Nota introdutória: perante os comentários de pessoas alarmadas e muito confusas sobre o dia 21 de dezembro, eu e o educador científico Carlos Oliveira, juntámos forças e escrevemos um artigo a ser publicado em simultâneo nos dois blogues. Esperamos que este texto possa ser lido por essas pessoas e que contribua para as sossegar.
Hoje, 21 de dezembro de 2012, é dia das mentiras.
Horas de programação, quilos de papel de jornal e inúmeras páginas na Internet foram consumidos a propósito de uma mentira. Há quem a reconheça como tal e leve na brincadeira. Há quem a leve a sério e se deixe dominar pelo medo. Há mesmo quem pense no suicídio.
Este post é dedicado a estas pessoas. As que têm medo. As que estão assustadas e confusas, sem saber em quem acreditar.
Hoje, 21 de dezembro, é dia das mentiras.
Porque o fim do mundo nada tem a ver com as profecias Maias (estas nem existiram). Nada tem a ver com planetas, cometas ou estrelas anãs em rota de colisão com a Terra. Nada a ver com «cinturões fotónicos» ou «nuvens de energia» cataclísmicas. Nada a ver com súbitas e gigantescas tempestades solares ou qualquer outra catástrofe que os instigadores possam imaginar.
O fim do mundo tem a ver com dinheiro.
É esta a verdade fundamental deste dia.
É só uma questão de dinheiro – de como ganhar dinheiro à custa da credibilidade alheia e dos idiotas úteis que nada percebem de Ciência, mas fazem o favor de propagar tais mentiras nos blogues ou no YouTube.
A Lua é segura, não tem vulcões ativos
A última patranha tem a ver com o vulcão Tungurahua, no Equador.
O Tungurahua intensificou a sua atividade vulcânica e os mentecaptos na Web apressaram-se a associar o evento ao fim do mundo. Este vulcão tem estado ativo nos últimos treze anos, mas bastou um estado de alerta laranja emitido pelas autoridades equatorianas para lançar um falso alarme catastrófico.
Um alerta vermelho fora emitido em dezembro de 2010, levando à evacuação de milhares de pessoas, mas o mundo não acabou. Quatro anos antes, uma erupção matara seis pessoas – um acontecimento trágico para os habitantes da aldeia de Chimborazo, mas o mundo não acabou.
Vivemos num planeta geologicamente ativo – estes eventos são normais. São parte da vida, não a excluem. Associar os espasmos de um vulcão menor a sinais do fim do mundo é tão absurdo como dizer que a Lua é um sítio aprazível para se viver por estar geologicamente morta e, por conseguinte, não ter vulcões em atividade.
Gambozinos no céu
Hoje, 21 de dezembro, é dia das mentiras.
O fim do mundo é uma megalomania dos vendedores da banha da cobra.
O fim do mundo tem dado jeito a muita gente. É um negócio.
O realizador Roland Emmerich aproveitou a histeria à volta dos Maias para fazer um filme tão catastrófico como medíocre e ganhar dinheiro à custa de quem tem medo. O objetivo foi plenamente atingido: «2012» arrecadou mais de 580 milhões de euros em receitas de bilheteira e foi o quinto filme mais lucrativo de 2009.
No ano passado, Harold Camping (mais um profeta da trupe do fim do mundo), meteu 72 milhões de dólares ao bolso e deixou centenas de famílias na miséria, sem dinheiro para dar de comer aos filhos. Camping consultou a Bíblia e anunciou o fim do mundo para 21 de maio de 2011. Nada aconteceu. Desculpou-se dizendo que se enganara nos cálculos e marcou outra data: 21 de outubro de 2011. Nada aconteceu.
Camping decidiu então sair de cena e deixou a liderança da sua estação evangelista Family Radio. Este vigarista e usurpador deveria ter sido julgado e criminalmente responsabilizado, mas goza uma reforma dourada graças às doações de milhares de fiéis, obcecados em assegurar um lugar no Paraíso quando o fim do mundo chegasse.
Por causa das mentiras de Harold Camping, uma jovem russa demasiado impressionável, Nastya Zachinova, suicidou-se a 21 de maio do ano passado. Zachinova, 14 anos, estava tão perturbada com as predições do vígaro que preferiu enforcar-se no quarto a enfrentar um Dia do Juízo Final.
Isabel Taylor, uma inglesa de 16 anos, também se enforcou no quarto, convencida de que uma tempestade solar provocaria uma catástrofe nuclear na Terra. Quando as autoridades investigaram o computador da adolescente, descobriram no histórico do browser dezenas de links para sítios do fim do mundo.
Uma outra adolescente na Índia, identificada apenas pelo primeiro nome, Chayya, envenenou-se com pesticida por recear que o Grande Acelerador de Partículas do CERN iria gerar um buraco negro que engoliria o planeta. Também tinha 16 anos.
Por causa da profecia Maia que nunca existiu, algumas pessoas mataram os seus animais, outras fizeram pactos de suicídio colectivo, uma mãe planeava matar as suas duas filhas, uma jovem de 13 anos planeava suicidar-se – os casos são muitos.
Nem só adolescentes fragilizados caiem no conto do vigário cósmico.
Se há uma lição a retirar do suicídio coletivo protagonizado pelo grupo Portas do Céu em 1997, é precisamente esta: pessoas com cursos universitários que julgávamos imunes a lavagens cerebrais podem ser progressivamente enganadas ou manipuladas e atingir estados emocionais que as conduzem a atitudes drásticas.
A crença no fim do mundo é quase tão antiga como a própria civilização. Esta entrada na Wikipédia lista o número de predições que já existiram: 600 anos antes de Cristo, já os romanos se deixavam impressionar com lendas catastróficas sobre a destruição completa de Roma. Entre essa data e 2012, existem mais de 250 predições do fim do mundo.
Surpresa: todas falharam!
O fim do mundo segue dentro de momentos
Não admira por isso que a Publicidade se tenha apropriado desta paranoia secular para chamar a atenção do consumidor. Veja-se este anúncio instigando-nos a comprar um Seat antes do fim do mundo.
O canal História alberga lixo televisivo como o programa «Antigos Astronautas», portanto não é de admirar que se aproveite do fenómeno para nos atirar à cara o mito do fim do mundo. Mas nem um canal mais virado para as histórias da carochinha do que para a História pode fugir à sua própria hipocrisia: enquanto lucra com programas alarmistas sobre catástrofes, mantém a sua programação para os dias seguintes ao Armagedão…
Mesmo estações de televisão à partida «respeitáveis» como o National Geographic não têm escrúpulos em alinhar num jogo tão lucrativo. A hipocrisia mantém-se: enquanto numa página se anuncia uma emissão especial para hoje destinada a explorar estes medos até ao tutano, noutra é-nos mostrado um artigo onde tais mitos são desmontados…
Perante isto, para quê perder mais tempo?
O único objetivo de toda esta gente é obter a sua atenção; se têm a sua atenção, têm a audiência; se têm a audiência, conseguem finalmente o dinheiro.
O fim do mundo está apenas na cabeça das pessoas, não no mundo real. Portanto não desespere. Mantenha-se calmo. Passe o melhor dia possível: oiça música, converse, dance, cante, leia, ria, brinque, faça amor. Não coloque o seu futuro nas mãos de mentirosos sem escrúpulos. Não se deixe «morrer» diante da televisão ou nos manicómios que proliferam na Web. 21 de dezembro é uma excelente ocasião para se sentir mais vivo do que nunca.
8 comentários
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Quando olho pelo telescópio também vejo a Lua MUUUUUUUUUUUUUITO maior. Ou então são pessoas daquelas que usam óculos fundo de garrafa, tipo fucionário da Junta que confundem moedas de 50 centimos com testos de panelas…
Quando Sol se tornar numa gigante vermelha fico preocupado.
Abraço
So deus sabe o dia
ninguei tem o poder de saber o dia do fim do mundo
Pelo que ando lendo, tem gente que jura estar vendo a Lua maior e achando que isso é um sinal do fim do mundo.
Pois… 🙁 Que chegue logo o dia 22 e acabe isso de uma vez! 😛
“O Tungurahua intensificou a sua atividade vulcânica e os mentecaptos na Web apressaram-se a associar o evento ao fim do mundo. Este vulcão tem estado ativo nos últimos treze anos, mas bastou um estado de alerta laranja emitido pelas autoridades equatorianas para lançar um falso alarme catastrófico.”
😛 😛
A ironia é saber que diversos pseudos afirmam que estamos na verdade a “tremer-nas-bases”, pois negamos que uma “série de coisas estão ao ocorrer neste planeta”, quando já se sabe que todos esses eventos não são de nenhuma maneira inéditos na cronologia da Terra. Ficamos calmo perante notícias acerca de atividades tectônicas em lugares não tão propícios à estes, vulcanismo e chuvas torrenciais pois sempre fizeram parte da dinâmica desse planeta.
Excelente artigo, Marco.
Abraços.
E agora tão dizendo q erraram a data,a data certa é dia 23
Não é de agora… dia 22 vão inventar outras datas 😉
Só tenho q agradecer a vcs pelo tanto que me ajudaram.muito obrigada!
“E agora tão dizendo q erraram a data,a data certa é dia 23”
Isso não é mais nenhuma novidade, jovem. 😉 Esse é o “modus operandi” pseudo: inventar tretas e modificar datas até “acertarem” uma. Como sempre, nunca acertam, pois tais tretas – como a própria palavra sugere – não possuem base científica. 😉
Novamente, sugiro à “Jéeh” a parar de frequentar tais blogs pseudocientíficos. Em prol da própria saúde e bem estar mental. 😉
Abraços.
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