O Dia das Mentiras

Nota introdutória: perante os comentários de pessoas alarmadas e muito confusas sobre o dia 21 de dezembro, eu e o educador científico Carlos Oliveira, juntámos forças e escrevemos um artigo a ser publicado em simultâneo nos dois blogues. Esperamos que este texto possa ser lido por essas pessoas e que contribua para as sossegar.

Crédito: Bruce Plante

Crédito: Bruce Plante

Hoje, 21 de de­zem­bro de 2012, é dia das mentiras.

Horas de pro­gra­ma­ção, qui­los de pa­pel de jor­nal e inú­me­ras pá­gi­nas na Internet fo­ram con­su­mi­dos a pro­pó­sito de uma men­tira. Há quem a re­co­nheça como tal e leve na brin­ca­deira. Há quem a leve a sé­rio e se deixe do­mi­nar pelo medo. Há mesmo quem pense no suicídio.

Este post é de­di­cado a es­tas pes­soas. As que têm medo. As que es­tão as­sus­ta­das e con­fu­sas, sem sa­ber em quem acreditar.

Crédito: Steve Nease

Crédito: Steve Nease

Hoje, 21 de de­zem­bro, é dia das mentiras.

Porque o fim do mundo nada tem a ver com as pro­fe­cias Maias (es­tas nem exis­ti­ram). Nada tem a ver com pla­ne­tas, co­me­tas ou es­tre­las anãs em rota de co­li­são com a Terra. Nada a ver com «cin­tu­rões fo­tó­ni­cos» ou «nu­vens de ener­gia» ca­ta­clís­mi­cas. Nada a ver com sú­bi­tas e gi­gan­tes­cas tem­pes­ta­des so­la­res ou qual­quer ou­tra ca­tás­trofe que os ins­ti­ga­do­res pos­sam imaginar.

O fim do mundo tem a ver com dinheiro.

É esta a ver­dade fun­da­men­tal deste dia.

É só uma ques­tão de di­nheiro – de como ga­nhar di­nheiro à custa da cre­di­bi­li­dade alheia e dos idi­o­tas úteis que nada per­ce­bem de Ciência, mas fa­zem o fa­vor de pro­pa­gar tais men­ti­ras nos blo­gues ou no YouTube.

December-21-2012-Keep-Calm-by-21-december-21-2012

A Lua é segura, não tem vulcões ativos

A última pa­tra­nha tem a ver com o vul­cão Tungurahua, no Equador.

O Tungurahua in­ten­si­fi­cou a sua ati­vi­dade vul­câ­nica e os men­te­cap­tos na Web apressaram-se a as­so­ciar o evento ao fim do mundo. Este vul­cão tem es­tado ativo nos últi­mos treze anos, mas bas­tou um es­tado de alerta la­ranja emi­tido pe­las au­to­ri­da­des equa­to­ri­a­nas para lan­çar um falso alarme catastrófico.

Um alerta ver­me­lho fora emi­tido em de­zem­bro de 2010, le­vando à eva­cu­a­ção de mi­lha­res de pes­soas, mas o mundo não aca­bou. Quatro anos an­tes, uma erup­ção ma­tara seis pes­soas – um acon­te­ci­mento trá­gico para os ha­bi­tan­tes da al­deia de Chimborazo, mas o mundo não acabou.

Vivemos num pla­neta ge­o­lo­gi­ca­mente ativo – es­tes even­tos são nor­mais. São parte da vida, não a ex­cluem. Associar os es­pas­mos de um vul­cão me­nor a si­nais do fim do mundo é tão ab­surdo como di­zer que a Lua é um sí­tio apra­zí­vel para se vi­ver por es­tar ge­olo­gi­ca­mente morta e, por con­se­guinte, não ter vul­cões em atividade.

Trampollywood em ação: John Cusack, pro­ta­go­nista de «2012»

Trampollywood em ação: John Cusack, pro­ta­go­nista de «2012»

Gambozinos no céu

Hoje, 21 de de­zem­bro, é dia das mentiras.

O fim do mundo é uma me­ga­lo­ma­nia dos ven­de­do­res da ba­nha da cobra.

O fim do mundo tem dado jeito a muita gente. É um negócio.

O re­a­li­za­dor Roland Emmerich apro­vei­tou a his­te­ria à volta dos Maias para fa­zer um filme tão ca­tas­tró­fico como me­dío­cre e ga­nhar di­nheiro à custa de quem tem medo. O ob­je­tivo foi ple­na­mente atin­gido: «2012» ar­re­ca­dou mais de 580 mi­lhões de eu­ros em re­cei­tas de bi­lhe­teira e foi o quinto filme mais lu­cra­tivo de 2009.

No ano pas­sado, Harold Camping (mais um pro­feta da trupe do fim do mundo), me­teu 72 mi­lhões de dó­la­res ao bolso e dei­xou cen­te­nas de fa­mí­lias na mi­sé­ria, sem di­nheiro para dar de co­mer aos fi­lhos. Camping con­sul­tou a Bíblia e anun­ciou o fim do mundo para 21 de maio de 2011. Nada acon­te­ceu. Desculpou-se di­zendo que se en­ga­nara nos cál­cu­los e mar­cou ou­tra data: 21 de ou­tu­bro de 2011. Nada aconteceu.

Camping de­ci­diu en­tão sair de cena e dei­xou a li­de­rança da sua es­ta­ção evan­ge­lista Family Radio. Este vi­ga­rista e usur­pa­dor de­ve­ria ter sido jul­gado e cri­mi­nal­mente res­pon­sa­bi­li­zado, mas goza uma re­forma dou­rada gra­ças às do­a­ções de mi­lha­res de fiéis, ob­ce­ca­dos em as­se­gu­rar um lu­gar no Paraíso quando o fim do mundo chegasse.

Por causa das men­ti­ras de Harold Camping, uma jo­vem russa de­ma­si­ado im­pres­si­o­ná­vel, Nastya Zachinova, suicidou-se a 21 de maio do ano pas­sado. Zachinova, 14 anos, es­tava tão per­tur­bada com as pre­di­ções do ví­garo que pre­fe­riu enforcar-se no quarto a en­fren­tar um Dia do Juízo Final.

Isabel Taylor, uma in­glesa de 16 anos, tam­bém se en­for­cou no quarto, con­ven­cida de que uma tem­pes­tade so­lar pro­vo­ca­ria uma ca­tás­trofe nu­clear na Terra. Quando as au­to­ri­da­des in­ves­ti­ga­ram o com­pu­ta­dor da ado­les­cente, des­co­bri­ram no his­tó­rico do brow­ser de­ze­nas de links para sí­tios do fim do mundo.

Uma ou­tra ado­les­cente na Índia, iden­ti­fi­cada ape­nas pelo pri­meiro nome, Chayya, envenenou-se com pes­ti­cida por re­cear que o Grande Acelerador de Partículas do CERN iria ge­rar um bu­raco ne­gro que en­go­li­ria o pla­neta. Também ti­nha 16 anos.

Por causa da pro­fe­cia Maia que nunca exis­tiu, al­gu­mas pes­soas ma­ta­ram os seus ani­mais, ou­tras fi­ze­ram pac­tos de sui­cí­dio co­lec­tivo, uma mãe pla­ne­ava ma­tar as suas duas fi­lhas, uma jo­vem de 13 anos pla­ne­ava suicidar-se – os ca­sos são muitos.

Nem só ado­les­cen­tes fra­gi­li­za­dos caiem no conto do vi­gá­rio cósmico.

Se há uma li­ção a re­ti­rar do sui­cí­dio co­le­tivo pro­ta­go­ni­zado pelo grupo Portas do Céu em 1997, é pre­ci­sa­mente esta: pes­soas com cur­sos uni­ver­si­tá­rios que jul­gá­va­mos imu­nes a la­va­gens ce­re­brais po­dem ser pro­gres­si­va­mente en­ga­na­das ou ma­ni­pu­la­das e atin­gir es­ta­dos emo­ci­o­nais que as con­du­zem a ati­tu­des drásticas.

A crença no fim do mundo é quase tão an­tiga como a pró­pria ci­vi­li­za­ção. Esta en­trada na Wikipédia lista o nú­mero de pre­di­ções que já exis­ti­ram: 600 anos an­tes de Cristo, já os ro­ma­nos se dei­xa­vam im­pres­si­o­nar com len­das ca­tas­tró­fi­cas so­bre a des­trui­ção com­pleta de Roma. Entre essa data e 2012, exis­tem mais de 250 pre­di­ções do fim do mundo.

Surpresa: to­das falharam!

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O fim do mundo se­gue den­tro de momentos

Não ad­mira por isso que a Publicidade se te­nha apro­pri­ado desta pa­ra­noia se­cu­lar para cha­mar a aten­ção do con­su­mi­dor. Veja-se este anún­cio instigando-nos a com­prar um Seat an­tes do fim do mundo.

O ca­nal História al­berga lixo te­le­vi­sivo como o pro­grama «Antigos Astronautas», por­tanto não é de ad­mi­rar que se apro­veite do fe­nó­meno para nos ati­rar à cara o mito do fim do mundo. Mas nem um ca­nal mais vi­rado para as his­tó­rias da ca­ro­chi­nha do que para a História pode fu­gir à sua pró­pria hi­po­cri­sia: en­quanto lu­cra com pro­gra­mas alar­mis­tas so­bre ca­tás­tro­fes, man­tém a sua pro­gra­ma­ção para os dias se­guin­tes ao Armagedão…

Mesmo es­ta­ções de te­le­vi­são à par­tida «res­pei­tá­veis» como o National Geographic não têm es­crú­pu­los em ali­nhar num jogo tão lu­cra­tivo. A hi­po­cri­sia mantém-se: en­quanto numa pá­gina se anun­cia uma emis­são es­pe­cial para hoje des­ti­nada a ex­plo­rar es­tes me­dos até ao tu­tano, nou­tra é-nos mos­trado um ar­tigo onde tais mi­tos são desmontados

Perante isto, para quê per­der mais tempo?

O único ob­je­tivo de toda esta gente é ob­ter a sua aten­ção; se têm a sua aten­ção, têm a au­di­ên­cia; se têm a au­di­ên­cia, con­se­guem fi­nal­mente o dinheiro.

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O fim do mundo está ape­nas na ca­beça das pes­soas, não no mundo real. Portanto não de­ses­pere. Mantenha-se calmo. Passe o me­lhor dia pos­sí­vel: oiça mú­sica, con­verse, dance, cante, leia, ria, brin­que, faça amor. Não co­lo­que o seu fu­turo nas mãos de men­ti­ro­sos sem es­crú­pu­los. Não se deixe «mor­rer» di­ante da te­le­vi­são ou nos ma­ni­có­mios que pro­li­fe­ram na Web. 21 de de­zem­bro é uma ex­ce­lente oca­sião para se sen­tir mais vivo do que nunca.

Keep Calm Carry On

8 comentários

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    • Ricardo Correia on 21/12/2012 at 17:10
    • Responder

    Quando olho pelo telescópio também vejo a Lua MUUUUUUUUUUUUUITO maior. Ou então são pessoas daquelas que usam óculos fundo de garrafa, tipo fucionário da Junta que confundem moedas de 50 centimos com testos de panelas…

    Quando Sol se tornar numa gigante vermelha fico preocupado.

    Abraço

  1. So deus sabe o dia
    ninguei tem o poder de saber o dia do fim do mundo

  2. Pelo que ando lendo, tem gente que jura estar vendo a Lua maior e achando que isso é um sinal do fim do mundo.
    Pois… 🙁 Que chegue logo o dia 22 e acabe isso de uma vez! 😛

  3. “O Tungurahua in­ten­si­fi­cou a sua ati­vi­dade vul­câ­nica e os men­te­cap­tos na Web apressaram-se a as­so­ciar o evento ao fim do mundo. Este vul­cão tem es­tado ativo nos últi­mos treze anos, mas bas­tou um es­tado de alerta la­ranja emi­tido pe­las au­to­ri­da­des equa­to­ri­a­nas para lan­çar um falso alarme catastrófico.”

    😛 😛

    A ironia é saber que diversos pseudos afirmam que estamos na verdade a “tremer-nas-bases”, pois negamos que uma “série de coisas estão ao ocorrer neste planeta”, quando já se sabe que todos esses eventos não são de nenhuma maneira inéditos na cronologia da Terra. Ficamos calmo perante notícias acerca de atividades tectônicas em lugares não tão propícios à estes, vulcanismo e chuvas torrenciais pois sempre fizeram parte da dinâmica desse planeta.

    Excelente artigo, Marco.

    Abraços.

    • Jéeh shinoda on 21/12/2012 at 02:13
    • Responder

    E agora tão dizendo q erraram a data,a data certa é dia 23

    1. Não é de agora… dia 22 vão inventar outras datas 😉

        • Jéeh shinoda on 21/12/2012 at 12:33

        Só tenho q agradecer a vcs pelo tanto que me ajudaram.muito obrigada!

    2. “E agora tão dizendo q erraram a data,a data certa é dia 23”

      Isso não é mais nenhuma novidade, jovem. 😉 Esse é o “modus operandi” pseudo: inventar tretas e modificar datas até “acertarem” uma. Como sempre, nunca acertam, pois tais tretas – como a própria palavra sugere – não possuem base científica. 😉

      Novamente, sugiro à “Jéeh” a parar de frequentar tais blogs pseudocientíficos. Em prol da própria saúde e bem estar mental. 😉

      Abraços.

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