Espaço Vazio

Foi autorizada a reprodução deste artigo da autoria de Daniel F. M. Folha – Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Saúde – Norte (ISCS-N), Coordenador de Projectos e Protocolos do CIENCEDUC – Educação para as Ciências (Departamento de Ciências do ISCS-N), Investigador do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP).

O artigo intitulado “Espaço Vazio” foi publicado originalmente na coluna “À Distância…” em Maio de 2013 no Clube de Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática.

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Distâncias (quase) infinitamente grandes e distâncias (quase) infinitamente pequenas estão intrinsecamente relacionadas no Universo de que fazemos parte e que aos poucos vamos tentando conhecer melhor. (…) Uma modesta contribuição para ajudar a reflectir sobre a nossa posição no contexto cósmico.

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Estou a escrever este texto sentado numa cadeira, com os meus braços apoiados numa mesa e alguns dos meus dedos a tocar nas teclas de um computador. Todos estes objetos são essencialmente espaço vazio! Porventura o leitor parou no ponto de exclamação, releu o texto e pensou: o homem está doido… Passou-se!

Deixemos por momentos aqueles objetos do quotidiano. A imagem que se segue mostra-nos a galáxia NGC 1187, uma bonita galáxia em espiral, situada a cerca de 60 milhões de anos-luz da Terra. Também esta galáxia, como aliás todas as outras, é essencialmente espaço vazio.

Crédito: ESO

Crédito: ESO

Nós vivemos dentro de uma galáxia deste género, a Via Láctea e, para nós, cá dentro, é fácil constatar que a maior parte do espaço numa galáxia é vazio. Quase basta olhar para o céu noturno para perceber isso. Mas podemos quantificar. A maior parte das 400 mil milhões de estrelas da Via Láctea encontram-se no disco galáctico, cuja espessura é aproximadamente mil anos-luz e o diâmetro é cerca de 100 mil anos-luz, de onde resulta que cada estrela tem para si um volume da ordem de 20 anos-luz cúbicos, ou seja uma esfera com cerca de 3,3 anos-luz de diâmetro. Cada estrela e tudo o que possa girar à sua volta ocupa apenas uma pequeníssima fração deste volume. No caso do Sol, essa fração é da ordem de 10-22. Ou seja, na vizinhança do Sol, qualquer coisa como 99,99999999999999999999 % do espaço é vazio. Mais casa decimal menos casa decimal, podemos generalizar este resultado à Galáxia como um todo e mesmo a outras galáxias.

O mesmo não se passará com a cadeira, a mesa e o computador, certo? Vejamos. Qualquer um destes objetos, tal como todos os outros que conhecemos, é composto por átomos. Cada átomo é formado por um núcleo de protões e neutrões, rodeado por tantos eletrões quantos os protões no núcleo (ou quase). Em cada átomo, o tamanho do núcleo é cerca de 100 mil vezes menor do que o tamanho do átomo, isto é, se um átomo fosse uma esfera com 100 metros de diâmetro, o núcleo seria um berlinde com 1 mm de diâmetro colocado bem no centro da esfera, com os eletrões espalhados pela esfera. Estes, por sua vez, são pelo menos 1000 vezes menores do que o núcleo dos átomos. Como o leitor já percebeu, um átomo é essencialmente espaço vazio e, consequentemente, qualquer objeto feito de átomos, é essencialmente espaço vazio! É esta a principal razão pela qual algumas partículas conseguem atravessar matéria. Eletrões energéticos atravessam folhas de papel e até placas pouco espessas de alumínio. Fotões energéticos atravessam o corpo dos seres vivos (raios-x), paredes de betão e mesmo paredes de chumbo (raios gama). Neutrinos atravessam a Terra de um lado ao outro quase como se nada estivesse no seu caminho. Quais sondas espaciais a viajar pelo vazio do espaço interplanetário do Sistema Solar, estas partículas podem viajar através do espaço vazio dos átomos que constituem a matéria.

Se os átomos que me constituem são essencialmente espaço vazio. Se os átomos da cadeira em que me sento, da mesa que utilizo e do computador em que escrevo são essencialmente espaço vazio, porque não atravesso a cadeira? Porque me posso apoiar na mesa? Porque posso tocar nas teclas do computador? A resposta está num princípio da física quântica, o Princípio de Exclusão de Pauli. São as leis físicas que se aplicam às coisas (quase) infinitamente pequenas e definir os fenómenos associados aos objetos do quotidiano.

P.S. – Neutrinos são partículas subatómicas, sem carga elétrica e, provavelmente, com massa muito reduzida (mesmo no que a partículas subatómicas diz respeito). O Sol emite neutrinos como consequência das reações nucleares responsáveis pela produção de energia que ocorre nas profundezas do seu interior, e que na prática lhe permitem existir como estrela.

3 comentários

  1. O atomo é uma esfera com nucleo e os electrões a circular no diametro dessa esfera?

    1. Tentando dar uma resposta simples, de acordo com os modelos da mecânica quântica (a mecânica quântica é o que melhor temos actualmente para descrever o que é um átomo) e utilizando uma interpretação corpuscular para o eletrão (em oposição a uma interpretação ondulatória – atenção á dualidade onda-partícula que é intrinseca à mecânica quântica) é possível calcular “apenas” a probabilidade de encontrar um eletrão numa dada região do espaço em torno do núcleo. É possível usar a forma tridimensional das funções de probabilidade para ter uma ideia da forma da região por onde se desloca um eletrão num átomo. No caso mais geral (átomos com diversos eletrões) os eletrões podem deslocar-se em regiões do espaço cuja forma não é esférica dado que a forma das funções de probabilidade não é esférica (ver, por exemplo http://www.youtube.com/watch?v=K-jNgq16jEY).

    2. Acrescento a referência para uma discussão interessante acerca deste assunto, em http://www.physicsforums.com/showthread.php?t=146612.

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