordado o encontro com Sagan referido neste artigo. Tyson mostra-nos a agenda do astrofísico e o livro com dedicatória que lhe ofereceu.

E assim acaba este primeiro episódio, emocional para os fãs da série original devido à ternurenta homenagem a Sagan, e com um convite para novas viagens e explorações – como é óbvio, aceitarei de bom grado!

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A Ciência é fixe

Para um leigo interessado em Ciência e que lê regularmente livros de divulgação científica, o que Neil deGrasse Tyson mostra não é novidade.

Tyson fala por vezes como se a audiência do programa fosse composta exclusivamente por crianças – tendo em conta a iliteracia científica de muitos adultos, não deixa de ser um tom apropriado. Mas julgo perceber a intenção: influenciar e deslumbrar uma geração de miúdos e adolescentes como Sagan nos influenciou e deslumbrou. Tyson partilha com este o mesmo estilo de pedagogo apaixonado.

Ver o primeiro episódio do Cosmos é portanto revisitar factos científicos que já conheço apresentados da forma mais espetacular possível.

O novo Cosmos é uma mistura de guia turístico cósmico com Star Trek. Graças aos avanços da animação por computador, é um festim para os olhos. Os planos da Grande Mancha Vermelha de Júpiter, por exemplo, são uma obra-prima dos efeitos visuais. Quase me esquecia de respirar.

A banda sonora de Alan Silvestri não me fez esquecer a da original: Vangelis conseguia criar hinos grandiloquentes no sintetizador que se colavam aos ouvidos como canções pop – resultava muito bem, tanto em Cosmos como em Blade Runner, mas Silvestri prefere as grandes orquestras e escolhe o caminho mais conservador. A banda sonora lembra vagamente a que Edward Williams compôs para a série da BBC A Vida na Terra – e isto não é mau, claro.

A sensação de maravilhamento da série original não se repete para mim e não é por culpa de Tyson ou sequer da música, mas devido a dois factos simples: já não sou nenhuma criança e os tempos são outros. Quando Cosmos estreou, em 1980, não havia a Internet nem sites da NASA para satisfazer a minha curiosidade científica. Não tinha visto muitos vídeos, documentários e filmes de ficção científica. Mas tantos anos depois, continua a valer a pena.

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Aqueça os motores, Mr. Scott

Tyson é um magnífico anfitrião da série e um grande guia turístico espacial. Não é romântico e literário como Sagan, mas também sabe ser eloquente e transborda de entusiasmo. Vê-se bem que gosta das câmaras e sabe que as câmaras também gostam dele. Um dia gostaria de lhe perguntar se ao levantar-se de manhã se olha ao espelho e diz: «Caramba, eu sou o Neil deGrasse Tyson».

O diretor do Planetário Hayden está como peixe na água neste cenário de ficção científica ou, se quiserem, no super-planetário montado por Ann Druyan e Seth MacFarlane: coloca os óculos escuros à maneira de um Homem de Negro e senta-se aos comandos da nave da imaginação como um capitão Kirk dos documentários científicos: «Mande aquecer os motores da Enterprise e leve-nos ao Grupo Local, Mister Scott» – só falta mesmo dizê-lo em voz alta.

1 comentário

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    • Marinho Lopes on 01/04/2014 at 14:19
    • Responder

    Faz lembrar a carrinha mágica! 😛
    Eu por acaso não gostei muito da parte animada com o Giordano Bruno, que achei que ficou demasiado apalhaçada, ainda assim compreendo que não quisessem dramatizar.

    Ainda só vi dois episódios e para já destaco os excelentes efeitos especiais e a eloquência do Tyson. É pena que o nível da abordagem seja bastante infantil e ao nível do mais básico, mas compreende-se a opção. Pode ser que no seguimento da série comecem a subir a fasquia. De qualquer forma, não deixa de ser interessante.

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