… a bailarina das estrelas?
… ou a marciana artística?
Há cerca de 1 ano demos a notícia que tinham sido encontradas moléculas orgânicas no meteorito de Murchison. Leiam aqui.
A principal autora do estudo tinha sido a portuguesa Zita Martins.
Outra descoberta relacionada, foi esta, patrocinada em parte pelo programa de Cosmochemistry da NASA.
Ela é uma “estrela em ascenção” no panorama da astrobiologia – e é portuguesa!!!
Está neste momento a tirar um pós-doutoramento no Imperial College of London, na Inglaterra.
Ela foi candidata ao Prémio Empreendedorismo Inovador na Diáspora Portuguesa no dia 10 de Junho do ano passado.
Além desta descoberta (em português), a portuguesa Zita Martins também está a trabalhar para a ExoMars, o rover europeu a ser enviado para Marte.
(sobre a ExoMars, leiam também esta entrevista ao Nuno Silva)
Podem ler uma entrevista escrita feita pela famosa jornalista Andreia Azevedo Soares (fez o programa 4XCiência na RTP2), neste blog.
Ela tem feito várias entrevistas e vou agora falar delas.
Foi entrevistada neste programa Mexicano pelo Jaime Maussan:
Sinceramente, tenho sentimentos contraditórios quanto a ela ter entrado voluntariamente neste programa.
Por um lado, acho que fez bem ao mostrar ciência aos espectadores desse programa.
Por outro lado, acho que fez mal, porque pode ter “sido levada”.
Este programa Mexicano é basicamente sobre OVNIs, em que todos são pilotados por extraterrestres inteligentes – e o que a Zita Martins tenta passar é a mensagem oposta: a mesma mensagem cósmica de Carl Sagan.
Este programa é apresentado pelo Jaime Maussan, famoso pelos disparates (de um ponto de vista científico e lógico) que transmite sobre OVNIs, abducções por extraterrestres, e teorias da conspiração. Ele é o Hoagland mexicano.
Aliás, ainda há cerca de 2 anos o vi afirmar na TV que os cientistas da NASA e da ESA são todos uns mentirosos, que estão a esconder as provas da existência de marcianos inteligentes! E a prova que ele mostrou na altura foi uma fotografia tirada pela Mars Express (da ESA) que segundo ele “provava” existirem rios em Marte e muito provavelmente vida nesses rios actuais.
Ou seja, espero bem que ela tenha visto o programa e outros que ele fez para a frente, para ter certeza que o que ela disse não foi usado para a agenda dele de que se está a provar a existência de vida inteligente extraterrestre (devido à descoberta no meteorito).
Oiçam esta excelente entrevista que ela deu para a TSF, para o programa do famoso jornalista Carlos Vaz Marques. Cliquem aqui.
E vejam esta excelente entrevista que ela deu para o programa Bairro Alto, da RTP 2, no dia 21 de Abril. Cliquem aqui.
São duas excelentes entrevistas que recomendo ouvirem/verem.
No entanto, como nada é perfeito, cá fica algo a melhorar:
– quando ela diz que a astrobiologia começou com o NAI, isso não é verdade. Curioso que há 2 anos num seminário a que fui assistir, a primeira convidada (do NAI) disse precisamente isso – imediatamente um professor (da UT e que também pertence ao NAI) levantou o braço e disse-lhe que ela não poderia dizer isso porque é mentira. A história da astrobiologia é muito longa. O NAI simplesmente pôs pessoas de diversos departamentos a trabalhar conjuntamente (mesmo que por vezes a milhares de kms de distância), deu-lhes “grants”, deu-lhes uma maior publicidade, deu-lhes o “equipamento” (e orçamento) da NASA, deu-lhes um “lobby”, e todo o know-how que a NASA possibilita.
Mas a astrobiologia já existia antes – só não era a este nível de ter uma plataforma própria na NASA.
Parece-me que a “misconception” da Zita Martins se deve a um desconhecimento de toda a história do que hoje se chama astrobiologia (um termo que apareceu em 1941) e que funciona como um “guarda-chuva” que engloba uma diversidade enorme de ciências e uma diversidade enorme de estudos distintos, a que conjuntamente se chama de astrobiologia. Já existe há milhares de anos, mas este “produto” foi tendo diversas “embalagens” ao longo da história – chamando-se agora de astrobiologia.
(exemplo: uma cadeira há 3000 anos atrás poderia-se chamar chinelo. Agora chama-se uma cadeira. Não quer dizer que a cadeira só tenha aparecido agora. Apareceu há milhares de anos sob outros “rótulos” mas não deixava de ser a mesma coisa. O que muda é o rótulo – mas o rótulo não interessa para nada, interessa sim as propriedades. O mesmo se passa com a astrobiologia. Anaxágoras, Herschel, ou a Ordem do Golfinho – de Drake, Sagan, Lilly, e outros – são alguns exemplos antes do NAI que estão sob esse “guarda-chuva” da astrobiologia)
A astrobiologia desenvolveu-se grandemente, em termos científicos, de lobby, e de publicidade, desde o NAI. Mas não começou com o NAI.
– não gostei quando ela não quiz responder à pergunta sobre Deus.
Está no seu direito não responder, mas o que me parece é que meteu os pés pelas mãos ao fazê-lo.
A resposta sobre os Criacionistas, sobre o trabalho dela (e não as crenças), e sobre a fé de alguns cientistas – tudo certo.
No entanto, ao não responder, dá “armas” aos Criacionistas para dizerem: “Estão a ver? Os cientistas sentem-se pouco confortáveis com estas perguntas, e até têm medo de dizerem em que acreditam”.
(é precisamente o que a extrema-direita religiosa dizia dos Democratas, durante os últimos anos, aqui nos EUA)
Para mim, é uma pergunta tão normal como me perguntarem se sou do SLB ou do FCP. Sou do SLB, ninguém tem nada a ver com isso, e não afecta minimamente nem tem nada a ver com o meu trabalho.
Ela perdeu um “teachable moment” para explicar a diferença entre método científico e fé, entre ciência e crença. Em vez disso mostrou medo em responder a uma pergunta totalmente normal.
– não concordo quando ela se referiu à Panspermia.
Não me vou referir à “enteada” Panspermia Directa que isso não passa de especulação (imaginada no Star Trek e depois por alguns cientistas).
A Panspermia propriamente dita, até pode ser entendida como ela disse – basicamente os meteoróides trazerem vida para a Terra.
Mas parece-me que já o Anaxágoras não tinha uma visão tão redutora dessa ideia, dizendo que o que agora se chama de Panspermia seria as tais “pedras celestiais” trazerem as “sementes da vida” para a Terra. E o que são os constituintes básicos da vida, senão essas mesmas “sementes da vida”?
Parece-me assim que existem duas maneiras de ver a Panspermia. A maneira mais científica será a que ela disse. A mais “popular” e mais “histórica” é aquela que envolve o trabalho dela.
– eu sempre disse “Urey-Miller experiment”. Tal como ela disse na entrevista. Na Europa sempre ouvi dizer assim.
No entanto, aqui ouço dizer ao contrário, e em “papers” já tive que corrigir (após passar pelos revisores) para Miller-Urey. É que o Miller é que era o estudante de doutoramento que fez o trabalho todo. O Urey era o seu supervisor. Daí que o Miller é que é o 1º autor.
– não me parece que ela estivesse bem dentro do tema dos OVNIs e/ou de possíveis visitas de ETs inteligentes. Nem devia, porque não é esse o trabalho dela.
– quanto à pergunta da competição, penso que respondeu bem. Eu iria mais longe afirmando que é uma ideia mais “dos media”, do que a realidade. A realidade é mais de cooperação a nível de cientistas (como ela disse e bem), mas é pouco falado nos media.
– ela diz que não ficou surpreendida por os contactos nos EUA lhe responderem. E tem razão. A mim sempre me aconteceu o mesmo.
No entanto, essa é uma diferença cultural acentuada.
Em Portugal, há muita mais gente a não me responder do que nos EUA, apesar de nos EUA em termos profissionais essas mesmas pessoas estarem muitos níveis acima do que os portugueses que não me respondem.
Curioso que não me acontece só a mim, mas tenho muitos outros amigos a quem acontece o mesmo.
Outra curiosidade é que quando ponho a minha informação de contacto (por exemplo, a universidade a que pertenço) ou ponho Dr. antes do nome, há mais portugueses a responderem-me.
Outro facto interessante é que os portugueses que estão fora ou que já estiveram fora, não têm qualquer problema a responderem.
Ainda outro facto é que mesmo em Portugal, aqueles que profissionalmente são melhores e têm maior visibilidade, são os que mais respondem. Os outros, além de piores em termos profissionais, são também menos simpáticos.
Por último, os portugueses normais respondem – os que só respondem se eu puser antes do meu nome “Sua Alteza Real” não me parecem muito “normais” e ao não me responderem, vou ficando a saber quem são eles…
– adorei quando ela falou de Sagan. Falou de Sagan sobretudo na rádio e bastante bem! O que poderia melhorar? Falar ainda mais!
🙂
Outras críticas foram sendo descritas na nossa comunidade.
Poderá faltar uma experiência e destreza comunicacional, que tornem o discurso mais interessante, mais fascinante, e menos introvertido.
Poderá faltar também uma cultura científica mais alargada que lhe permita ter uma visão mais global da astrobiologia (história, transversalidade, e relação com sociedade).
No entanto, as críticas são feitas com base numa amostra bastante limitada destas entrevistas, daí que não se pode tirar conclusões.
Podem ler mais algumas discussões sobre isto, aqui, aqui, e aqui.
Isto não põe em causa o trabalho de investigação dela, que é excelente.
Simplesmente em termos de comunicação, há partes que pode melhorar.
Independentemente destes pormenores, a minha avaliação é: nota A.
Em resumo, são duas excelentes entrevistas que não devem perder.
Penso inclusivé até que estão mais sérias/profissionais que as minhas.
Penso que isso terá a ver com dois factores: o trabalho dela é mais científico que o meu, e a minha personalidade é mais relaxada e extrovertida (penso eu!).
Parece-me que isto dos portugueses-cientistas de sucesso cá fora anda em ciclos. Há picos de vez em quando na comunicação social portuguesa.
Nos últimos anos, lembro-me das diversas entrevistas do neurocientista António Damásio, do astrofísico João Magueijo, e agora a Zita Martins.
Concluindo: excelente trabalho da Zita Martins!
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[…] muito interessante sobre astrobiologia. O artigo é inteiramente dedicado à investigação da Zita Martins.No entanto, o jornalista também me contactou, e incluiu algumas das minhas frases numa das […]